Discos para história: Remain in Light, do Talking Heads (1980)


A edição 149 da seção traz um dos melhores discos dos anos 1980

História do disco

A vida já é difícil para uma banda que tem um sucesso, imagine para quem vem de uma sequência para lá de positiva? Talking Heads: 77 (1977), More Songs About Buildings and Food (1978) e Fear of Music (1979) são fundamentais para entender o início da chamada new wave, um movimento que incluiu Blondie, Television e Police, que virou gênero musical para englobar essas bandas tão diferentes, mas igualmente importantes dentro do contexto do fim do punk, do esgotamento dos veteranos perante ao público e da necessidade de novos nomes.

Depois da extensa turnê do último trabalho, a banda entrou de férias. O sucesso era algo real e palpável na vida do Talking Heads, mas havia problemas. Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris Frantz estavam insatisfeitos com o controle de David Byrne no trabalho criativo. Parecia que eles eram empregados e receptores de ideias, não cofundadores do grupo. Um tempo separado talvez fosse a solução para relaxar um pouco.

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Casados, Weymouth e Frantz foram às Bahamas e adoraram o local, a comida, os costumes e a cultura, e sugeriram começar os ensaios do novo registro lá mesmo. Eles tiveram a epifania de que o próximo álbum não poderia ser do mesmo jeito, algo teria que mudar na composição do trabalho. A participação de todos no processo seria maior. Mas, fundamentalmente, as ideias seriam de Byrne e de Brian Eno, chamado para ser produtor mais uma vez. Apesar de relutar no início, Eno ficou muito encantado ao ouvir as demos e perceber a virada musical para o quarto disco de estúdio. Eno e Byrne haviam trabalhado nas canções presentes no futuro álbum My Life In the Bush of Ghosts (1981), então não havia estranhamento na nova proposta. Aliás, o produtor não queria apenas fazer um disco com música africana, ele queria inserir isso no contexto do Talking Heads.

As sessões de gravação começaram no estúdio Compass Point logo que Byrne, Harrison e Eno, três semanas depois de todos, uniram-se ao casal. Acabar com os egos inflados e trabalhar como um grupo seria fundamental para todos – até para o futuro do Talking Heads enquanto banda. Muito mais do que um álbum para ser lançado , o novo registro do Talking Heads olhava para o futuro e para os novos estilos que estavam surgindo. O início dos anos 1980 foi fundamental para ascendência do hip-hop, além de os ritmos africanos estarem cada vez mais presentes. Afrodisiac (1973), de Fela Kuti (1937 – 1997), foi de grande ajuda. Pegar instrumentos diferentes do habitual e testá-los até a exaustão também faz parte da rotina de todos os envolvidos.

"Essa maneira de fazer música, com esses ritmos e um grande conjunto de músicos que compõem uma banda afro-funk, foi uma maneira de sair da paranoia psicológica e tormento pessoal do material que eu estava escrevendo - e sentindo - na Nova York nos anos 1970, com minha idade, minhas coisas pessoais, encaixando-se em um lado e não encaixando em outro. Eu senti que fiquei para baixo por um tempo", contou David Byrne, ao jornal inglês 'The Guardian', em 2009.

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As gravações foram finalizadas em dois estúdios diferentes, em Nova York e na Califórnia. Byrne passou por um problema de bloqueio, então teve muita dificuldade em inserir as letras nas canções gravadas nas Bahamas. Frantz e Weymouth não apareciam no estúdio por muitas vezes, levantando a suspeita da gravadora de que havia o risco de o trabalho não ser concluído. Harrison e Eno trabalharam duro incluindo overdubs, mas a coisa só andou mesmo quando o guitarrista Adrian Belew chegou para acrescentar solos em determinadas músicas que já haviam sido trabalhadas por percussionistas contratados. Depois dos acréscimos dos vocais, muitas vezes improvisados propositalmente, as mixagens só terminaram no fim de agosto.

