Discos para história: The Miseducation of Lauryn Hill, de Lauryn Hill (1998)


A edição 131 da seção conta a história de um dos melhores álbuns dos anos 1990 e primeiro trabalho solo da cantora Lauryn Hill 

História do disco

O ano de 1997 foi muito conturbado para o Fugees, grupo formado por Lauryn Hill, Wyclef Jean e Pras Michel. Com problemas entre si, principalmente entre Hill e Jean, os três começaram a trabalhar em seus projetos solos ainda sem acabar oficialmente as atividades. Problemas pessoais e egos inflados marcaram o encerramento de um dos grupos de hip-hop mais influentes dos anos 1990.

Mas a dança não poderia parar, e Hill viu sua vida pessoal e profissional mudar quando conheceu Rohan Marley, filho de Bob Marley. Com a ideia de gravar um disco solo, e vendo o sucesso de Jean após sair do grupo, a cantora alimentou esse desejo, mas sofreu um bloqueio criativo. Nesse processo, ela acabou engravidando e precisou dar uma pausa no trabalho. Foi aí que tudo mudou.

"Quando algumas mulheres estão grávidas, os cabelos e as unhas crescem, mas, no meu caso, foi a minha capacidade de criar e o desejo de escrever, algo que nunca havia tido. Não sei se é uma coisa hormonal ou emocional, mas estava muito em contato com meus sentimentos", disse ela, alguns anos depois. "Toda vez que eu me machuquei, cada vez que eu estava desapontada com alguém, cada vez que eu aprendi alguma coisa, eu escrevi uma canção", revelou.

Essa inspiração toda a fez escrever mais de 30 canções no estúdio que mantinha em Nova Jersey. Logo depois de ter o filho, Hill foi convidada para trabalhar com Aretha Franklin e Whitney Houston, duas divas do R&B que a inspiraram ainda mais durante o processo de composição de seu primeiro trabalho solo. Ele começou a gravar o disco em 1997 e o finalizou no início de 1998.

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O título do disco foi inspirado no livro The Mis-Education of the Negro, escrito pelo Dr. Carter G. Woodson, de 1933, que fala sobre o negro ser condicionado a aceitar um lugar menor na sociedade por conta da cultura a que estavam sendo expostos. Para ele, independente do nível de educação, os negros deveriam aprender mais coisas sobre si mesmos, sua cultura e não depender de ninguém para nada.

"[O álbum] É para discutir essas lições de vida, coisas que não entram em qualquer livro, coisas que passam e nos fazem amadurecer. Espero aprender alguma coisa. Dizem que o que não nos mata nos torna mais fortes, e isso é uma lição muito poderosa que mudou o curso e a direção da minha vida", contou em entrevista ao jornal inglês The Guardian em 1999.

Lançado em 25 de agosto de 1998, The Miseducation of Lauryn Hill chegou ao primeiro lugar nas paradas americanas na primeira semana ao ter mais de 420 mil cópias vendidas. Ao final do primeiro mês, já haviam sido vendidos mais de um milhão de álbuns. Isso consagrou Lauryn Hill como a grande cantora de 1999 ao levar o Grammy de Revelação, Melhor Música de R&B, Melhor Cantora de R&B e Melhor Disco de R&B, além do principal prêmio: Melhor Disco do Ano. Foi o primeiro álbum de R&B a levar a principal honraria da premiação.

"Eu acho que o disco como um todo se comunica com a minha personalidade, são minhas experiências, a soma do que eu tinha passado até aquele determinado ponto na minha vida. Foi pouco assustador no começo", afirmou. "Porque era tudo sobre mim. Mas foi libertador porque era muito pessoal. Isso me permitiu falar sobre coisas que eram muito minhas, que não têm nada a ver com qualquer outra pessoa. Poderia falar sobre o nascimento do meu filho e a decepção no relacionamento, por exemplo. Foi como dirigir em uma tempestade, porque é difícil ver onde você está indo, você só está orando para sair dela. Uma vez que você sai dela, você pode olhar para trás e dizer: 'graças a Deus'. É isso que esse álbum significa para mim", disse.


Resenha de The Miseducation of Lauryn Hill

A primeira faixa é uma introdução suave perto do que está por vir, como "Lost Ones". Responsável por abrir o disco de fato, é uma canção muito forte, uma desabafo feito com uma batida muito pesada em meio à letra muito forte sobre perdas. Uma pedrada para quem não acreditava na capacidade de Lauryn Hill como compositora em sua carreira solo. E acostume-se: será comum, ao final de algumas músicas, uma espécie de epilogo cheio de conversas.

Mudando o hip-hop para o soul, "Ex-Factor" soa uma carta musicada. Aqui temos um enorme desabafo de alguém que se sentiu menosprezada pelo parceiro – com versos do tipo 'No one loves you more than me/And no one ever will' ou 'Cause no one's hurt me more than you/And no one ever will'. Pode ser doloroso ouvir, porque a identificação acaba sendo grande em vários aspectos para muita gente. A batida é outro aspecto a ser destacado. Ao ser simples, acaba sendo o complemento ideal para essa ótima canção.

