Discos para história: Samba Esquema Novo, de Jorge Ben (1963)


Estreia em estúdio do cantor é aclamada por público e crítica

História do disco

A música brasileira passava por um período de transição muito forte no início dos anos 1960. Nos primeiros 40 anos do século 20, o Brasil viu a Era do Rádio nascer e fazer parte da vida das pessoas. O advento da TV nos anos 1950, ainda que em poucos lugares, começou a mudar a roda das coisas. Inegavelmente, no final daquela década, o País fervia em criatividade em diversos aspectos da sociedade, e o João Gilberto mudou o rumo das coisas quando pegou seu violão e gravou o clássico Chega de Saudade (1958).

As coisas estavam mudando muito rápido para os tradicionalistas, enquanto quem criava estava a pleno vapor. Tom Jobim, Vinicius de Moraes e seus comparsas estavam de um lado com a "Garota de Ipanema", a Jovem Guarda de Roberto, Erasmo e Wanderléa do outro com "Splish Splash". O samba-canção, ritmo que embalou o Brasil por anos e anos, deu lugar a bossa nova e ao pop simples, mas de alcance incrível na nova geração. Era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo – devia ser difícil acompanhar tudo.

Mais discos dos anos 1960:
Discos para história: Revolver, dos Beatles (1966)
Discos para história: Giant Steps, de John Coltrane (1960)
Discos para história: Pet Sounds, do Beach Boys (1966)
Discos para história: Axis: Bold as Love, do Jimi Hendrix Experience (1967)
Discos para história: Maysa, de Maysa (1966)

Mas havia um espaço a ser preenchido. Algo nem lá, nem cá. Nem bossa nova, nem rock and roll. Algo mais samba, mas nem tanto. Também não era jazz, bossa nova, samba-canção ou qualquer coisa. Aliás, era tudo isso junto. E com bastante balanço, feito para dançar. Era novo, diferente e, por isso, olhado torto por quem via de fora. Jorge Ben, antes de acrescentar um Jor ao nome artístico, era muito habilidoso no violão. Cheio de síncopes, mudanças de ritmo e uma batida dançante, ele trazia ainda mais frescor ao ritmo brasileiro.

O produtor Armando Pittigliani foi o primeiro a ouvir as canções de Jorge Ben e ficou encantado com a capacidade do jovem rapaz em aliar o antigo e o novo em algo inédito. Ele não teve dúvidas: antes mesmo de falar com a gravadora, já esquematizou a produção um compacto 78 rpm com as faixas "Mas que Nada" e "Por Causa de Você, Menina" - aliás, foi o último do tipo lançado no Brasil. Foram 100 mil cópias colocadas à venda. "Vendeu mais que pãozinho quente!", relembrou, nos anos 1990, em entrevista ao jornal 'O Globo', reproduzida pelo site 'Brasileiros' em 2014. Havia enorme potencial de sucesso ali, mesmo os críticos acreditando que era uma moda passageira. De completo desconhecido, Jorge Ben virou um fenômeno de vendas.

Veja também:
Discos para história: Rap é Compromisso!, de Sabotage (2001)
Discos para história: Canção do Amor Demais, de Elizete Cardoso (1958)
Discos para história: Houses of the Holy, do Led Zeppelin (1973)
Discos para história: Achtung Baby, do U2 (1991)
Discos para história: Remain in Light, do Talking Heads (1980)
Discos para história: Kinks, do Kinks (1964)

Para ajudar o então jovem cantor e compositor, Pittigliani convidou o Copa Trio que, com mais dois músicos, ganhou a formação conhecida por Copa 5. Meirelles, sax e flauta, o pianista Luiz Carlos Vinhas, o baterista Dom Um Romão, o trompetista Pedro Paulo e o baixista Manuel Gusmão. Foram eles os ajudantes na construção do ritmo das faixas, fundamental para dar o tom certo ao trabalho. Esses arquitetos uniram-se para fazer um dos grandes discos brasileiros de todos os tempos, já elogiado pelo produtor no texto da contracapa.

