Discos para história: Here's Little Richard, de Little Richard (1957)


A 128ª edição da seção conta a história de um dos primeiros sucessos do rock: a estreia de Little Richard

História do disco

Richard Wayne Penniman não nasceu em uma família que vivia o R&B intensamente como muitos de seus amigos. Ao contrário, ele foi rodeado a vida inteira pelo blues e jazz que seus pais escutavam quase todos os dias. Charlie Parker, Tab Smith, Cootie Williams, Hot Lips Page, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Dinah Washington e Georgia White são algumas das influências que esse jovem absorveu ao longo da infância e da adolescência.

E ainda havia o gospel – o cantado por Sister Rosetta Tharpe, uma das grandes cantoras do gênero nos Estados Unidos nos anos 1940 principalmente – das igrejas Pentecostal, Baptista e da African Methodist Episcopal todo final de semana por ter os irmãos, pais e parentes próximos como ministros (as pessoas que ajudam na celebração de alguma forma). Crescer nesse ambiente extremamente musical mexeu com a cabeça desse jovem nascido em Macon, Georgia, e isso o fez querer aprender a tocar piano e a cantar. Mas ele foi mais além: entrou por último na classe da aula de saxofone e foi o melhor aluno, mostrando que aprendia rápido quando o assunto era música.

Por ser pequeno, franzino e ter traços femininos, Richard ganhou o Little (pequeno) como apelido e antes mesmo de qualquer coisa, já era Little Richard para os íntimos. Um dia, antes de o culto começar, ele foi até o piano e começou a tocar músicas de Tharpe, que estava na cidade para uma apresentação. Ela estava na hora, gostou e o convidou para abrir seu show logo depois. O promotor e empresário Clint Brantley não queria deixar, mas a cantora bateu o pé e não se arrependeu. Em seu primeiro show, Little Richard mostrou o motivo de sua mãe falar que ele era "a pessoa mais musical que ela havia visto em seus anos de vida". Ele foi pago pela apresentação, e sua vida nunca mais foi a mesma.

Richard perdeu o interesse na escola e "começou a aprender música do diabo", segundo as pessoas da igreja. Era o tal do R&B, de ritmo dançante e que mexia com a cabeça das pessoas. O agora pianista profissional entrou em sua primeira banda no fim dos anos 1940, a Buster Brown's Orchestra, quando ele atuou em grupos vaudeville, muitas vezes vestido de mulher – ele ficou até o início de 1950, quando acabou seu contrato. Também foi nesse período que ele oficializou o nome Little Richard para promover-se e aproveitou para ouvir e ver nomes como Roy Brown e Billy Wright, os principais nomes do blues do início daquela década e que o influenciariam muito no início da carreira.

Veja mais:
Discos para história: Elvis Presley, de Elvis Presley (1956)

Quando começou a se apresentar solo, Little Richard mostrava muita energia e dava tudo de si. Isso acabou o levando a assinar um contrato com a RCA Victor para a gravação de um single, "Every Hour", primeiro lugar na região sul dos Estados Unidos. Apesar do sucesso, Richard não foi pago e logo saiu da gravadora, que o deixou pobre, sem dinheiro algum e ele precisou arrumar um emprego como lavador de pratos para pagar contas. Trocou de empresário, formou outras duas bandas e nada. Parecia estar fadado ao fracasso. Como última tentativa, por sugestão de Lloyd Price, Richard mandou um material demo para a gravadora Specialty. O pessoal gostou, o convidou para uma sessão e bater um papo. Eles começaram a gravar, mas nada que poderia fazer muito sucesso saiu disso.

Em uma noite depois das muitas tentativas, o pianista foi fazer seu show e improvisou em cima de uma letra que havia composto durante uma apresentação. Era "Tutti Frutti", o sucesso que a gravadora procurava. O produtor Robert "Bumps" Blackwell estava no momento e logo entrou em contato com a compositora Dorothy LaBostrie para trabalhar em cima do que o cantor havia feito, principalmente substituir as partes consideradas picantes.

Lançada como single em novembro, a canção explodiu e mudou a vida de todos os envolvidos ao se tornar um sucesso nos dois lados do Atlântico – uma das primeiras canções a estourar também no Reino Unido. A faixa de trabalho seguinte, "Long Tall Sally", também foi um sucesso imenso, e a carreira de Little Richard muda de patamar de vez, tornando-se o primeiro a fazer sucesso entre negros e brancos – algo inconcebível nos anos 1950 até aquele momento.

O primeiro disco dele, chamado Here's Little Richard, é a união dos Lados A e B dos singles lançados ao longo de 1956. Sendo esse um trabalho cheio, o LP chegou para o consolidar como o grande nome do rock em 1957, quando chegou ao 13º lugar da parada pop. Em pouco tempo, o cantor saiu da pobreza para virar um milionário ao fazer de suas músicas e apresentações um estouro.


Resenha de Here's Little Richard

Ao abrir com a dançante e sensual "Tutti Frutti", Little Richard abre o disco com o jogo ganho. De teor sensual, a letra foi alterada: o que eram versos picantes e cheios de referências ao sexo, virou uma canção agitada, dançante e perfeita para entrar na casa dos jovens sem a proibição dos pais. Um sucesso instantâneo da era romântica do rock, uma música fundamental para entender esse período.

