Discos para história: Unknown Pleasures, do Joy Division (1979)


Primeiro disco da banda é um dos melhores daquele ano e referência na sonoridade do pós-punk

História do disco

A empolgação juvenil do punk fez muitos jovens britânicos criarem bandas entre o meio e o fim dos anos 1970. Uma delas foi o Warsaw – inspirado na música “Warsawa”, de David Bowie –, formado pelo guitarrista e tecladista Bernard Sumner, o baixistia Peter Hook e o baterista Terry Mason. Faltava um vocalista. O amigo Martin Gresty foi convidado, mas acabou optando por trabalhar em uma fábrica e declinou do convite. Um anúncio foi colocado em uma loja de discos e Ian Curtis (1956-1980), que frequentava os mesmos shows que os três, foi saber se ele poderia fazer um teste. Nem precisou. Curtis entrou como quarto membro da banda sem fazer uma audição. Isso era meados de 1976.

O primeiro show aconteceu em 29 de maio de 1977 no Electric Circus, abrindo para Buzzcocks, Penetration e John Cooper Clarke. A efervescência da cena local logo colocou o Warsaw em uma nota na já importante revista 'NME'. Mas a banda vivia o drama do baterista. Sim, àquela altura, eles estavam no terceiro nome. Até que desistiram de procurar por eles mesmos e recorreram aos anúncios para saber se alguém se interessava. Foi aí que apareceu Stephen Morris, antigo colega de Curtis na escola. Assim, estava fechada a formação original do Joy Division. Quer dizer, o nome ainda não era Joy Division.

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Existia na cena londrina uma banda chamada Warsaw Pakt e, não era incomum, as duas bandas serem confundidas por quem queria contratá-los para fazer um show. Foi aí que o Warsaw decidiu mudar o nome para Joy Division. O Warsaw Pakt, formado por Jimmy Coull, Lucas Fox, Andy Colquhoun, John Manly e Chris Underhill, durou menos de um ano e lançou apenas um disco. A banda acabou sendo dispensada pela gravadora pela baixa vendagem desse trabalho. Os membros seguiram em outras bandas após o encerramento das atividades.

Também havia o fato de muitos o chamarem de nazistas pelo uso do nome Warsaw (Varsóvia), então a mudança de nome veio em boa hora, apesar de muita gente ainda ter continuado as ofensas por bastante tempo por conta de o novo nome ser um código para se referir às mulheres presas nos campos de concentração. Eles queriam um nome para lembrar de seus pais, combatentes na Segunda Guerra Mundial. Mas a associação com o nazismo perseguiu, e ainda persegue, a história deles.

O último show como Warsaw aconteceu em 31 de dezembro de 1977, em Liverpool. Menos de um mês depois, ainda usando o antigo nome para atrair a audiência, o Joy Division faria o primeiro show com esse nome menos de um mês depois, em Manchester. Eles estavam crescendo em um ritmo assustador, tanto é que apareceu uma proposta da gravadora RCA para um EP. Mas acabou não dando certo por diferenças criativas entre a banda e os gerentes. O EP An Ideal for Living (1978) acabou saindo pela Enigma/Anonymous e catapultou a banda para a primeira aparição na TV, em setembro de 1978. As boas críticas deram ao grupo a chance de ter uma agenda cheia de shows e a chance de gravar a primeira sessão para o programa do incrível John Peel, um dos DJs mais influentes da história.

Isso levou a primeira crise epilética pública de Curtis. Foi em dezembro de 1978. Levado ao hospital, ele ficou bem, mas a banda percebeu que isso seria algo para administrar com o passar do tempo. Mesmo com esse problema nas mãos, a coisas estavam correndo melhores do que nunca no lado profissional. O Joy Division estava pronto para gravar o primeiro disco cheio. E tudo isso foi feito graças ao empenho e empolgação do jornalista e amigo Tony Wilson, primeiro a acreditar no potencial dos quatro.

Em abril de 1979, a banda entrou em estúdio em três finais de semana para gravar o que viria a ser Unknown Pleasures. Com a ajuda do produtor Martin Hannett (1948-1991), o Joy Division faria história com seu primeiro trabalho. Hannett usou muitas técnicas de estúdio para incrementar o som deles. Por serem completamente cru nesse tipo de trabalho, o grupo dava poucos palpites na metodologia pouco ortodoxa de gravação do produtor. A opinião da banda sobre o disco ficou dividida ao final do processo, e isso perduraria durante muitos anos. Há pouco tempo, Peter Hook, um dos que não tinha gostado, admitiu que o trabalho ficou muito bom.

