Discos para história: Ella and Louis, de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong (1956)


O primeiro disco da parceria é a bola da vez na edição 146 da seção

História do disco

A história da união entre Ella Fitzgerald (1917 – 1996) e Louis Armstrong (1901 – 1971) nesse primeiro de três LPs gravados se confunde com a fundação da gravadora Verve. Fundada por Norman Granz (1918 – 2001), o grande empreendedor da história do jazz nos Estados Unidos, em 1956, ele a criou para gravar os discos da cantora depois de encerrado o contrato com a Decca – Granz também era agente de Fitzgerald.

Os dois já haviam trabalhado juntos na antiga gravadora, mas a ideia de tê-los em um disco era muito ousada. As vozes eram muito diferentes. Ella já era uma das maiores de seu tempo, enquanto Louis era exaltado por seu trabalho no trompete. Ambos toparam a empreitada em um ano em que trabalharam muito – a cantora já havia gravado um álbum em que interpretava canções de Cole Porter (1891 – 1964); Armstrong gravou dois discos ao vivo naquela primeiro semestre.

Mais discos dos anos 1950:
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Se o receio de a diferença de 16 anos entre os dois poderia atrapalhar, isso logo foi dissipado na escolha do material por parte de Granz. Ao optar por standards gravados entre os anos 1920 e 1940, sendo alguns sucessos durante o período da Grande Depressão. Então, não era um repertório completamente desconhecido por parte deles. O difícil era tentar casar isso da melhor maneira possível para ter um resultado no tamanho do talento de ambos.

Gravado todo de uma vez no dia 16 de agosto de 1956, o disco Ella and Louis saiu pouco mais de dois meses depois. Além da dupla, os gênios Ray Brown (baixo), Herb Ellis (guitarra), Oscar Peterson (piano) e Buddy Rich (bateria) participaram da gravação. Ou seja, o projeto tinha tudo para da certo logo de cara se dependesse exclusivamente do talento em fazer versões de clássicos extremamente populares da música americana. E deu.

Veja também:
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Essa primeira colaboração mostrou como dois gigantes poderiam trabalhar juntos em estúdio. E também é fundamental para entender o jazz dos anos 1920 até o fim dos anos 1950. Porque Ella Fitzgerald e Louis Armstrong foram membros participantes e fundamentais nessa história. Ela com mais de 20 anos de carreira mantinha todo um frescor em sua voz. Ele estava passando dos 40 anos de profissão, mas ainda uma pompa e elegância nas interpretações de dar inveja. O resultado foi um dos discos de jazz mais cultuados e elogiados em todos os tempos.



Resenha de Ella and Louis

Regravada por Frank Sinatra no clássico In the Wee Small Hours (1955), "Can't We Be Friends?" Ganhou uma versão um pouco mais animada aqui. O vocal Ella Fitzgerald aparece de maneira delicada e agradável, enquanto Louis Armstrong surge bem ao seu estilo – seguindo a melodia e até fazendo parte dela ao cantarolá-la. A força no dueto está no revezamento de ambos nos vocais, até que eles se unem na parte final. É uma pequena a mostra do que está por vir na seguinte, "Isn't This a Lovely Day?", um clássico de Irving Berlin. A segunda faixa tem uma harmonia bem mais suave, abrindo espaço para os vocais brilharem.

Estruturalmente, "Moonlight in Vermont" não é uma canção fácil. Primeiro, ela não rima em nenhum momento; segundo, era difícil para conseguir casar o ritmo vocal com a banda. Mas quem tinha um timaço desse disponível não encontrou muita dificuldade, com um imenso destaque para o solo de trompete entre a primeira e a segunda parte. Muitos outros cantaram "They Can't Take That Away from Me", mas a versão gravada aqui não fica atrás de nenhuma outra – os vocais são tão bem equilibrados que impressiona muito esse entrosamento entre todos os envolvidos.



Os arranjos de "Under a Blanket of Blue" a transformaram em uma faixa muito boa para estar em qualquer filme de época dirigido por Woddy Allen. O lado A fecha com a ótima interpretação de "Tenderly", que um dos muitos destaques é a bateria serena e precisa de Buddy Rich (1917 – 1987), um dos melhores na história do instrumento. E detalhe: ele já era um baterista consagrado, inclusiva já tinha lançado trabalhos solos.

Mais uma da dupla George e Ira Gershwin, "A Foggy Day" abre com o piano leve, colocando andamento suave e vocais delicados. A já famosa "Stars Fell on Alabama" ganhou uma interpretação linda por parte de Ella e Louis, porém a melhor de todo álbum é a versão maravilhosa de "Cheek to Cheek". Todos nesta faixa estão muito bem, e é possível ouvir cada instrumento dessa gravação histórica - os vocais estão excelentes.



A melancólica "The Nearness of You" aparece e é difícil não lembrar de algum bar esfumaçado com essa linda canção rolando na vitrola, enquanto alguns tomam uísque em silêncio. Eles não poderiam ter escolhido um encerramento melhor do que a excelente "April in Paris", de letra saudosista e andamento profundamente triste.

A parceria entre Ella Fitzgerald e Louis Armstrong ainda renderia mais dois LPs nos dois anos seguinte, mostrando a força de dois gênios juntos. Para começar, esse primeiro álbum é cheio de belas interpretações de tesouros fundamentais do jazz americano, tesouros fundamentais para entender um determinado período da história. Um trabalho para ninguém colocar defeito e para sempre eternizado.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Can't We Be Friends?" (Paul James, Kay Swift) (3:47)
2 - "Isn't This a Lovely Day?" (Irving Berlin) (6:16)
3 - "Moonlight in Vermont" (John Blackburn, Karl Suessdorf) (3:42)
4 - "They Can't Take That Away from Me" (George Gershwin, Ira Gershwin) (4:39)
5 - "Under a Blanket of Blue" (Jerry Livingston, Al J. Neiburg, Marty Symes) (4:18)
6 - "Tenderly" (Walter Gross, Jack Lawrence) (5:10)

Lado B

1 - "A Foggy Day" (G. Gershwin, I. Gershwin) (4:32)
2 - "Stars Fell on Alabama" (Mitchell Parish, Frank Perkins) (3:34)
3 - "Cheek to Cheek" (Berlin) (5:53)
4 - "The Nearness of You" (Hoagy Carmichael, Ned Washington) (5:42)
5 - "April in Paris" (Vernon Duke, Yip Harburg) (6:33)

Gravadora: Verve
Produção: Norman Granz
Duração: 54min06s

Louis Armstrong: vocais e trompete
Ella Fitzgerald: vocais
Ray Brown: baixo
Herb Ellis: guitarra
Oscar Peterson: piano
Buddy Rich: bateria
Buddy Bregman: arranjador e maestro



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