Discos para história: Convite para Ouvir Maysa Nº2, de Maysa (1958)


Terceiro disco de estúdio consolidou a cantora como um símbolo de sua geração

História do disco*

Na linguagem usada nos jornais de 1957, Maysa Monjardim havia pedido o desquite do marido, André Matarazzo. Claro, foi um imenso escândalo público, com direito a ampla cobertura da imprensa. Afinal, onde já se viu mulher separada, ainda mais com filho recém-nascido? E ainda mais de um dos homens mais disputados do Brasil?

As brigas, que chegaram às vias de fato muitas vezes, se intensificaram quando ela quis promover o primeiro disco da carreira, Convite para Ouvir Maysa (1956). Já uma cantora de sucesso, apresentadora de dois programas – um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro –, dona do próprio dinheiro e do próprio destino, a cantora colocou um ponto final no casamento, cada vez mais difícil, com André. A situação só piorou ao ser ainda mais questionada pelo público e pela crítica. De queridinha por doar todo dinheiro do primeiro disco para o Hospital do Câncer de São Paulo, Maysa virou uma espécie de inimiga pública de todos. Mas ela encarava tudo com firmeza, mas não passou inume ao divórcio e começou a beber muito.

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Mesmo aparecendo muitas vezes sem condições de cantar, Maysa cantava muito bem e ainda dava conta de todos os compromissos profissionais – nada sóbria, diga-se. Apesar de saber da instabilidade emocional que ela estava passando, RGE correu para renovar o contrato da cantora, já assediada pela concorrência. A poderosa RCA Victor foi com tudo quando soube que o contrato da cantora com a RGE era ridículo de tão amador. Mas a gravadora que lançou o primeiro disco da cantora agiu rápido e firmou um novo compromisso por quatro anos e uma astronômica multa de 1 milhão de cruzeiros. E ela lançou Maysa (1957), disco que contém a ótima interpretação para "Se Todos Fossem Iguais a Você", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e "Ouça", grande sucesso composto pela cantora.

A segunda faixa do álbum foi um sucesso imenso e ajudou a consolidar Maysa no cenário nacional, apesar de a cantora começar a faltar em shows e ver promotores entrando na justiça para reaver o dinheiro investido. Além disso, ela virou alvo da imprensa sensacionalista. Valia tudo para pegá-la em algum momento ou pose indiscreta. Tudo pela audiência fácil e pela fofoca de quinta categoria para alimentar o consumo das revistas semanais – era 1958, mas bem que poderia ser 2018 tranquilamente.

Com o sucesso do compacto que continha "Ouça", muitos duvidavam que Maysa conseguiria um novo sucesso. Ela não conseguiu um, mas um disco inteiro. Convite para Ouvir Maysa N° 2 mudaria o patamar da cantora para sempre, tornando-a uma das mais famosas do final dos anos 1950 e, ao longo dos anos seguintes, uma das representantes de um tipo de música e um estilo de cantar que foram morrendo aos poucos. Acompanhada pelo maestro Henrique Simonetti, que regeu a orquestra da RGE, Maysa se superou como "a rainha da fossa". Sem seguir as sugestões da gravadora ou de quem quer que fosse, a cantora construiu o repertório do disco ao escolher precisamente o que queria.

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Existia um jovem Tom Jobim que estava fazendo sucesso, inclusive muito elogiado por ela em entrevistas. E lá estava uma música dele; em uma noitada no Rio de Janeiro, parou para ouvir um tal de Sergio Ricardo cantar "Bouquet de Izabel" em uma boate. Lá foi ela pedir pessoalmente para gravar a música no próximo disco; amiga de Dolores Duran, também gravou uma parceria da cantora com Jobim. Enfim, Maysa, além de cantora cheia de talento, também tinha um ouvido dos melhores para escolher o repertório.

Definitivamente, Convite para Ouvir Maysa N° 2 colocou Maysa em um panteão único na música brasileira ao transformá-la em uma tradutora da tristeza. De voz única, ela merece mais reconhecimento como a grande cantora que foi.

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Resenha de Convite para Ouvir Maysa N° 2

O disco começa com um dos inícios mais famosos da música brasileira. Aliás, o arranjo de "Meu Mundo Caiu" é sublime. A letra de Maysa é extremamente profunda e carrega uma melancolia que poucas pessoas conseguem traduzir em palavras (Meu mundo caiu/ E me fez ficar assim/ Você conseguiu/ E agora diz que tem pena de mim) no que é um belo samba-canção. Acabou virando um de seus grandes sucessos até o fim da vida, tragicamente finalizada em 1977, após sofrer um acidente de carro.