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Já a capa foi feita a partir de uma imagem encontrada na Enciclopédia de Astronomia de Cambridge de uma visualização monocromática das ondas eletromagnéticas emitidas por uma estrela enquanto ela morria. Feita por Harold D. Craft Jr – hoje um renomado cientista –, em 1970, no desenvolvimento de sua tese, a imagem foi colocada no disco sem a devida autorização do dono, mas ele nunca reclamou os direitos autorais.

Lançado em 15 de junho de 1979, Unknown Pleasures é considerado um dos grandes discos da década e o melhor daquele ano. Muito mais do que um disco, a estreia do Joy Division foi um marco no que viria a ficar conhecido como pós-punk, além de a banda ser uma inspiração para gente que está na ativa até os dias atuais.



Resenha de Unknown Pleasures

O disco começa com a dançante "Disorder". Para um disco melancólico e cheio de letras pesadas, é algo completamente inesperado. O baterista Stephen Morris conduz o ritmo, Peter Hook manda ver no baixo e Bernard Sumner solta vários riffs ao longo dos quase três minutos e meio. O Joy Division que o mundo conheceu aparece na melancólica "Day of the Lords", faixa que Ian Curtis lamenta a morte de uma amiga que era epiléptica – o mesmo problema de saúde que ele teve. Hook entrando no refrão para cantar Where will it end? Where will it end?/ Where will it end? Where will it end? só dá mais força para o todo, além de o baixo também ser fundamental aqui para guiar a melodia.

Não se engane por "Candidate" demorar 14 segundos para começar e soar como se estivesse no final da faixa. A intenção era essa mesma, principalmente para destacar o vocal arrastado de Curtis em uma letra sobre a memória de um amor que morreu dentro do coração. "Insight" também passa a sensação de começar da metade em uma das canções mais tristes da discografia da banda (Tears of sadness for you/ More upheaval for you/ Reflects a moment in time/ A special moment in time/ Yeah we wasted our time/ We didn't really have time). O efeito dos sintetizadores consegue criar uma atmosfera ainda mais melancólica.



O início com o baixo em "New Dawn Fades" já seria o suficiente para transformá-la em uma ótima faixa desse disco, mas ela vai além ao ser uma faixa épica das melhores gravadas no pós-punk. É difícil mensurar a importância dela, porém o fato consumado que sua melodia e letra são difíceis de serem reproduzidas por qualquer um. E ainda há o vocal arrastado e único de Curtis, que faz diferença na interpretação de versos como We'll share a drink and step outside/ An angry voice and one who cried/ We'll give you everything and more/ The strain's too much, can't take much more/ Oh, I've walked on water, run through fire/ Can't seem to feel it anymore.

O lado B do LP começa com a magistral "She's Lost Control", faixa sobre a epilepsia da mesma garota já citada anteriormente. Pensando em linhas gerais, não deixa de ser uma canção um pouco perturbadora do ponto de vista emocional, mas qualquer desconfiança terminar ao escutá-la. O arranjo é a base de todo pós-punk popularizado no início dos anos 1980, além de ser a avó de toda discografia do New Order – banda fundada após o suicídio de Curtis em 1980. Já "Shadowplay" tem um tamanho imenso nessa gravação graças ao trabalho do produtor Martin Hannett. Ao preencher a base da banda com sintetizadores e efeitos diversos, é possível afirmar que ela foi transformada em um épico e até faz você deixar um pouco de lado a dor do vocal ao interpretá-la.



Se o eco e o riff de guitarra fazem toda diferença em "Wilderness", "Interzone" traz muito do punk dos anos 1970 na velocidade e na transição entre a primeira e a segunda parte, e por ser direta e reta na mensagem. O final reserva a porrada sonora e emocional "I Remember Nothing". Parece que a segunda parte do disco é toda conectada para chegar nesse final beirando o gótico.

Unknown Pleasures já seria um disco histórico por si só, mas a morte de Ian Curtis no ano seguinte ao lançamento só deu um tamanho ainda maior para suas letras melancólicas. O trabalho apontou um novo caminho para a música depois do fenômeno punk, e isso seria a pedra fundamental de boa parte da música na década seguinte.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Disorder"
2 - "Day of the Lords"
3 - "Candidate"
4 - "Insight"
5 - "New Dawn Fades"

Lado B

6 - "She's Lost Control"
7 - "Shadowplay"
8 - "Wilderness"
9 - "Interzone"
10 - "I Remember Nothing"

Todas as músicas foram escritas pelo Joy Division.

Gravadora: Factory
Produção: Martin Hannett
Duração: 39min24s

Ian Curtis: vocais
Bernard Sumner: guitarra e teclado
Peter Hook: baixo e vocal em "Interzone"
Stephen Morris: bateria e percussão

Convidado:
Martin Hannett: sintetizadores e efeitos sonoros



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