Discos para história: The Suburbs, do Arcade Fire (2010)

História do disco

O Arcade Fire vinha em uma crescente ao chegar em cada vez mais pessoas com os dois primeiros álbuns de estúdio: "Funeral" (2004) e "Neon Bible" (2007). O aguardado terceiro álbum seria algo para definir os rumos da banda para o futuro. Afinal, ficar com o mesmo perfil de fã ou abrir um pouco mais o leque para chegar em mais pessoas e alcançar determinado nível de sucesso a ponto de conseguir ser atração principal em alguns dos melhores e maiores festivais de música do mundo?

A banda já carregava um peso enorme nas costas, já que o primeiro álbum de estúdio, antes mesmo de completar uma década de vida, era, e ainda é, considerado um dos primeiros clássicos do século XXI, um aceno ao que a mistura de elementos que vinha acontecendo ao longo dos últimos 30 anos.

"The Suburbs", lançado em 2 de agosto de 2012, mudou definitivamente o status da banda anglo-canadense pelos anos que viriam a seguir. Até hoje, é quase inacreditável imaginar como o Arcade Fire construiu sua música até chegar nesse momento inesperado: um trabalho com tintas biográficas dos irmãos multi-instrumentistas e vocalistas Butler, Will e Win, e da multi-instrumentista e vocalista Régine Chassagne. Esse trabalho foi o resultado de um ano de folga para escrever e refinar ao máximo essas canções ao ponto de transformá-las quase em uma espécie de manifesto sobre a vida, os medos e como sobreviver a tudo isso sem se perder de alguma forma.

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Tal qual como Bruce Springsteen e U2, o Arcade Fire já vinha falando sobre a vida, especialmente do trio de vocalistas, nos primeiros trabalhos. A identificação imediata do público com a banda veio muito disso, de como eles conseguiram rapidamente falar com uma parcela considerável das pessoas ao citar problemas e alegrias de uma vida comum em um discurso de "você não está só". Se os dois artistas clássicos do rock conseguiram fazer isso com maestria nos anos 1970 e 1980, o Arcade Fire funcionou não como uma espécie de sucessor, já que a música feita pela banda não dialoga em nada com eles, mas como uma nova visão para esse assunto.

Win Butler, em entrevista à revista 'Clash', contou que falar sobre a própria vida nos subúrbios não foi planejado. Simplesmente aconteceu após um fato que o marcou o suficiente a ponto de ele começar a rascunhar canções do tipo.

"Na minha experiência, não é uma decisão consciente [escrever sobre um tema específico], você apenas se inspira naquilo que o inspira. Recebi uma carta de um velho amigo e tinha uma foto dele e da filha no shopping perto de onde meu irmão e eu crescemos [em Houston, Texas]. Foi comovente e trouxe de volta muitas memórias. Era um sentimento conflituoso, mas muito profundo", contou.

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Outro ponto desse trabalho que agradou muito é como é feliz e nostálgico, o que reflete bem a ideia geral de que a infância, para muita gente, é o melhor momento da vida e de maior momento de felicidade. E em um momento do mundo em que já havia certa tensão no início da divisão política que resultaria no que vemos hoje, "The Suburbs" foi uma espécie de alívio emocional para os fãs.

"O tempo livre realmente fez uma grande diferença em sentimento criativo [para o álbum]. Quando gravamos ‘Neon Bible’, não fizemos uma pausa quando saímos de uma longa turnê de ‘Funeral’ e o mundo em geral ficou tenso. Além disso, ‘Neon Bible’ lidou com ansiedades globais", falou o músico Jeremy Gara.

O Arcade Fire é um desses fenômenos musicais que aparece de tempos em tempos. Em menos de uma década, a banda conseguiu ter dois trabalhos notáveis, um feito e tanto para quem gravou parte do material do primeiro disco no pequeno apartamento do casal Régine Chassagne e Win Butler. Estar na história é para poucos, em tão pouco tempo é para gente muito especial.

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Resenha de "The Suburbs"

Como todo álbum conceitual, a canção inicial dá o tom do que o ouvinte terá pela frente em mais de 60 minutos. A faixa-título mostra logo de cara a caminhada da vida dos personagens principais nos subúrbios -- de tentar entender o que acontece fora da própria bolha até a perda da inocência sobre determinados assuntos, como perceber que seu chefe suga tudo que pode de você até o limite -- tema presenta na segunda música, chamada "Ready to Start".

