Segundo disco do grupo foi considerado tardiamente um dos melhores dos anos 1980
História do disco
O primeiro disco do Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens foi um estouro. O LP Seu Espião (1984) foi embalado pelo sucesso do compacto lançado pela banda, então uma novata contratada pela WEA no embalo do sucesso do rock brasileiro – ou BRock (termo cunhado pelo jornalista Arthur Dapieve) – no início dos anos 1980. Um resumo rápido da ascensão da banda: a demo gravada por eles chegou na Rádio Fluminense pelas mãos de Leoni, fundador, baixista e compositor, e fez sucesso. Tanto foi repentino, que a banda nem tinha nome. E acabou ganhando essa alcunha longa e muito da época.
"Fixação", "Como Eu Quero", "Porque Não Eu?" e "Pintura Íntima" viraram sucessos quase instantâneos, gerando uma pressão enorme para o segundo lançamento. Mas antes houve o Rock in Rio. Se a primeira apresentação da banda não foi das melhores, a segunda deu a eles a paz necessária para entrar em estúdio. Ou quase isso. O clima estava muito estranho entre a vocalista Paula Toller e Leoni, segundo depoimento do baixista para o livro Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80, de Ricardo Alexandre. Então namorados, eles terminaram o relacionamento antes do Rock in Rio, motivando um início de guerra de egos. Ele queria cantar mais; ela queria que ele aparecesse menos.
Mais discos dos anos 1980:
Discos para história: Voo de Coração, de Ritchie (1983)
Discos para história: Appetite for Destruction, do Guns N' Roses (1987)
Discos para história: Saúde, de Rita Lee (1981)
Discos para história: Remain in Light, do Talking Heads (1980)
Discos para história: Dois, da Legião Urbana (1986)
Discos para história: Daydream Nation, do Sonic Youth (1988)
Mas o Kid Abelha era uma banda de alto investimento para época, ainda mais depois de um sucesso imenso. Antes mesmo do término das gravações, 30 mil cópias do futuro segundo foram vendidas antecipadamente. Isso mostrava a força do grupo que, ao mesmo tempo que empilhava sucessos graças ao público, era detonada pela crítica pela suavidade de suas letras com tom de "música para casal". Se existia um grupo com enorme potencial para agradar ao público e que atendia a necessidade sonora daquele momento, esse grupo era o Kid Abelha.
Entre um disco e outro, ao sair do completo desconhecimento até o pico da montanha do sucesso, eles tentaram melhorar aspectos em falta para um grupo de jovens inexperientes nesse meio. O segundo disco foi uma tentativa – bem-sucedida, diga-se – de amadurecer o tom das letras e dos arranjos. Fundamental é entender que não havia mais inocência juvenil na banda. Em termos de hoje, podemos dizer que esse segundo disco é o jovem adulto do Kid Abelha: já não era mais adolescente, mas ainda não era um adulto pronto e com experiência para administrar certas situações.
Um exemplo desse amadurecimento era o título de duas faixas e do disco, retirados de um livro do romancista francês Gustave Flaubert (1821-1880). Lançado em 1869, A Educação Sentimental é um dos mais influentes livros do século 19 ao retratar com ironia e pessimismo a tentativa de relacionamento entre jovem rapaz e uma mulher mais velha.
Veja também:
Discos para história: Mutantes, dos Mutantes (1969)
Discos para história: Cê, de Caetano Veloso (2006)
Discos para história: Orfeu da Conceição, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes (1956)
Discos para história: Unknown Pleasures, do Joy Division (1979)
Discos para história: Suede, do Suede (1993)
Discos para história: From Her to Eternity, de Nick Cave and The Bad Seeds (1984)
Lançado em 12 de maio de 1985, Educação Sentimental foi destruído pela crítica de São Paulo, que reclamava do que eles chamavam de "pop descartável e, em termos mais pesados, de "porcaria". Quase todos os jornalistas da Revista Bizz deram "lixo", exceção de José Emílio Rondeau, autor de um "sublime". Aliás, o rock de apelo pop feito no Rio de Janeiro era chamado, de forma pejorativa, de "rock de bermudas" pela crítica paulista.
Foi o último trabalho de Leoni no Kid Abelha. Pouco depois do fim da turnê do álbum, ainda no grupo, ele fundou o Heróis da Resistência e esse foi seu destino após o fim da turnê do segundo disco. O LP vendeu 200 mil cópias até o final daquele ano.