O guitarrista Carlos Santana dá o ar da graça em "To Zion", uma canção em homenagem ao filho que estava por vir à época da composição. Delicada em todos os aspectos, a letra também é um desabafo para quem não acreditava que ela voltaria tão forte na carreira depois da gravidez. Um soul gospel de alto nível em que tudo que a cantora pede a Deus é proteção ao filho. Um sucesso imenso mesmo desse disco foi "Doo Wop (That Thing)", que conquistou o mundo com sua batida, o refrão fácil de decorar e da letra que faz toda uma leitura de uma parcela da população afro-americana que pouco liga para luta e muito liga para si mesma.



"Superstar" beira um reggae, mas há um toque de soul nela que faz diferença, e "Final Hour" é um rap do início ao fim, sem firulas, sem traquejos, apenas a cantora declamando a letra do início ao fim. O refrão 'You could get the money/You could get the power/But keep your eyes on the final hour' é simples, mas matador. "When It Hurts So Bad" é outra melancólica, um desabafo em forma de música. Um tiro certeiro, assim como é "I Used to Love Him", com participação da ótima Mary J. Blige.

"Forgive Them Father" traz de volta o teor religioso ao explorar essa faceta do reggae, já "Every Ghetto, Every City" é uma revisão do passado da própria cantora ao relembrar situações e lugares com uma batida animada – não só parece a vida dela, mas o retrato de muitos de seus contemporâneos. Outra participação brilhante é de D'Angelo na romântica "Nothing Even Matters", em que Hill diz que nada importa quando se está apaixonada.



Inspirada pela luta de uma pequena comunidade no interior dos Estados Unidos, "Everything Is Everything" fala sobre mudança, sobre a possibilidade de conquistar um sonho inalcançável, sobre a dedicação necessária hoje para construir um futuro melhor para as novas gerações. Outro recado claro para uma sociedade que ainda não estava pronta para um disco tão sincero. E a faixa-título aparece como o final ideal de quem escreveu cada linha de seu destino ao encontrar a resposta dentro de si. Um encerramento de encher os olhos de lágrimas.

Um disco simplesmente espetacular, uma estreia sublime de uma das ótimas cantoras dos anos 1990. Ela conseguiu traduzir em palavras sentimentos e lembranças como poucas. Um álbum inesquecível.



Ficha técnica 

Tracklist: 

1 - "Intro"
2 - "Lost Ones"
3 - "Ex-Factor"
4 - "To Zion" (featuring Carlos Santana)
5 - "Doo Wop (That Thing)"
6 - "Superstar" (Lauryn Hill, Johari Newton, James Poyser)
7 - "Final Hour"
8 - "When It Hurts So Bad"
9 - "I Used to Love Him" (featuring Mary J. Blige)
10 - "Forgive Them Father"
11 - "Every Ghetto, Every City"
12 - "Nothing Even Matters" (featuring D'Angelo)
13 - "Everything Is Everything" (Hill, Johari Newton)
14 - "The Miseducation of Lauryn Hill" (Hill, Tejumold Newton)

Todas as músicas foram escritas por Lauryn Hill, exceto as marcadas 

Gravadora: Ruffhouse/Columbia
Produção: Lauryn Hill, Vada Nobles e Che Guevara
Duração: 69min20s

Lauryn Hill: vocais

Convidados:

Al Anderson, Robert Browne, Francis Dunnery, Julian Marley, Johari Newton, Arun Pandian, Carlos Santana, Earl Chinna Smith e Andrew Smith: guitarra
Tom Barney, Paul Fakhourie, Chris Meredith, Matthew Rubano e Stuart Zender: baixo
Bud Beadle: saxofone alto e tenor e flauta
Rudy Byrd: percussão
Che Guevara, Che Pope e Vada Nobles: bateria eletrônica
Jared Crawford e Squiddly Ranks: bateria
D'Angelo: pedais, guitarra e vocais
DJ Supreme: DJ
Dean Frasier: saxofone
Loris Holland: teclado e clarineta
Indigo Quartet: instrumentos de corda
Tejumold Newton, John R. Stephens (John Legend) e Joe Wilson: piano
Grace Paradise e Elizabeth Valletti: harpa
James Poyser: baixo e teclado
Everol Ray: trompete
Kevin Robinson: trompete e fliscorne
Ronald "Nambo" Robinson e Fayyaz Virti: trombone
Mary J. Blige e  Shelley Thunder: vocais
Kenny Bobien, Chinah, Jenni Fujita, Fundisha Johnson, Sabrina Johnston, Jenifer McNeil, Rasheem Pugh, Lenesha Randolph, Ramon Rivera, Earl Robinson, Andrea Simmons, Eddie Stockley, Ahmed Wallace, Tara Watkins, Rachel Wilson e Chuck Young: vocal de apoio



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