A partir dessas duas canções, "The Suburbs" avança em canções que abordam sobre ser uma pessoa dita moderna, mas sem ambições ("Modern Man"), sem o menor gosto para arte ou cultura e simplesmente consome tudo que vê pela frente sem o menor critério ("Rococo"), e solitária ainda por cima ("Empty Room"). Estão vendo como não é difícil não se identificar com a temática do álbum? Estão vendo como milhões de jovens pelo mundo ouviram o álbum e viram o Arcade Fire uma banda que entende e fala sobre suas próprias angústias?

Isso continua pesado em "City with No Children", quando Win surge no vocal para falar sobre a transição entre ser adolescente e um adulto de maneira trágica, já que não tem ninguém para te avisar das responsabilidades e te preparar. Tudo é jogado e, basicamente, você que lide com suas próprias ambições, frustrações, alegrias e tudo mais que surge no pacote, enquanto sua criança interior vai morrendo para abrir espaço para um -- burocrático -- adulto.

E ser adulto é começar a ver a vida com um olhar diferente ("Half Light I") durante a mudança de casa e a perda das amizades ("Half Light II (No Celebration)") ou como seu então melhor amigo pode simplesmente mudar de uma hora para outra quando começa a ouvir uma banda que você não gosta ("Suburban War") -- todo mundo já passou por essas duas coisas pelo menos uma vez na vida.

Musicalmente falando, "The Suburbs" também é um álbum importante para a banda pela evolução musical. Sabendo que estavam prontos para avançar, eles começaram a explorar novas possibilidades musicais. O tom épico das canções ao longo de todo trabalho explica, em parte essa evolução, mas também decidiram fazer faixas mais pesadas e agitadas, caso de "Month of May".

O disco avança para falar sobre sonhos perdidos ("Wasted Hours"), de como o trabalho é cada vez mais mecanizado e menos artístico em diversas áreas ("Deep Blue") e começa a relembrar de épocas mais simples da vida ("We Used to Wait"). Para fechar o álbum, o grupo explora o passado usando o personagem principal indo nos lugares em que costumava brincar ("Sprawl I (Flatland)"), como perceber a mudança de vida nem sempre é positivo ("Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)") e o final reserva "The Suburbs (Continued)", uma espécie de carta de que, se tivessem oportunidade, os personagens fariam tudo de novo.

É difícil destacar apenas uma canção de "The Suburbs" por ser um álbum muito completo do início ao fim ao conseguir contar uma história de tom muito real. Nas faixas, tudo encaixa tão bem que é difícil destacar algo em especial, mas, para não ficar no muro, os arranjos de corda de Owen Pallett são de um nível absurdo. E assim o Arcade Fire partiu para o estrelato.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "The Suburbs" (5:15)
2 - "Ready to Start" (4:15)
3 - "Modern Man" (4:39)
4 - "Rococo" (3:56)
5 - "Empty Room" (2:51)
6 - "City with No Children" (3:11)
7 - "Half Light I" (4:13)
8 - "Half Light II (No Celebration)" (4:25)
9 - "Suburban War" (4:45)
10 - "Month of May" (3:50)
11 - "Wasted Hours" (3:20)
12 - "Deep Blue" (4:28)
13 - "We Used to Wait" (5:01)
14 - "Sprawl I (Flatland)" (2:54)
15 - "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)" (5:25)
16 - "The Suburbs (Continued)" (1:27)

Todas as músicas foram escritas por Sarah Neufeld, Richard Reed Parry, Jeremy Gara, Win Butler, Will Butler, Régine Chassagne e Tim Kingsbury

Gravadora: Merge/ City Slang/ Mercury
Produção: Arcade Fire/ Markus Dravs
Duração: 63min55s

Sarah Neufeld, Richard Reed Parry, Jeremy Gara, Win Butler, Will Butler, Régine Chassagne e Tim Kingsbury: voz, vocal de apoio e instrumentos diversos

Convidados:

Sarah Neufeld, Owen Pallett, Richard Reed Parry e Marika Anthony Shaw: cordas
Clarice Jensen, Nadia Sirota, Yuki Numata, Caleb Burhans, Ben Russell e Rob Moose: cordas adicionais
Colin Stetson: saxofone nas faixas 9, 13 e 15

Produção:

Owen Pallett: arranjo de cordas
Mark Lawson: gravação
Craig Silvey: mixagem
Nick Launay: mixagem adicional nas faixas 2, 4 e 15
Marcus Paquin, Don Murnaghan e Noah Goldstein: gravação adicional
Brian Thorn: assistente (Magic Shop)
Brad Bell: assistente (Public Hi-Fi)
Adam Greenspan: assistente

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