Discos para história: Canções Praieiras, de Dorival Caymmi (1954)

História do disco

A música brasileira, por muitos anos, apostou em discos no formato de 78 rotações, com capacidade para apenas uma música de cada lado e um som ruim pela falta de locais adequados para fazer os registros. Foi assim que muitos artistas conseguiram gravar alguns dos clássicos da primeira metade do século XX em lançamentos mensais ou algo muito perto disso. Entre esses, praticamente esquecidos pelas novas gerações, está Dorival Caymmi. Baiano de nascimento, teve o primeiro emprego na redação do jornal ‘O Imparcial’, em Salvador, ainda na adolescência. Mas ficou encantado mesmo com o violão, que só aprendeu a tocar aos 19 anos.

O Brasil perdeu um potencial jornalista, mas ganharia um dos melhores compositores e contadores de histórias da vida longe das grandes metrópoles. Com o domínio do instrumento, logo inicia a carreira musical em 1934. Em apenas cinco anos, deixa de ser a principal atração da Rádio Clube da Bahia para tentar a sorte no Rio de Janeiro, onde a vida cultural acontecia de fato com a presença de artistas, gravadoras e emissoras de rádio. Na então capital do País, consegue um emprego temporário na Rádio Nacional e faz sucesso ao ponto de receber uma proposta para ser fixo na Rádio Tupi e um contrato com a gravadora Odeon. A vida profissional estava boa. E melhoraria ainda mais.

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Em 1939, a fama de Caymmi foi mais ampliada quando Carmen Miranda gravou “O Que É Que A Baiana Tem?”, presente no filme “Banana da Terra”, de Wallace Downey. Foi um dos grandes sucessos da curta vida da cantora e atriz luso-brasileira, e consolida o compositor como um dos melhores daquela geração. O início da nova década trouxe a confiança necessária, dele e dos executivos da gravadora, para o lançamento de vários 78 rotações até 1949. “O Mar”, “É Doce Morrer No Mar”, “A vizinha do lado” e “Samba da Minha Terra” foram alguns dos sucessos dele, além do surpreendente samba-canção “Marina”, de 1947, na voz de Dick Farney, uma incursão de sucesso de um dos gêneros musicais mais famosos no Brasil até o final da década de 1950.

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Mas o samba-canção não rendeu o esperado e, com o fechamento dos cassinos em 1946, em uma canetada do presidente Eurico Gaspar Dutra, o cantor fica apenas tocando nas boates, novos lugares onde artistas podiam mostrar as músicas e ganhar um trocado. Mesmo com o final das grandes orquestras e início do domínio dos trios, quartetos e quintetos, inspirados no jazz, ele opta por fazer os próprios shows apenas com voz e violão. Muita gente credita esse movimento de Caymmi algo fundamental para o primeiro pilar do futuramente conhecido como MPB e, pouco tempo depois, uma inspiração para a Bossa Nova. 

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Com chegada do LP de 10” e dos novos toca-discos no início dos anos 1950 no Brasil, como sempre acontece, a tecnologia foi barateando ao ponto de o formato virar o favorito das gravadoras por aqui e pelo mundo. Enquanto novos artistas já surgem com a possibilidade de gravar até 15 minutos de cada lado, abrindo um leque de possibilidades para registrar diversos compositores, o pessoal com mais tempo de estrada também queria aproveitar a novidade para regravar antigos clássicos em melhor qualidade. Foi assim que a Odeon veio com a ideia para Caymmi, aos 40 anos, fazer o LP “Canções Praieiras”, álbum temático com alguns dos grandes sucessos da carreira na década anterior e título do show feito por ele durante muitos anos. Foi o primeiro de poucos álbuns de estúdio dele. 

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Apenas para registrar sucessos do cantor e compositor, o primeiro LP dele acabou sendo uma maneira de contar não apenas a própria história na música, com som de primeira para a época, mas de mostrar como essas canções — muitas com mais de 20 anos — são importantes na história da música brasileira e tem temática eterna. Dorival Caymmi merece ser sempre celebrado por mostrar que existia vida fora dos grandes centros do Sudeste, com muita coisa para ser dita e contada.


Crítica de “Canções Praieiras”

A ideia de fazer o registro apenas com voz e violão ajuda a entender a essas canções escritas por Dorival Caymmi, ainda mais na temática de “Canções Praieiras”. Com muitos instrumentos, “Quem Vem Prá Beira Do Mar” não teria a mesma força, ainda mais com o cantor quase declamando os versos com vocal bem presente (“Quem vem pra beira do mar, ai/ Nunca mais quer voltar, ai/ Quem vem pra beira do mar, ai/ Nunca mais quer voltar”).

“O Bem Do Mar” é uma espécie de crônica da vida de um pescador, de como ele ama o trabalho e o “bem de terra é aquela que fica”. É difícil não se emocionar com essa interpretação, quando “O Mar” vem na sequência, com uma história com atos e terminada em tragédia (“Pobre Rosinha de Chica/ Que era bonita/ Agora parece/ Que endoideceu/ Vive na beira da praia/ Olhando pras ondas/ Andando rondando/ Dizendo baixinho:/ "Morreu, morreu, morreu, oh..."/ O mar quando quebra na praia”). A primeira parte termina com a agitada “Pescaria (Canoeiro)”, essa com o final feliz na pesca e na vida na terra.

O lado B abre com as melancólicas “É Doce Morrer No Mar”, outra tragédia que termina com o personagem principal encontrando Iemanjá “nas ondas verdes do mar”, e “A Jangada Voltou Só”, essa sobre dois pescadores que também não voltam, mas, diferentemente das outras, conhecemos mais sobre a vida deles (“A jangada saiu/ Com Chico Ferreira e Bento/ A jangada voltou só”).

“A Lenda Do Abaeté” usa do folclore local e da vivência das pessoas com um assunto que só uma parcela muito pequena vai entender de primeira, mas é impossível não ficar impactado com a letra e com a vida dessas pessoas, algo tão distante para muita gente. Para encerrar, “Saudades De Itapoã” é uma daquelas muito comuns do cancioneiro brasileiro: a história do músico migrante que relembra com saudade a terra onde nasceu e rememora momentos inesquecíveis para si.

Não foi a primeira gravação de Caymmi em estúdio, mas juntar esse repertório em um LP faz toda diferença para contar como era a vida de um pescador, os riscos, os momentos bons e como essa vivência deixa uma saudade difícil de ser preenchia quando se está tão longe. Gravado de maneira simples, “Canções Praieiras” é lindo, delicado e potente em todos os aspectos, uma dessas forças que só o Brasil consegue produzir.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - “Quem Vem Prá Beira Do Mar” (3:04)
2 - “O Bem Do Mar” (3:06)
3 - “O Mar” (3:00)
4 - “Pescaria (Canoeiro)” (2:53)

Lado B

1 - “É Doce Morrer No Mar” (3:24)
2 - “A Jangada Voltou Só” (3:12)
3 - “A Lenda Do Abaeté” (2:33)
4 - “Saudades De Itapoã” (2:34)

Todas as músicas foram escritas por Dorival Caymmi

Gravadora: Odeon
Produção: -
Duração: 23min38

Dorival Caymmi: violão e voz

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