Discos para história: Pet Sounds, do Beach Boys (1966)


Quebrando um pouco a rotina de não homenagear álbuns aniversariantes, o blog abre uma exceção para falar de Pet Sounds, trabalho que mudou os rumos do Beach Boys, de Brian Wilson e da música

História do disco

A vida de Brian Wilson mudou quando ele ouviu Rubber Soul, dos Beatles, pela primeira vez. Ele, ao longo dos dias seguintes, tentou dissecar cada parte da melodia para entender como a banda de Liverpool havia feito algo tão bom e bonito. Então, ele impôs a si mesmo um objetivo: superar esse trabalho, mesmo que isso o esgotasse física e mentalmente.

O Beach Boys já estava mudando sua estética poucos anos antes, mas faltava um passo ousado. Mas ele ainda demoraria um pouco a vir, e ele vem em um momento em que Wilson abandonou de vez as turnês. Manifestando seus primeiros sintomas que afetariam sua saúde mental por muitos anos, ele, após um ataque de pânico em antes de um voo, decidiu concentrar-se apenas nos discos. E só tendo essa tarefa, assumiu a produção deles também.

Mais um evento que mudaria os rumos da banda aconteceu no estúdio, quando Wilson conheceu Tony Asher. Compositor de jingles publicitários, Asher virou um grande amigo e parceiro ideal nas composições. O primeiro geralmente vinha com a ideia da letra e o início, enquanto o segundo tentava traduzir em palavras os sentimentos de ambos para tornar mais fácil para o ouvinte. Wilson já estava vislumbrando um refinamento na sonoridade do grupo, algo que Paul McCartney fazia em alguns momentos nos Beatles.

"Eu simplesmente amei o álbum. É uma grande coleção de canções populares. Escrevi 'God Only Knows' e, em seguida, nós construímos o resto do Pet Sounds de lá", disse Brian Wilson ao 'NottinghamPostOnline', nesta semana, em uma das várias entrevistas feitas com ele para falar do aniversário de 50 anos de lançamento do trabalho.

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Como os outros membros da banda estavam em turnê pelo Japão, eles voltaram e entraram em choque quando viram o tipo de música que Wilson estava trabalhando ao longo de três semanas. Houveram brigas pesadas, pois existia uma pertinente pergunta: como reproduzir isso ao vivo? As canções bonitinhas eram bem mais fáceis. Wilson bateu o pé, foi irredutível e fiel ao seu trabalho. Al Jardine, Dennis Wilson e Mike Love não esconderam a insatisfação com o teor das letras e com a difícil sonoridade. No fim, apesar de relutantes em saber que Brian Wilson ficaria com boa parte dos créditos pelo trabalho, a banda achou que seria uma boa ideia gravar o disco como ele queria – afinal, ainda era os Beach Boys.

Brian escreveu a função de cada instrumento e de cada vocal dentro da letra, e tudo foi devidamente separado e entregue a quem participava da sessão naquele dia. Com um ouvido para harmonia como poucos, Wilson repetia uma nota até achar o tom certo. Depois das canções gravadas, com ajuda de muitos músicos de estúdio, ele passou várias semanas na mesa de mixagem mexendo e alterando canções ao longo de várias horas por dia. Gastou-se só em estúdio a bagatela de US$ 70 mil, muito dinheiro no longínquo 1966.

As fotos da capa foram tiradas durante uma ida do grupo a um zoológico. E o nome Pet Sounds tinha a ver com a capa, mas também com as iniciais de Phil Spector, famoso produtor e ídolo de Brian Wilson há muito tempo. Segundo alguns historiadores e pesquisadores musicais, o nome foi escolhido antes de as imagens serem feitas – o que faz muito mais sentido, dando tempo para incluir uma canção instrumental de mesmo nome dos últimos dias.

