Discos para história: Ritchie Valens, de Ritchie Valens (1959)


Jovem cantor morreu e deixou uma coleção de músicas quase prontas

História do disco

O início da madrugada do 3 de fevereiro fazia muito frio e estava nevando, mas o jovem piloto Roger Peterson achou que o deslocamento curto seria feito com facilidade. O avião, um Beechwood Bonanza, tinha espaço para três pessoas e equipamento de uma banda. Sendo o dono da ideia de alugá-lo, Buddy Holly tinha espaço garantido na viagem. O jovem astro do rock queria ir rápido para a próxima cidade. Depois de um show exaustivo e de problemas com o ônibus da turnê, chamada Winter Dance Party (Festa Dançante no Inverno em tradução livre), ele apenas queria uma cama quente para dormir e reunir forças para a próxima apresentação, em Moorhead, Minnesota, de uma sequência de 24 em poucos dias no meio-oeste americano.

A turnê corria muito bem, como previsto. Além de Holly, a atração principal, Ritchie Valens e Dion and the Belmonts estavam dividindo o ônibus e o público. Era uma turnê muito grande e fazê-la dessa maneira garantiria uma grana a mais para todos os envolvidos. Mas, em um certo ponto, o aquecedor quebrou e muitos músicos começaram a sentir sintomas de forte gripe. Um deles foi J.P. Richardson, conhecido como Big Bopper. O outro foi o baterista Carl Bunch (1939-2011), tão doente que chegou a dar entrada no hospital com início de pneumonia.

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O baixista Waylon Jennings (1937-2002) também tinha vaga certa no voo, mas, vendo a situação de Richardson, cedeu o lugar ao amigo adoentado. Restava um lugar. No conserto, o ônibus só ficaria pronto na manhã seguinte e, muito provavelmente, quem não pegasse o voo chegaria em cima da hora para cumprir o próximo compromisso. A história por trás do último assento ainda é cheia de mistério e versões conflitantes entre quem estava lá.

Tommy Allsup (1931-2017), guitarrista de Holly, afirmou anos depois que Valens o venceu em um cara ou coroa e ficou com o último lugar, enquanto o cantor Dion DiMucci conta que ele foi o vencedor da disputa, mas achou absurdo precisar pagar US$ 36 em um deslocamento tão curto. Segundo ele, esse dinheiro garantiria o aluguel do apartamento onde ainda morava com os pais. Seja qual for a versão, é fato que Valens embarcou no voo.

Ao subir e ganhar altura, o avião enfrentou uma forte nevasca. Segundo relatos oficiais da investigação, o inexperiente piloto calculou mal a altura por não estar enxergando o suficiente. Poucos quilômetros depois, o Beechwood Bonanza, que levava consigo o futuro do rock, bateu nas montanhas perto de Clear Lake, Iowa. Os quatro homens presentes no voo morreram instantaneamente. O dia 3 de fevereiro de 1959 ficou conhecido como "o dia em que a música morreu". Era o fim do sonho de uma talentosa geração que o rock estava vendo florescer e com imenso potencial para fazer história. Não deu.

Ricardo Esteban Valenzuela Reyes nasceu em 13 de maio de 1941 e foi criado na região de San Fernando Valley em uma família mexicano-americana. Incentivado pela família, aprendeu a tocar vários instrumentos, mas, no início da adolescência, focou no violão e na guitarra do ídolo Little Richard. E, mesmo canhoto, aprendeu a tocar com a cordas para destro. Do rockabilly às canções tradicionais mexicanas, Ritchie Valenzuela aprendeu de tudo um pouco, e isso o fez conseguir vaga em uma banda chamada Silhouettes aos 16 anos. Não demorou muito para ele assumir o posto de vocalista do grupo.

Em 1958, aconteceu com ele o sonho de todo garoto que monta uma banda: foi descoberto por um produtor durante uma apresentação. Esse cara era Bob Keane, também dono da gravadora Del-Fi. A primeira decisão tomada foi encurtar o sobrenome de Ritchie para Valens. Segundo ele, o apelido tinha muito mais apelo ao público jovem do que o nome inteiro. A primeira gravação da parceria foi "Come on Let's Go" que, apesar dos problemas em estúdio – foram 60 tentativas até sair correta – chegou ao 42º posto das paradas. Esse feito só mostrou o potencial de Ricthie Valens na música.

No fim daquele ano, Valens já havia largado a escola para focar na carreira. Quando ele fez isso, era dono de um número 2 nas paradas. "Donna", o segundo single de sua carreira, foi lançado em um compacto simples com dois lados. No outro havia "La Bamba", uma folclórica canção mexicana rearranjada por ele, de modesta 42ª posição. Mas seria essa segunda, após o lançamento da cinebiografia de mesmo nome mais de 30 anos após sua morte, que manteria seu curto legado musical vivo para as gerações seguintes.

