Resenha: Arcade Fire – Reflektor


Ao lado do Daft Punk, e menos do que a surpresa de David Bowie no início do ano, o lançamento do novo disco do Arcade Fire gerou uma imensa expectativa no público e nos críticos, já que a banda foi responsável pelo grande álbum de 2010, intitulado The Suburbs – álbum com uma temática muito interessante sobre viver em grupo fora dos grandes centros.

Reflektor foi recheado de expectativa, e isso aumentou ainda mais quando anunciaram a participação de James Murphy, ex-líder do LCD Soundsystem, na produção e de Bowie em uma das canções. O que também aumentou a curiosidade foi a inspiração para fazer o trabalho: o filme brasileiro Orfeu Negro, de Marcel Camus, lançado em 1959, baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e na lenda grega envolvendo Orfeu e Eurídice.

A lenda conta, basicamente, que, após a morte de sua amada, Orfeu tocou sua harpa no submundo até chegar ao trono de Hades. Tocado pela história, o governante do mundo dos mortos fez um trato: caso o filho de Apolo não olhasse para trás até a saída, Eurídice seria dele novamente. Caso isso não acontecesse, ele ficaria sem sua amada. A curiosidade acabou fazendo o poeta certificar-se de que tudo estava bem, não cumprindo sua parte no acordo, e ele ficou sem Eurídice. Infeliz, Orfeu acabou sendo morto tempos depois pelas Mênades e, por fim, encontrando o grande amor de sua vida.

Primeira canção do álbum, “Reflektor” resume um pouco a história dos dois em um épico de mais de sete minutos. Recheado de instrumentos e vozes duplicadas preenchendo cada espaço, a faixa contrabalanceou muito bem momentos de força e os mais delicados. “We Exist” traz o primeiro momento mais reflexivo em que o baixo dá todo o tom, variando entre o denso e o alegre, mas está longe de ser o melhor momento do Arcade Fire nesse tipo de música. Já em “Flashbulb Eyes” é uma das muitas faixas que lembra o LCD Soundsystem – o uso dos sintetizadores e do prolongamento da voz cheia de efeitos.

O segundo grande momento do disco depois da abertura é em “Here Comes the Night Time”. Claramente contando com a interferência de Murphy na produção, a quarta canção é o melhor da junção entre a parte mais sombria do Arcade Fire com o projeto liderado pelo produtor encerrado há dois anos. Ela começa em ritmo de carnaval, vai ganhando contornos mais sombrios com ajuda dos sintetizadores até o clima de alegria retornar no terço final. O discurso de “Normal Person” reflete um pouco o atual clima do mundo: afinal, o que é uma pessoa normal? Pela primeira vez, o uso da guitarra é evidente para criar certo clima de melancolia com romantismo, que poderia funcionar melhor.

A chave muda em “You Already Know”, com a narrativa em terceira pessoa, ela é faixa mais alegre até o momento e lembra alguns momentos de The Suburbs e Neon Bible. Fechando o primeiro disco, “Joan of Arc” coloca em evidência a versatilidade do Arcade Fire em aliar o acústico do violão com todos os overdubs e distorções.

O início do disco dois começa com “Here Comes the Night Time II”, o que dá para perceber a divisão feita em Reflektor. Enquanto a primeira parte trata de discurso e de afinar a história ao ouvinte, a segunda é mais sombria por conta dos instrumentos de corda sempre são usados para deixar o ambiente mais denso.

Dois momentos do trabalho são colocados para falar dos personagens e suas aflições. O primeiro deles é "Awful Sound (Oh Eurydice)", em que Orfeu conta a história de seu amor em um épico de pouco mais de seis minutos. É uma canção delicada e emocionante em certos momentos. A segunda é “It's Never Over (Hey Orpheus)”, com Hades e Orfeu dividindo o protagonismo, quando é possível entender melhor a história e seu desdobramento. Uma pena que o tamanho dessas partes prejudique um pouco o andamento – um pouco mais curtas e seriam duas peças de uma qualidade imensa.

“Porno” tem uma coisa meio Talking Heads: é delicada no uso dos overdubs e em todos os complementos. Segundo single, “Afterlife” retorna com o clima de carnaval em uma letra de temática pesada: vida e morte. Ela funciona muito bem, principalmente nos detalhes perceptíveis após algumas audições, e rivaliza atenção com a canção-título como a melhor. "Supersymmetry" encerra o álbum de maneira leve, assim como a história de Orfeu e Eurídice, que terminaram juntos apesar dos percalços e das tragédias que abateram os dois.

Um álbum conceitual, acima de tudo, deve manter-se fiel ao tema proposto, e o Arcade Fire faz isso muito bem nas 13 músicas que compõe Reflektor. É notório que existe uma clara interferência de James Murphy na produção, conseguindo extrair o melhor da banda em vários momentos e incluindo o que de melhor ele fez durante seus anos de LCD Soundsystem. O uso bem colocado dos instrumentos põe o ouvinte para dentro da história, atuando como complemento da narrativa. Mas nem tudo funciona tão bem.

Por exemplo, a duração de algumas canções atrapalha um pouco o andamento do disco, o que prejudica um pouco a audição. O uso dos sintetizadores e overdubs é bem colocado em alguns momentos, mas beira o exagero em outros. Porém eles acertaram nos singles, realmente são as músicas mais fáceis e radiofônicas do trabalho conceitual. No geral, Reflektor é um álbum muito bom e recheado de boas músicas. Continuando assim, o Arcade Fire caminha para tornar-se a banda mais importante deste início de século 21.

Tracklist:

Disco 1

1 - “Reflektor”
2 - “We Exist”
3 - “Flashbulb Eyes”
4 - “Here Comes The Night Time”
5 - “Normal Person”
6 - “You Already Know”
7 - “Joan Of Arc”

Disco 2

1 - “Here Comes The Night Time II”
2 - “Awful Sound (Oh Eurydice)”
3 - “It’s Never Over (Oh Orpheus)”
4 - “Porno”
5 - “Afterlife”
6 - “Supersymmetry”

Nota: 4/5



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