Lançado em 16 de maio de 1996, Pet Sounds atingiu o décimo lugar nas paradas americanas, mas, se comparado aos discos anteriores, acabou sendo um fracasso retumbante. Por acreditar no sucesso da banda, a gravadora Capitol não se empenhou muito na divulgação do trabalho – algumas pessoas achavam o disco difícil e complicado para vender ao grande público. Eles acabaram ratificando a ideia quando colocaram no mercado a coletânea Best of The Beach Boys, que rapidamente vendeu 500 mil cópias e superou o álbum de inéditas. Deprimido pela baixa vendagem e por esse movimento da Capitol, Brian Wilson pensou em largar os Beach Boys, mas mudou de ideia quando soube do sucesso do disco no Reino Unido. Puxado pelos elogios de John Lennon, McCartney, Keith Moon e outros famosos, o álbum chegou ao segundo lugar das paradas

As críticas nos Estados Unidos se dividiram, mas o disco foi absoluto no Reino Unido, lugar em que quase todos apontavam para genialidade de Brian Wilson e como os Beach Boys haviam superado os Beatles no considerado primeiro disco temático lançado no mainstream. Para revista 'Esquire', Wilson falou sobre o disco 50 anos depois: "Não há nada que eu gostaria de ter feito melhor". Um belo resumo de uma obra-prima daquele 1966, ano em que o Beach Boys superou qualquer outra banda.


Resenha de Pet Sounds

Brian Wilson tenta expressar as frustrações dos jovens – ele tinha apenas 23 anos quando escreveu e produziu o álbum – em "Wouldn't It Be Nice". É impossível não prestar atenção na parede sonora construída para ao vocal todo destaque, além dos lindos arranjos. É difícil não se emocionar durante a audição, porque é tudo muito bonito e grandioso. Sabe os fogos na virada de ano? A abertura é isso.

Wilson compôs, tocou e cantou "You Still Believe in Me", com sua beleza ímpar e diferente de tudo que a banda havia feito até ali, já em "That's Not Me" tem o vocal dividido entre Brian e Mike Love, e a canção mostra como era possível fazer um tipo de trabalho encantador usando uma narrativa linear e muitas experimentações dentro da própria faixa.



"Don't Talk (Put Your Head on My Shoulder)" é uma balada melancólica sobre como, às vezes na vida, as palavras faltam. Com um arranjo muito bonito, pautado pelo violino clássico, a música traz uma inquietude e tem uma beleza difícil de descrever em palavras existentes no dicionário. A seguinte, "I'm Waiting for the Day", mostra o dinamismo do grupo em conseguir gravar esse tipo de canção, que ficou guardada com Wilson por dois anos até ser reformada e gravada aqui – e parece ter sido a inspiração para Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band.

A instrumental "Let's Go Away for Awhile" é grandiosa e tem duração o bastante para ser a ponte para a última música do lado A. "Sloop John B, do grupo The Bahamas, foi regravada em Pet Sounds por fazer sentido no contexto geral do trabalho, não pela sonoridade ou algo do tipo. Ela está presente para preencher um espaço e amarrar a primeira parte. E cumpre isso muito bem.



Para abrir o lado B, a obra-prima do trabalho: "God Only Knows". Estruturada muito diferente de qualquer canção pop de sucesso à época, a oitava faixa do disco redefiniu o que é uma música de amor. A repetição incessante de 'God only knows what I'd be without you' faz qualquer ateu rezar para o deus da música, porque soa como um milagre que tal letra tenha saído da cabeça de alguém. O arranjo é de uma beleza sublime, o vocal de Carl Wilson casa perfeitamente com a proposta e amarra com os instrumentos usados. Enfim, é aquele tipo de letra que toca até mesmo os corações mais peludos.

Como eles estavam nos anos 1960, não poderia faltar uma faixa falando sobre o LSD. "I Know There's an Answer" é lenta, e Wilson a escreveu para falar sobre sua experiência – quase um 'eu tomei e foi legal, recomendo'. E se estava faltando um lado mais pessimista, ou o de fim do relacionamento, "Here Today" aparece com um arranjo ousado e fala sobre alertar outras pessoas sobre a mulher que magoou seu coração, que causa a depressão e mágoa de "I Just Wasn't Made for These Times". A faixa-título aparece apenas no modo instrumental, entrando de última hora para ganhar o nome do trabalho e marcar presença. "Caroline, No" encerra o disco de maneira a encerrar a inocência dos relacionamentos adolescentes e mira a fase adulta. O próprio Wilson passava por isso, então a letra beira o desabafo pessoal.