Veja também:
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Esses três singles fizeram de Valens um novo ídolo teen. Ao lado de Buddy Holly, Big Bopper, Dion and the Belmonts e Frankie Sardo, ele seria tratado como o futuro do rock, a geração substituta de Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Little Richard e Chuck Berry. Em alta, aos 17 anos, no início de 1959, foi convidado para uma turnê com 24 datas no meio-oeste americano. Depois de dias com o aquecedor do ônibus quebrado e problemas de saúde de membros de sua banda, Holly teve a ideia de alugar um avião para ir ao próximo destino o mais rápido possível.

Valens morreu sem deixar um álbum pronto, mas havia muito material de estúdio gravado por ele. Em sete meses de contrato com a gravadora, o cantor fez muitas sessões com diversos músicos. Um mês depois da morte de Valens, a gravadora lançou um LP com algumas de suas gravações – incluindo seus três sucessos. O disco chegou ao 23º posto nas paradas, sendo o único com gravações inteiramente originais disponibilizadas pela Del-Fi.

Ritchie Valens deixou poucas gravações, então avaliar seu potencial é impossível. Mas seu legado mostrou que a geração sucessora dos primeiros nomes famosos da história do rock teria chance de ter ido longe na carreira. Tanto é que o vácuo deixado por eles só foi preenchido anos depois com uma certa banda de quatro rapazes de Liverpool.


Resenha de Ritchie Valens

A animada "That's My Little Suzie" abre o disco e mostra como o rock era bem inocente ao tratar de uma relação entre adolescentes. O solo de guitarra no meio faz a ponte na repetição do refrão, deixando ainda mais claro que essa é a parte mais importante da faixa. Curta, com menos de dois minutos, também mostra como Valens tinha um discurso encantador para os jovens da época. A segunda é a melancólica e simples "In a Turkish Town", sobre a saudade de um grande amor.

Primeiro single de Valens a fazer sucesso, "Come On, Let's Go" é um rock muito dançante e grudento. Do primeiro verso ao refrão, é aquele tipo de faixa feita para cativar o público jovem da época. E conseguiu isso muito bem com seu refrão (Well, I love you, babe/ And I'll never let you go/ Come on, baby, so, oh, pretty baby, I love you so). A segunda canção de trabalho foi a balada para dançar agarradinho "Donna", sobre o amor que deixou o personagem principal e ele nunca mais a esqueceu.



Mas não demorou para ele arrumar outra garota, no caso "Boney-Moronie". A faixa é um cover de Larry Williams (1935-1980) que havia a lançado apenas dois anos antes. Para fechar o lado A, "Ooh, My Head" surge dando uma alfinetada em Little Richard e em toda geração do rock surgida entre 1955 e 1956 (Well, Bonie Moronie, Peggy Suzy/ They ain't gonna be around no more).

Para abrir o lado B, um clássico. "La Bamba" não fez tanto sucesso na época de seu lançamento, mas virou a música mais conhecida de Ritchie Valens. A introdução no baixo seguida pela guitarra a tornam muito reconhecível. Como Valens tinha total domínio da língua espanhola, decidiu gravá-la exatamente como no original. E deu muito certo. Ele também optou por não fazer um cover ou mudar os versos, mas, ao adaptá-la ao seu conceito musical, tornou-a atraente para qualquer um com vontade de dançá-la. Virou um clássico até os dias atuais.



Depois dessa vêm uma sequência de covers. Começando pela balada "Bluebirds Over the Mountain", a descrição de um garota identificada por um apelido em "Hi-Tone" e um blues sobre um rapaz ser culpado por um crime que não cometeu chamado "Framed". Para encerrar, uma típica balada da época ("We Belong Together") e outra bem mais animada ("Dooby-Dooby-Wah").

Valens não teve tempo de fazer muita coisa na música, mas conseguiu deixar um legado do mais admiráveis para quem estava há poucos meses de completar 18 anos. Sua partida é lamentada até hoje pela família e amigos próximos ainda vivos. Porém suas canções ainda vivem.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "That's My Little Suzie" (Valens, Robert Kuhn) (1:52)
2 - "In a Turkish Town" (Valens) (2:16)
3 - "Come On, Let's Go" (Valens) (2:00)
4 - "Donna" (Valens) (2:28)
5 - "Boney-Moronie" (Larry Williams) (2:46)
6 - "Ooh, My Head" (Valens) (1:48)

Lado B

7 - "La Bamba" (Tradicional, adaptada por Valens) (2:06)
8 - "Bluebirds Over the Mountain" (Ersel Hickey) (1:45)
9 - "Hi-Tone" (Al Hazan) (2:06)
10 - "Framed" (Jerry Leiber, Mike Stoller) (2:13)
11 - "We Belong Together" (Robert Carr, Johnny Mitchell, Hy Weiss) (1:57)
12 - "Dooby-Dooby-Wah" (Valens, Kuhn) (1:53)

Gravadora: Del-Fi
Produção: Robert Keane
Duração: 25min15s

Ritchie Valens: vocal e violão

Os outros músicos que participaram das gravações não foram creditados.



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