"Na sua batida tanto se destaca o baixo como o desenho rítmico de sua pontuação na maneira toda sua de tocar. Um exemplo disso é o fato de várias faixas deste disco não contarem com o contrabaixo na orquestração. Somente o violão de Jorge já da a necessária marcação dispensando, portanto, aquele instrumento de ritmo. O balanço do acompanhamento repousa quase sempre no seu violão", escreveu. A música brasileira não foi mais a mesma depois da estreia de Jorge Ben.



Resenha de Samba Esquema Novo

Uma das faixas mais universais da música brasileira, "Mas que Nada" tem um arranjo bem animado na versão original, mas o quê inegável de jazz dá uma outra pegada para a letra. É uma dessas que não envelhece e ainda consegue ganhar o mundo em pleno século 21, o que é um feito e tanto. Logo na abertura do disco, é possível ver que Jorge Ben era especial, que havia algo diferente nele. Ele entrou no ônibus e conseguiu um ótimo lugar no banco da frente e na janela.

Única música que não foi composta pelo cantor, "Tim Dom Dom" é um samba bem simples e fácil de cantar, principalmente pelo refrão. E "Balança Pema" e "Vem Morena, Vem" parecem ter sido feitas para o povo dançar sem dó. Da letra ao arranjo, as faixas de curta duração são convidativas para qualquer salão em que as pessoas queiram sambar até o dia raiar.
Um clássico do calibre de Jorge Ben é "Chove Chuva". Regravada por diversos cantores e bandas ao longo dos 50 anos de sua estreia em estúdio, a canção é cheia de suingue ao pedir aos deuses que a chuva parasse de molhar "o divino amor". Ao tornar-se um clássico, também embalou muitos romances por aí. O lado A encerra com o bonito samba "É Só Sambar" – o arranjo de cordas é dos mais bonitos.



A curta "Rosa, Menina Rosa" abre o lado B e também mostra um arranjo cheio de gingado, algo que ninguém fazia à época. "Quero Esquecer Você" traz um cantor falando "voxê" ao invés de "você". Tudo não passou de uma piada que foi levada bem à sério pelos críticos da época, mas não interfere em nada. Ao contrário, dá até um charme diferente. E "Ualá Ualalá" flerta com a bossa nova – Jorge Ben e a banda deram um toque a mais, o que faz toda diferença na questão do ritmo.

O cantor não fala muito em "A Tamba". E quem disse que precisa? É impossível ficar parado no meio de tanto suingue, já "Menina Bonita Não Chora" vem o recado: nada é melhor do que a felicidade e sempre tem alguém para ter consolar, não importa quem. A pronúncia de "voxê" volta em "Por Causa de Você Menina", outro delicioso clássico do álbum, que une o R&B, jazz e samba em uma faixa só.

É difícil sair a mesma pessoa depois de ouvir Samba Esquema Novo. Jorge Ben reinventou certos aspectos da música brasileira ao acrescentar uma batida mais animada nas faixas. O vocabulário também foi revolucionário, além de evocar algumas das entidades do candomblé sem nenhuma vergonha. Se o Brasil estava entre a bossa nova e a jovem guarda, Jorge Ben não ficou de nenhum lado. Nem no meio. Ele criou seu próprio espaço, se instalou e ficou por lá mesmo.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Mas que Nada" (3:01)
2 - "Tim Dom Dom" (João Mello e Clodoaldo Brito) (2:21)
3 - "Balança Pema" (1:29)
4 - "Vem Morena, Vem" (1:59)
5 - "Chove Chuva" (3:02)
6 - "É Só Sambar" (2:06)

Lado B

1 - "Rosa, Menina Rosa" (2:15)
2 - "Quero Esquecer Você" (2:22)
3 - "Ualá ualalá" (2:09)
4 - "A Tamba" (3:04)
5 - "Menina Bonita Não Chora" (2:11)
6 - "Por Causa de Você Menina" (2:58)

Gravadora: Philips
Produção: Armando Pittigliani
Duração: 28min57s

Jorge Ben: violão e arranjos

Convidados:
Meireles: saxofone
Pedro Paulo: trompete
Toninho: piano
Do Um Romão: bateria
Manuel Gusmão: baixo
Maestro Gaya, Carlos Monteiro de Souza e Luiz Carlos Vinhas: arranjos



Gostou do post? Compartilhe nas redes sociais e indique o blog aos amigos!