O R&B sensual de "True, Fine Mama" traz um cantor inspirado e ajudado pelo vocal de apoio, que faz toda diferença ao criar o complemento que grudará na sua cabeça por algumas semanas. A banda faz um acompanhamento simples, bom o suficiente para dar ritmo e balanço. O blues, beirando um soul, entra em cena na romântica "Can't Believe You Wanna Leave", com um belo solo de saxofone como ponte para unir a primeira e a segunda parte.



"Ready Teddy" seria um sucesso do rock dos anos 1950, gravado pela primeira ver por Little Richard. Rápida e rasteira, era o single ideal para fazer qualquer jovem sair dançando por aí enquanto era olhado de maneira torta pelo adulto que preferia o jazz. A simples "Baby" abre caminho para o final do lado A, com "Slippin' and Slidin'" – um R&B com rock que satisfaz.

"Long Tall Sally" servia para mostrar todo ego e conhecimento musical de Little Richard. Era a música da explosão, para colocar o lugar abaixo, para fazer qualquer um – homem ou mulher – ir ao delírio durante a apresentação. Com pouco mais de dois minutos, essa canção influenciou centenas de jovens a terem suas bandas no futuro. Alterada da sua primeira versão, lenta e sem propósito, ganhou corpo em definitivo em 10 de fevereiro de 1956, data da gravação. Crua, agressiva e cheia de energia, a primeira canção do lado B é o resumo da carreira de Little Richard.



O andamento mais jazz de "Miss Ann" e "Oh Why?" coloca o trabalho em uma rotação mais lenta, mais para dançar colado com aquela pessoa que você ama. Primeiro single com a nova gravadora, "Rip It Up" é animada o suficiente para colocar o pessoal para dançar. De estrutura bem comum à época, acaba sendo outro bom exemplo de como o R&B misturou-se com o rock naquele período da história da música americana, e o mesmo exemplo cabe na ótima "Jenny Jenny" e na boa "She's Got It".

Uma obra-prima do rock, a estreia de Little Richard em estúdio é um ótimo meio para conhecer a história do início do rock nas paradas de sucesso. Se Elvis Presley era country, Richard era puro R&B. E esse jovem da Georgia deu o que falar em 1957 com esse disco primoroso.



Tracklist:

Lado A

1 - "Tutti Frutti" (Richard Penniman, Dorothy LaBostrie, Joe Lubin) (2:25)
2 - "True, Fine Mama" (Penniman) (2:43)
3 - "Can't Believe You Wanna Leave" (Leo Price) (2:28)
4 - "Ready Teddy" (Robert Blackwell, John Marascalco) (2:09)
5 - "Baby" (Penniman) (2:06)
6 - "Slippin' and Slidin'" (Penniman, Eddie Bocage, Al Collins, James Smith) (2:42)

Lado B

1 - "Long Tall Sally" (Enotris Johnson, Blackwell, Penniman) (2:10)
2 - "Miss Ann" (Penniman, Johnson) (2:17)
3 - "Oh Why?" (Winfield Scott) (2:09)
4 - "Rip It Up" (Blackwell, Marascalco) (2:23)
5 - "Jenny Jenny" (Johnson, Penniman) (2:04)
6 - "She's Got It" (Marascalco, Penniman) (2:26)

Gravadora: Specialty
Produção: Bumps Blackwell
Duração: 28min30s

Little Richard: vocal e piano
Lee Allen: saxofone tenor
Alvin "Red" Tyler: saxofone barítono
Frank Fields: baixo
Earl Palmer: bateria
Edgar Blanchard: guitarra

Convidados:

Justin Adams: guitarra nas faixas 1 and 5
Huey Smith: piano na faixa 5
Renald Richard: trompete na faixa 2
Clarence Ford: saxofone na faixa 2
Joe Tillman/Wilbert Smith/Grady Gaines/Clifford Burks: saxofone tenor na faixa 2
William "Frosty" Pyles: guitarra na faixa 2
Lloyd Lambert: baixo na faixa 2
Oscar Moore: bateria na faixa 2
Roy Montrell: guitarra na faixa 9
Jewell Grant: saxofone barítono na faixa 12
Nathaniel Douglas: guitarra na faixa 12
Olsie Richard Robinson: baixo na faixa 12
Charles Connor: bateria na faixa 12



Veja também:
Discos para história: Construção, de Chico Buarque (1971)
Discos para história: Pet Sounds, do Beach Boys (1966)
Discos para história: Bossanova, do Pixies (1990)
Discos para história: Moving Pictures, do Rush (1981)
Discos para história: American Idiot, do Green Day (2004)
Discos para história: Kind of Blue, de Miles Davis (1959)

Esse post foi um oferecimento de Felipe Portes, o primeiro patrão do blog. Contribua, participe do nosso Patreon.

Gostou do conteúdo? Compartilhe nas redes sociais! Isso ajuda pra caramba o blog a crescer e ter a chance de produzir mais coisas bacanas.

Siga o autor no Twitter