Lançado em 8 de outubro de 1980, o disco chegou na 19ª posição nas paradas dos Estados Unidos, a melhor do grupo até ali. A crítica aclamou o trabalho e afirmou que era um dos melhores da década que estava apenas começando.



Resenha de Remain in Light

Toda onda eletrônica dos anos 1970 e a música africana foram aliados do Talking Heads nesse álbum. Para começar, "Born Under Punches (The Heat Goes On)" fala sobre o escândalo de Watergate e toda paranoia envolvendo a segurança de documentos nos Estados Unidos ao longo dos anos 1970, o auge da Guerra Fria (1945 – 1991). Os efeitos, o ritmo, os overdubs, tudo é maravilhosamente bem construído e não há pontas soltas. Mudar tão radicalmente tem um preço, mas a banda e Brian Eno compraram a briga.

As dúvidas e incertezas aumentam na seguinte, "Crosseyed and Painless", mas o ritmo dançante segue intenso – podemos ouvir a inspiração da discografia inteira do LCD Soundsystem. Como as vozes foram gravadas por último, imaginar o trabalho que deu mixar tudo isso. Outra que James Murphy pegou como base foi "The Great Curve", uma faixa sem pausas e altamente rítmica. A percussão trabalha bastante do início até o final.



Se o lado A parece ser bom o suficiente, a segunda parte é ainda melhor. A começar por "Once in a Lifetime", faixa sobre a passagem de tempo, como chegamos ao lugar em que estamos hoje na vida, como é procurar respostas que nunca encontraremos, como é olhar ao redor e perceber as outras pessoas. Grande sucesso do álbum, o clipe que a MTV transmitiu é um dos marcos da emissora e do Talking Heads. "Houses in Motion" diminui o ritmo e apresenta um narrador disposto a caminhar no mundo sombrio que se desenha no futuro – a melodia consegue criar um clima assustador.

Trazendo o hip-hop para dentro do Talking Heads, "Seen and Not Seen" é uma jam suave e tem um Byrne à la Lou Reed para contar a história de um homem que deseja mudar por fora para parecer mais com a personalidade, mas sem ter muita certeza de que esse é o caminho certo. A seguinte, "Listening Wind", parece o encontro de Fela Kuti com o cinema noir de Orson Wells. É uma faixa minimalista e cheia de sintetizadores para tratar sobre uma possível Terceira Guerra Mundial em consequência das decisões desastrosas da política externa dos Estados Unidos. Uma pedrada e tanto, complementada pela sombria "The Overload", que poderia tranquilamente ser uma canção do Joy Division.

O Talking Heads inspirou muita gente, de LCD Soundsystem a Nação Zumbi, com esse trabalho. Tudo é muito bem colocado, mostrando como a união do quarteto com Brian Eno foi fundamental para consolidação de uma grande banda.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Born Under Punches (The Heat Goes On)" (5:49)
2 - "Crosseyed and Painless" (4:48)
3 - "The Great Curve" (6:28)

Lado B

4 - "Once in a Lifetime" (4:23)
5 - "Houses in Motion" (4:33)
6 - "Seen and Not Seen" (3:25)
7 - "Listening Wind" (4:43)
8 - "The Overload" (6:02)

Gravadora: Sire
Produção: Brian Eno
Duração: 40min10s

David Byrne: vocal, guitarra, baixo, teclado, percussão e arranjos
Jerry Harrison: guitarra, baixo, percussão, teclado e vocal de apoio
Tina Weymouth: baixo, teclado, percussão e vocal de apoio
Chris Frantz: bateria, percussão, teclado e vocal de apoio

Convidados:

Brian Eno: baixo, teclado, percussão, vocal de apoio e arranjos
Nona Hendryx: vocal de apoio
Adrian Belew: guitarra e sintetizadores
Robert Palmer: percussão
José Rossy: percussão
Jon Hassell: trompete e trompa



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