Discos para história: Cê, de Caetano Veloso (2006)


Primeiro disco de trilogia serviu para renovação do repertório do cantor

História do disco

Caetano Veloso estava sem lançar um disco de inéditas desde 2000. No período até o lançamento de , ele lançou uma coletânea de canções em inglês e um ao vivo em parceria com Jorge Mautner. Mas faltava algo a mais a ele, que ainda estava dependente – e, de certo ponto, refém – de seu antigo material. Pois seu primeiro álbum com composições próprias em muitos anos viria para mostrar que o cantor estava pronto para modernizar seu som.

"O resultou de uma mutação, de um desejo de fazer um disco de rock sem o meu nome, e depois fazer um disco de samba. Terminei não fazendo nem um nem outro. Saiu o Cê [...]", disse o cantor, em entrevista à 'Revista Rolling Stone', publicada em maio de 2009.

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O fundamental nessa modernização de Caetano é entender que ele não mudou absolutamente nada do que fazia anteriormente. Ele uniu-se com uma banda com muito menos tempo de estrada, que tratou de aumentar o volume das guitarras. O disco não foi feito naquele formato de banda, em que todos colaboram, mas, basicamente, Caetano chegou com boa parte do material escrito pronto para ser desenvolvido no estúdio.

“Não se trata, porém, de um disco de rock como os que ouço e me interessam. As músicas são minhas, a minha voz continua a mesma, os meus cabelos estão mais brancos do que pretos”, disse Caetano ao site português 'Mundo de Músicas'.

Um dos responsáveis por essa renovação do repertório de Caetano foi o músico Pedro Sá, que fez parte da banda que acompanhou o cantor durante a trilogia envolvendo Cê, Zii e Ziê (2009) e Abraçaço (2012). "O Caetano sempre esteve muito à vontade musicalmente com essa banda. Sempre ele vem com uma ideia muito clara do que ele quer. Uma levada, uma linha de baixo, o que a guitarra pode fazer", contou Sá ao site 'Guitar Talks' em 2014.

Veja também:
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"Normalmente ele já vem com uma ideia muito clara, mas ao mesmo tempo... tem essa coisa de onde você vai ser rigoroso e onde você vai relaxar. Ao mesmo tempo que ele é muito rigoroso, tem ideias muito claras, muito precisas, essas ideias não deixam de ser muito sugestivas e eu acho que a banda entendeu muito bem onde fazer o quê e a maneira como acontece", completou.

Lançado em setembro de 2006, mostrou como Caetano Veloso pode moldar sua música de acordo com o momento. Desta vez, o momento pedia algo mais rock. E assim ele fez.


Resenha de

O trabalho começa com "Outro". Com cara de poema, a letra ganhou um arranjo dançante e acabou sendo uma ótima escolha para abrir o disco, e atiçar o público a querer ouvir o registro até o final. A melancólica "Minhas Lágrimas" traz um arranjo dos mais bonitos e acaba destacando bem o tom solitário das palavras ditas por Caetano, que mais declama do que canta. São duas faixas de tons diferentes, mas boas nesse início e entender como o cantor consegue transitar bem em vários estilos sem perder sua característica.

A tal faixa que falam de Caetano no rock é "Rocks". E eles têm razão. Da guitarra bem alta, incluindo um solo, até o andamento, ela é uma mostra de como fazer uma letra simples, de bom apelo pop e de teor juvenil. E em "Deusa Urbana" temos a típica canção de exaltação a alguém do sexo feminino em que o interlocutor destaca aspectos bem específicos de partes do corpo da retratada. Já na melancólica "Waly Salomão", Caetano faz uma homenagem ao poeta e amigo de mesmo nome, morto em 2003.



Dessa nova fase, uma das letras mais subestimadas é a de "Não Me Arrependo". Porque não é só sobre não arrepender-se de algo, mas olhar o todo ver o que valeu a pena em uma relação. Acaba sendo uma boa lição a todos – ele deveria cantar mais essa canção nas apresentações. Mas um problema desse disco é "Musa Híbrida", uma tentativa estranha de Caetano plagiar a si mesmo. Sem sucesso, claro, mas vale pela "cozinha" da banda que está ótima.

Um término pode gerar ótimas músicas. É o caso de "Odeio", momento em que cada trecho fala sobre os personagens envolvidos ao destacar pontos bem específicos de cada um – à época, Caetano Veloso e Paula Lavigne haviam terminado um longo relacionamento. Em "Homem", de parte instrumental ótima, outra das mais legais do álbum, traz um momento em que o cantor diz não ter inveja das mulheres em tudo. Ou quase. Ele apenas lamenta não ter "a longevidade e dos orgasmos múltiplos".



Completamente descolada do resto, "Porquê?" é cantada com um sotaque português que eu não entendi direito o motivo de ela estar aqui, enquanto "Um Sonho" é puro Caetano sendo Caetano do início ao fim. E a última faixa é "O Herói", um tipo de rap que só o cantor teria coragem de fazer, gravar e ainda ser elogiado.

Conseguiram vender Cê como um disco de rock, mas não é. Esse registro não passa de Caetano fazendo o que sabe fazer de melhor: transitar bem em vários gêneros sem sair de seu pedestal. É um bom álbum, no fim das contas. Porque ele estava mesmo precisando dar uma renovada no repertório e uma agitada, musicalmente falando, em si mesmo. Ele consegue fazer as duas coisas de forma a construir um bom álbum.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Outro" (3:00)
2 - "Minhas Lágrimas" (5:09)
3 - "Rocks" (3:36)
4 - "Deusa Urbana" (3:46)
5 - "Waly Salomão" (3:24)
6 - "Não Me Arrependo" (4:08)
7 - "Musa Híbrida" (4:21)
8 - "Odeio" (5:58)
9 - "Homem" (4:46)
10 - "Porquê?" (3:53)
11 - "Um Sonho" (3:23)
12 - "O Herói" (3:44)

Todas as músicas foram escritas por Caetano Veloso.

Gravadora: Universal
Produção: Pedro Sá e Moreno Veloso
Duração: 49min09

Pedro Sá: guitarra
Ricardo Dias Gomes: baixo e piano
Marcelo Callado: bateria
Caetano Veloso: violão e vocal



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