Pet Sounds mudou a música pop para sempre, e é um dos melhores álbuns de todos os tempos. Brian Wilson era coroado como um gênio que conseguiu transformar muitos sentimentos em palavras com arranjos lindos.



Ficha técnica:

Tracklist:

Lado A

1 - "Wouldn't It Be Nice" (Brian Wilson/Tony Asher/Mike Love) (2:25)
2 - "You Still Believe in Me" (2:31)
3 - "That's Not Me" (2:28)
4 - "Don't Talk (Put Your Head on My Shoulder)" (2:53)
5 - "I'm Waiting for the Day" (B. Wilson/Love) (3:05)
6 - "Let's Go Away for Awhile" (B. Wilson) (Instrumental) (2:18)
7 - "Sloop John B" (traditional, arranged by B. Wilson)

Lado B

1 - "God Only Knows" (2:51)
2 - "I Know There's an Answer" (B. Wilson/Terry Sachen/Love) (3:09)
3 - "Here Today" (2:54)
4 - "I Just Wasn't Made for These Times" (3:12)
5 - "Pet Sounds" (B. Wilson) (Instrumental) (2:22)
6 - "Caroline, No" (2:51)

As músicas não marcadas foram compostas por Brian Wilson e Tony Asher

Gravadora: Capitol
Produção: Brian Wilson
Duração: 35min57s

Al Jardine: vocal, harmonia e vocais de apoio
Bruce Johnston: harmonia e vocais de apoio
Mike Love: vocal, harmonia e vocais de apoio
Brian Wilson: vocal, harmonia, vocais de apoio, órgão, piano, apito e efeitos sonoros
Carl Wilson: vocal, harmonia e vocais de apoio e guitarra
Dennis Wilson: vocais de apoio, harmonia e bateria

Convidados:

Tibor Zelig/Sid Sharp/Ralph Schaeffer/Jerome Reisler/Leonard Malarsky/William Kurasch/JamesGetzoff/Arnold Belnick: violino
Chuck Berghofer: contrabaixo
Hal Blaine: bongos, bateria e tímpano
Darrel Terwilliger/Harry Hyams/Joseph DiFiore/Norman Botnick: viola de arco
Mike Deasy/Al Casey/Glen Campbell/Bill Pittman: guitarras
Frank Capp: sinos, glockenspiel, percussão timpano e vibrafone
Roy Caton: trompete
Jerry Cole: guitarra e bamdolim
Gary Coleman: bongos e tímpano
Al De Lory: cravo, órgão e piano
Joseph Saxon/Jesse Erlich/Justin DiTullio: violoncelo
Steve Douglas: clarinete, flauta, percussão, saxofone tenor e saxofone
Frank Marocco/Carl Fortina: acordeão
Ritchie Frost: bateria e percussão
Jim Gordon: bateria e percussão
Bill Green: flauta, percussão, saxofone e saxofone tenor
Leonard Hartman: clarinete baixo e clarinete
Jim Horn: saxofone barítono, flauta, saxofone e saxofone tenor
Bobby Klein/Paul Horn: saxofone tenor
Jules Jacob: flauta
Plas Johnson: flauta, percussão, saxofone e saxofone tenor
Carol Kaye: baixo
Barney Kessel: guitarra e bandolin
Larry Knechtel: órgão
Ernie Tack/Gail Martin: trombone
Nick Martinis: bateria
Mike Melvoin: cravo
Jay Migliori: saxofone barítono, clarinete baixo, clarinete, flauta e saxofone
Tommy Morgan: gaita
Jack Nimitz: saxofone barítono
Ray Pohlman: baixo, bandolim e guitarra
Don Randi: piano
Alan Robinson: trompa
Lyle Ritz: baixo e ukulele
Billy Strange: guitarra e violão
Paul Tanner: Electro-Theremin
Tommy Tedesco: violão
Jerry Williams: percussão
Julius Wechter: tímpano, percussão e vibrafone



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