Resenha de Educação Sentimental
O tempo tratou de provar que "Lágrimas e Chuva" era um sucesso estrondoso. Apesar de a gravação ser reflexo de uma época, de determinado tipo de tecnologia e de um estilo de gravação, a faixa ainda desce bem quando ouvida em 2017. Paula Toller havia melhorado muito no vocal, assim como as letras havia evoluído. E, com um orçamento incrementado, deu para fazer melhorias em vários aspectos.
Mesmo com o início de "Educação Sentimental II" sendo chupado de "London Calling", do Clash, isso não estraga a letra reflexiva sobre os problemas do término de um relacionamento (Agora você vai embora/ E eu não sei o que fazer/ Ninguém me explicou na escola/ Ninguém vai me responder) – letra tem colaboração de Herbert Vianna, vocalista dos Paralamas do Sucesso. E temos na bonitinha "Conspiração Internacional", cantada por Leoni em um refrão animado e uma parte instrumental bem dançante.
"Os Outros" soa como o prólogo de "Garotos" e "Garotos II" em que Toller inicia o lamento do fim do relacionamento (Procuro evitar comparações/ Entre flores e declarações/ Eu tento te esquecer/ A minha vida continua/ Mas é certo que eu seria sempre sua/ Quem pode me entender), enquanto "Amor por Retribuição" é aquela faixa em que o interlocutor se toca sobre sua situação no casal e cobra atitude do companheiro. O arranjo dessa música é dos mais animados do trabalho e é a faixa mais Pretenders do trabalho, digamos. Diferente da segunda parte, que aparece primeiro no disco, "Educação Sentimental" mostrava o desejo de ser diferente, de mostrar algo que ninguém mais tinha. E aqui já podemos ver como Leoni consegue escrever bons arranjos para uma letra absurdamente grudenta.
A visão feminina sobre os homens aparece em "Garotos", cantada por Toller de maneira suave para lembrar de como o sexo oposto se preocupam, ou preocupavam, em esconder seus sentimentos atrás de objetos ou relacionamentos de curta duração. A faixa acabou virando um dos grandes sucessos daquela década ao fazer imenso sucesso nas rádios. Anos depois, Leoni compôs "Garotos II", a resposta masculina, também de grande sucesso.
Se tem uma faixa que cheira anos 1980 é "Um Dia em Cem" de tão new wave que é. Claramente inspirada pelo movimento surgido no fim dos anos 1970, ela apela para a parte dançante do início ao fim e entra naquele rótulo de 'gostosinha' para se soltar na pista, já a balada "Uniformes" é uma ótima balada que muitas bandas teriam dado um braço para tê-la em seu repertório. Em um disco cheio de sucessos, acabou ficando em segundo plano.
Eles não sabiam, mas "A Fórmula do Amor" acabou virando um hino de louvor aos anos 1980 nas festas temáticas. Aqui, o arranjo é muito da época, tanto é que a versão de mais sucesso é uma cantada por Leo Jaime do que a presente neste disco. Mas Paula Toller dá uma cara muito própria, suficiente para agradar.
Mais de três décadas depois do lançamento desse disco, Educação Sentimental mostra-se uma aula de música pop e amadurecimento por parte do Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens. A formação da gravação não durou mais para vermos até onde eles chegariam, mas temos um belo exemplo de como parte da crítica da época estava equivocada na avaliação do trabalho, e isso acontece bastante em várias épocas. É um dos melhores daquela época, sem dúvida.
Ficha técnica
Tracklist:
1 - "Lágrimas e Chuva" (Leoni, Bruno Fortunato, George Israel) (4:33)
2 - "Educação Sentimental II" (Leoni, Paula Toller, Herbert Vianna) (4:51)
3 - "Conspiração Internacional" (Leoni, Paula Toller) (3:55)
4 - "Os Outros" (Leoni) (3:25)
5 - "Amor por Retribuição" (Leoni, George Israel) (3:35)
6 - "Educação Sentimental" (Leoni) (4:03)
7 - "Garotos" (Leoni, Paula Toller) (4:24)
8 - "Um Dia em Cem" (Leoni, Paula Toller) (3:23)
9 - "Uniformes" (Leoni, Leo Jaime) (4:08)
10 - "A Fórmula do Amor" (Leoni, Leo Jaime) (5:00)
Gravadora: WEA
Produção: Liminha
Duração: 39min57s
Paula Toller: vocal
George Israel: saxofone, flauta e violão
Bruno Fortunato: guitarra
Leoni: vocal, vocal de apoio, baixo e violão
Cláudio Infante: bateria
Convidados:
Roberto de Carvalho: piano
Leo Jaime: vocais de apoio
Jorjão Barreto: teclados
Léo Gandelman: metais
Zé Carlos: metais
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