Discos para história: Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo, de Cássia Eller (1999)


História do disco

Certo dia, Francisco, 5, disse para a mãe que ela não cantava, mas berrava. E que gostava muito de Marisa Monte e de "Beija Eu", música de 1991. Durona e batalhadora na carreira, Cássia Eller já tinha quatro discos de estúdio, um de covers e um ao vivo. Era muita coisa, porém faltava algo a mais. Chicão não sabia, mas acabou dando a mãe a maior dica da carreira e que a transformaria na grande cantora brasileira no final dos anos 1990.

Quem teve papel fundamental na mudança de rumo de Cássia foi Nando Reis. Cada vez mais sendo colocado de lado nos Titãs, banda que deixaria em 2002, o compositor tinha pilhas de letras prontas para gravar. Em entrevista ao site da 'Revista Borage', à época do lançamento de "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo", a cantora revelou como a entrada de Nando em sua vida pessoal e musical mudou completamente o andamento da carreira dela -- e dele também, principalmente após a morte dela em 2001.

"O Nando Reis me modificou pra caramba. Até na minha maneira de cantar. Eu procurei imitá-lo cantando. A minha voz tem um jeito agressivo na maneira de interpretar. Eu não tinha nada de suavidade pra cantar e buscava isso, queria aprender isso. Quando eu conheci o Nando, sem perceber, eu comecei a cantar como ele cantava pra mim", explicou.

Mais discos dos anos 1990:
Discos para história: Queens of the Stone Age, do Queens of the Stone Age (1998)
Discos para história: Chaos A.D., do Sepultura (1993)
Discos para história: Nowhere, do Ride (1990)
Discos para história: Carnaval na Obra, do Mundo Livre S/A (1998)
Discos para história: It's a Shame About Ray, do Lemonheads (1992)
Discos para história: Either/Or, de Elliott Smith (1997)


"Quando eu vou estudar uma música, aprender como ela é pra poder cantar, a primeira coisa que eu faço é tentar entender o que o compositor estava pensando ao fazer a música e o que ele sente ao cantar. O Nando tem uma maneira bem delicada, bem suave de cantar. A voz dele quase não sai. Então eu passei a imitar ele para aprender a música. Depois que eu aprendo uma música é que eu vou buscar meu jeito de cantar. Só que eu gostei muito de imitar ele, e o resultado disso interferiu pra caramba no disco. Antes, cantar uma balada mais suave, uma música romântica, pra mim era um suplício. Agora eu estou super feliz. Eu aprendi isso", completou.

Cássia Eller não era uma cantora completamente desconhecida de uma parcela do público, mas ainda não havia entrado na casa das pessoas. Mesmo com um repertório musical muito vasto desde sempre, fruto de escolhas pessoais mesmo, ela não se considerava eclética. Popular era a palavra que usava para se definir musicalmente. Mesmo assim, ainda faltava alguma coisa para atingir mais gente. Seu então maior sucesso era o disco homônimo de 1994, com "1º de Julho","Coroné Antônio Bento" e "Malandragem" entre as faixas, produzido por Guto Graça Melo e com interferência da gravadora Universal no repertório.

"O terceiro disco (Cássia Eller, 1994) foi feito na base da troca. Eu queria gravar uma coisa, e eles falavam 'só se você gravar tal coisa'. Tive que trocar. Metade do disco era meu, metade deles (...). Briguei para nunca mudar meu estilo por causa das tendências do mercado. Valeu a pena", contou a cantora, em entrevista à 'IstoÉ', em 17 de dezembro de 2001.

Veja também:
Discos para história: Rock 'n' Roll, de Erasmo Carlos (2009)
Discos para história: As Quatro Estações, do Legião Urbana (1989)
Discos para história: Gal Costa, de Gal Costa (1969)
Discos para história: Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, de Moraes Moreira (1979)
Discos para história: Amor de Gente Moça, de Sylvia Telles (1959)
Discos para história: Out of Time, do R.E.M. (1991)


A grande virada viria cinco anos depois, após a gravação de um projeto apenas com músicas de Cazuza. A começar pela capa, mais ousada e muito diferente das anteriores.

"Nessa capa nada foi calculado. São pessoas com quem eu trabalhei a capa são hiper talentosas (...). Mas foi tudo improvisado. Eu achei legal a percepção deles de fazer do jeito que eu gosto. Eles sabiam que eu não gosto de nada ensaiado, de nada arrumadinho. Foi muito legal esse jeito deles fazerem o trabalho", falou a cantora à 'Borage'.

Lançado em 1999, "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo" vendeu 300 mil cópias nos primeiros três meses nas lojas. "O Segundo Sol" e "Palavras ao Vento" impulsionariam o trabalho, que seria um divisor de águas na carreira de Cássia Eller. Ela seria consagrada com a gravação de um Acústico MTV e da histórica apresentação no Rock in Rio, ambos em 2001.


Resenha de "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo"

O trabalho abre com a sensacional "O Segundo Sol". A letra lúdica é apresentada com muita leveza tanto por parte da cantora, quanto na escolha dos arranjos. É difícil não ouvir a faixa mais de uma vez, porque essa balada romântica sobre amor embalou muitos corações naquele final dos anos 1990 e início da década seguinte, quando a cantora estava em tudo quanto era lugar -- desde o "Disk MTV" até o "Domingão do Faustão". É uma abertura imensa, dessas que cativam e emocionam logo de cara.