A toada do disco é mantida em "No Meio da Noite", outra em que a delicadeza dos arranjos é feita para destacar a potente voz da cantora – melhor do que nunca no estúdio. Além de ótima compositora, Maysa também era uma intérprete de mão cheia e a prova disso foi sua interpretação para "Bronzes e Cristais", faixa de autoria de Nazareno de Brito/Alcyr Pires Vermelho, mas que virou outra canção-assinatura (Bronze, a tristeza que implora/ Um novo dia, o clarão da aurora/ Cristal, sorrisos, luz da certeza/ Tormento e paz são bronzes e cristais).



"Por Causa de Você" não fez muito sucesso nas vozes de Dolores Duran e Sylvia Teles, mas conseguiu atingir mais gente quando regravada por Maysa, que parecia ter o dom de cantar qualquer coisa que fosse a representação da tristeza, e isso fica ainda mais evidente em "Bom Dia Tristeza" – que soa um relato fiel de alguém que ficou bebendo até o sol raiar para ver se a ressaca pelo álcool curava a ressaca moral.

A flauta de fundo só serve para deixar o clima ainda mais triste em "Felicidade Infeliz", uma espécie de "celebração" do sofrimento ao deixar a felicidade – um pouco – de lado. Ao prestar um pouco de atenção na letra de "Bouquet de Izabel", é possível perceber certa identificação com Maysa. Por fora, alguém que era forte e cheia de convicção; por dentro, a melancolia pelo fim do casamento ainda tomava boas horas de seus dias. Olhando em retrospectiva, não foi absurdo ela escolher especificamente essa canção de Sergio Ricardo para gravar.

Terceira de quatro composições de Maysa para o álbum, "Mundo Novo" parece ter sido escrita quando ela tentava reconciliar-se com o ex-marido, o que não aconteceu, enquanto "E a Chuva Parou" não está entre as mais destacáveis interpretações da cantora – mas faz sentido dentro da proposta do LP.



Há certas canções em que o autor é reconhecível de longe, mesmo sendo na voz de outra pessoa. A introdução no piano deixa claro que "Caminhos Cruzados" é de Tom Jobim. Não só, todo arranjo lembra muito o estilo de um dos símbolos da bossa nova, e Maysa complementou tudo de forma brilhante com sua bela voz. E o vocal reconhecível da cantora surge em "Meu Sonho Feliz", faixa em que ela descreve o único sonho que gostou. O encerramento do disco fica por conta de "Diplomacia" (Pouco importa a razão da verdade/ Que impede a felicidade/ De morar no meu coração/ Pouco importa se tudo hoje em dia/ Se baseia na diplomacia/ Que semeia a desunião).

Convite para Ouvir Maysa N° 2 é um dos melhores lançados por Maysa. No auge de sua voz e com composições cada vez mais maduras, a cantora mostrou que não era uma "mulher rica que usou o marido rico para fazer sucesso", como muitos dos críticos afirmavam. Ela era talentosa em vários aspectos e mostrou isso no terceiro disco de estúdio.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Meu Mundo Caiu" (Maysa) (3:20)
2 - "No Meio da Noite" (J. M. da Costa/Aloysio Figueiredo) (3:09)
3 - "Bronzes e Cristais" (Nazareno de Brito/Alcyr Pires Vermelho) (3:10)
4 - "Por Causa de Você" (Dolores Duran/Tom Jobim) (3:30)
5 - "Bom Dia Tristeza" (Adoniran Barbosa/Vinicius de Moraes) (3:42)
6 - "Felicidade Infeliz" (Maysa) (3:26)
7 - "Bouquet de Izabel" (Sergio Ricardo) (2:48)
8 - "Mundo Novo" (Maysa) (3:13)
9 - "E a Chuva Parou" (Ribamar/Esdras Pereira da Silva/Victor Freire) (3:09)
10 - "Caminhos Cruzados" (Tom Jobim) (3:19)
11 - "Meu Sonho Feliz" (Nanai) (3:08)
12 - "Diplomacia" (Maysa) (3:23)

Gravadora: RGE
Produção: RGE
Duração: 39 minutos

Maysa: vocais
Regência da orquestra: Maestro Henrique Simonetti
Orquestra: músicos contratados da RGE*

*não existe registro oficial de quem participou das gravações. Se você estiver lendo esse texto e souber, por favor, me avise e o post será devidamente atualizado com os devidos créditos e agradecimentos.



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