Discos para história: Carnaval na Obra, do Mundo Livre S/A (1998)


Terceiro álbum do grupo completa 20 anos em 2018

História do disco

Em 2 de fevereiro de 1997, Chico Science morria em um acidente de carro e deixava todos os fãs da Nação Zumbi e do movimento manguebeat órfãos de um de seus principais membros e divulgadores. Isso afetou, claro, o Mundo Livre S/A. Banda coirmã de ritmos e ideias, o sucessor de Guentando a Ôia (1996) ficou na geladeira por mais de um ano até ser lançado.

Em meio a isso, existiu o processo de rescisão de contrato da Excelente Discos com a Polygram, responsável pela distribuição do álbum, a assinatura com a Abril Music e a saída do então percussionista Otto para carreira solo. Enfim, eram muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo para uma banda que havia estourado no cenário nacional há quatro anos – Samba Esquema Noise, lançado pela gravadora Banguela, é um dos discos mais icônicos daquela geração de bandas surgidas em 1994.

Mais discos dos anos 1990:
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"Ouço o disco anterior, "Guentando a Ôia', e ainda consigo achá-lo atual. O fato de Carnaval na Obra ter quatro produtores (Bid, Edu K, Apollo 9 e Carlos Eduardo Miranda) torna mais marcante a história da diversidade, que já estava presente nos discos anteriores", disse o vocalista Fred Zero Quatro à 'Folha de S. Paulo' em matéria do dia 26 de agosto de 1998.

A duração do disco espanta pelos seus poucos mais de 70 minutos de duração. É possível explicar isso por conta da melhora da tecnologia brasileira de gravação, apesar de muito atrasada em comparação a grandes centros, cada vez mais em contato com as novidades digitais apresentadas nos Estados Unidos. E as gravadoras ainda nadavam em dinheiro, então era possível investir em novidades para atualizar os estúdios e, futuramente, economizar – essa época é conhecida por ter uma profusão de trabalhos com 15, 16, até 25 faixas.

"Carnaval na Obra foi a transição do analógico para o digital. Foi um processo muito marcante, porque significaria uma redução considerável de custos e a liberdade que proporcionava em termos de canais. Era um salto tecnológico absurdo. Lembro como hoje de uma conversa decisiva que tive com Miranda sobre o planejamento do disco", contou Zero Quatro ao site do 'Jornal do Commercio' em 4 de maio deste ano.

Veja também:
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"Alguns amigos já estavam se aventurando na produção digital, como Edu K, Eduardo BID, Apollo, e com o orçamento que o selo estava disponibilizando para o disco, conseguiríamos convidar nossos amigos para produzir. Foi o primeiro disco brasileiro produzido por oito mãos. Foi uma ousadia e marcava o clima de deslumbramento com toda tecnologia que estávamos vivendo naquela época", completou.

Lançado em agosto de 1998, Carnaval na Obra era a síntese de uma banda que buscava o equilíbrio do primeiro disco com o segundo e ainda mirava o futuro. A APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) elegeu o Mundo Livre S/A como melhor banda daquele ano.



Resenha de Carnaval na Obra

"Alice Williams" abre o disco com uma levada que mistura o cavaquinho da abertura com o groove do manguebeat e uma levada bem... Leve. Uma boa faixa de abertura para aquecer os ouvidos para o que vem em "Édipo, o Homem que Virou Veículo", faixa que traz um samba para falar sobre uma doença que acomete parte da população que cata lixo por aí e é tratada como um tipo de mão de obra de quinta categoria.

A banda apresenta um lado axé em "Bolo de Ameixa", em que a percussão é bem ativa, misturada com elementos de rap, eletrônico e rock – o refrão bem fácil de decorar é um enorme trunfo da canção. E o Mundo Livre S/A surpreende ao apresentar a experimental "A Expressão Exata" logo depois. Apesar de ter elementos de samba, não é algo que se vê muito por aí.



Podemos ouvir na faixa-título uma mistura entre a música afro-caribenha e o eletrônico, mistura que a banda foi impactada quando esteve no México durante uma turnê, enquanto "Quem Tem Bit Tem Tudo" remete aos tempos do primeiro disco. Se "Meu Quinto Elemento" tem um quê meio de jazz experimental para uma curta letra, mas com um recado bem direto, "Quarta Parede" tem um arranjo bem leve para acompanhar uma letra bastante poética.

O disco também abre espaço para melancolia em "Ultrapassado" ("Segue em fim a vida/ Segue sim/ Sem cor, sem fascínio/ Vasta avenida de extermínio"), mas boa mesmo é "O Africano e o Ariano" em que o Mundo Livre S/A consegue, através de um arranjo nada peculiar e uma letra profunda, falar sobre a história dos negros nos últimos 400 anos e sobre como eles são ignorados por boa parte da sociedade – e é uma pena perceber que tudo isso segue mais atual do que nunca em 2018.



"Negócio do Brasil" foi lançada em 1998, porém cabe tranquilamente no contexto atual. O arranjo, bem festivo, ajudar a diminuir o impacto da letra – apesar de ser inevitável ficar pensando nela. "Maroca" retoma o clima leve e poético, e "Novos Eldorados" (sobre as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso) e "Compromisso de Morte" (uma letra de jeito autobiográfico).

Carnaval na Obra consolidou o Mundo Livre S/A como uma das melhores bandas dos anos 1990. As letras atuais e a mistura de gêneros fizeram o grupo ser algo bem especial naquela época, que parece outra vida.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Alice Williams" (Xef, Fred Zero Quatro e Tony)
2 - "Édipo, o Homem que Virou Veículo" (Fred Zero Quatro)
3 - "Bolo de Ameixa" (Xico Sá, Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A)
4 - "A Expressão Exata" (Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A)
5 - "Carnaval na Obra" (Edu K, Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A)
6 - "Quem Tem Bit Tem Tudo" (Bactéria, Anônimo, Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A)
7 - "Meu Quinto Elemento" (Fred Zero Quatro)
8 - "Quarta Parede" (Fred Zero Quatro)
9 - "Ultrapassado" (Fred Zero Quatro)
10 - "O Africano e o Ariano" (Fred Zero Quatro, Apollo 9 e Mundo Livre S/A)
11 - "Negócio do Brasil" (Fred Zero Quatro)
12 - "Maroca" (Fred Zero Quatro)
13 - "Novos Eldorados" (Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A)
14 - "Compromisso de Morte" (Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A)

Gravadora: Excelente Discos/Abril Music
Produção: Bid, Edu K, Apollo 9 e Carlos Eduardo Miranda
Duração: 70 minutos

Fred Zero Quatro, Fábio Malandragam, Tony Regalia, Bactéria Maresia e Marcelo Pianinho

Créditos completos estão indisponíveis ou não foram encontrados. Assim que conseguir, o post será atualizado.



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