Composta por Carlinhos Brown, "Mapa do Meu Nada" não faz muito sentido, mas a interpretação de Cássia Eller até dá algum sentido ao que é dito -- seja lá o que for. Vinda de Caetano Veloso, "Gatas Extraordinárias" é sensual e dançante, boa o suficiente para ganhar um arranjo baseado inteiro na percussão. Aqui, o vocal fluiu muito bem e o refrão é bem grudento, bem diferente da mais "agressiva" "Um Branco, Um Xis, Um Zero" -- essa com a guitarra bem alta ao fundo.



"Meu Mundo Ficaria Completo (Com Você)" apresenta um samba-rock, moda no fim dos anos 1990, com uma bonita história sobre a longevidade de um amor verdadeiro. Outro sucesso do trabalho, "Palavras ao Vento" -- e eu não sabia disso -- foi composta por Marisa Monte e Moraes Moreira. Essa balada melancólica é muito tocante e muito fácil de decorar, e, claro, acabou fazendo parte de várias novelas desde então.

Provando que tinha capacidade musical para cantar qualquer coisa, o forró "Aprendiz de Feiticeiro" também muito fácil de cantar junto. E o clima muda completamente em "Pedra Gigante", essa composta por Gilberto Gil e Bené Fonteles -- ao ouvir o estilo de vocal pela primeira vez, fica impossível não dar um palpite de que a composição é de Gil. E Nando Reis retorna na potente "Infernal" e bem a cara do que ele faria na carreira solo, e aqui a letra caiu muito bem com Cássia Eller.



"Maluca" vai para outro lado ao ser quase um fado de tão triste, já "As Coisas Tão Mais Lindas" é outra balada no álbum (essa apenas no violão). Para fechar, "Esse Filme Eu Já Vi" traz um relato bem real e bem triste sobre uma pessoa.

As ótimas escolhas no repertório foram traduzidas em ótimas interpretações de Cássia Eller nesse trabalho. Mais experiente e contando com a boa orientação de Nando Reis na produção, enfim, ela conseguiu dar o passo a mais para chegar em mais gente e virar o fenômeno de vendas no último suspiro da indústria da música há 20 anos.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "O Segundo Sol" (Nando Reis) (4:11)
2 - "Mapa do Meu Nada" (Carlinhos Brown) (4:37)
3 - "Gatas Extraordinárias" (Caetano Veloso) (3:32)
4 - "Um Branco, Um Xis, Um Zero" (Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Pepeu Gomes) (3:33)
5 - "Meu Mundo Ficaria Completo (Com Você)" (Nando Reis) (4:09)
6 - "Palavras ao Vento" (Marisa Monte e Moraes Moreira) (3:32)
7 - "Aprendiz de Feiticeiro" (Itamar Assumpção) (3:01)
8 - "Pedra Gigante" (Gilberto Gil e Bené Fonteles) (3:19)
9 - "Infernal" (Nando Reis) (3:16)
10 - "Maluca" (Luiz Capucho) (2:55)
11 - "As Coisas Tão Mais Lindas" (Nando Reis) (3:37)
12 - "Esse Filme Eu Já Vi" (Luiz Melodia e Renato Piau) (3:59)

Gravadora: Universal
Produção: Nando Reis e Luiz Brasil
Duração: 43min51s

Cássia Eller: vocal, cajón e violão

Convidados:

Luiz Brasil: violão, gongo, percussão, surdo, guitarra, triângulo, reco-reco, violão 12 cordas, arranjo de clarinetes, timbales e arranjo de cordas
Fernando Nunes: baixo
Lanlan: caxixi, vibrafone, percussão. timables, cowbell, ganzá, agogô, enxada, bloco sonoro, pandeiro, pandeireta, cajón e xequerê
Alceu Reis, Jaques Morelenbaum, Marcio Malard, Yura Ranevski: violoncelo
João Viana e Renato Massa: bateria
Maurício Barros: órgão e piano
Frederick Stephany, Jairo Diniz, Jesuína Passaroto e Marie Bessler: viola
Alfredo Vidal, Antonela Pareschi, Bernardo Bessler, Carmelita Reis, Eduardo Moreno, José Alves, João Daltro, Paschoal Perrotta, Paula Barbato, Walter Hack, Michel Bessler e Giancarlo Pareschi: violino
Jussara Silveira: voz em "Mapa do Meu Nada"
Walter Villaça: guitarra
Luiz Brasil: guitarra e violão
Thamyma Brasil: palmas, boréu, timbales, pandeireta e pandeiro
Andreia Ernest Dias, Davi Gang, Verônica Álde e Zé Canuto: flauta
Mingo Araújo: congas e zabumba
Paulo Calasans: piano, clavinet e órgão
Cesinha: chimbau e bateria
Chiquinho Chagas: acordeão
Nanci Ribeiro: voz em "Pedra Gigante"
Rodrigo Garcia: violão
Ismael De Oliveira e Philip Doyle: flauta pipe
Marcelo Martins: saxofone tenor
Vittor Santos e Sérgio de Jesus: trombone
Flavio de Melo e Jessé Sadoc: trompete
Eduardo Morelenbaum e Lúcia Morelenbaum: clarinete
Frederick Stephany, Jairo Diniz, Jesuína Passaroto e Marie Bessler: viola
Zé Canuto: saxofone alto
Nelson De Oliveira: flugelhorn
Eliezer Rodrigues: tuba



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