Discos para história: Time Out of Mind, de Bob Dylan (1997)


A 101ª edição do Discos para história falará sobre Time Out of Mind, álbum que recolocou Bob Dylan na rota do sucesso comercial depois de quase duas décadas de trabalhos medianos em sua carreira solo.

História do disco

Como discutir a genialidade de Bob Dylan? Não há como, mas até os grandes passam por momentos ruins. Se o cantor era aclamado nos anos 1960 e 1970, a década seguinte não foi das melhores para ele, musicalmente falando. Os anos 1980 são considerados de longe os piores da carreira dele – no período, ele participou do Traveling Wilburys, em que alguns dos chamados dinossauros do rock se juntaram para fazer um disco.

Os anos 1990 chegaram e, como era moda, um acústico MTV foi gravado. Foi um sucesso, mas o cantor optou por fechar-se em sua fazenda, onde ficou boa parte do tempo escrevendo novas canções, tentando superar o bloqueio musical – o último álbum de inéditas havia sido lançado no início da década (Under the Red Sky, 1990). Então, como havia muito tempo, o trabalho de escrever foi levado até o limite da exaustão.

Ele chamou o produtor Daniel Lanois para uma sessão de gravação no Criteria Studios, em Miami, local em que Dylan continuou trabalhando arduamente em material inédito e testando arranjos com os músicos que o acompanhavam em turnê. Nisso, muitas coisas foram alteradas nas letras e nas melodias, mostrando que estava disposto a tentar de tudo até atingir o resultado esperado. Em janeiro de 1997, depois de muitos ensaios, as gravações começaram para valer. E, além da banda de turnê, mais instrumentistas foram contratados, totalizando 12 músicos, Bob Dylan e Lanois no estúdio.


Era impossível gerir tanta gente ao mesmo tempo, ainda mais com Lanois e Dylan tentando imprimir visões diferentes ao que deveria ser o projeto. Mas dois dos concordavam em uma coisa: o álbum deveria soar como se feito em algum momento dos aos 1950, por isso equipamentos novos foram comprados para dar a sonoridade desejada.

"Time Out Of Mind [em comparação com Oh Mercy] foi diferente. Bob tinha todas as letras no papel, e ele leu para mim. Sem música. Mesmo assim, quando ouvi as letras, disse a ele: 'Eu acho que nós temos um disco'", disse o produtor, em 2010. Apesar disso, Dylan, à época das gravações, não se mostrava um entusiasta do trabalho com a banda – e do seu próprio, diga-se. "Eu estava torcendo por Bob e queria ajudá-lo a fazer um hit e devolver-lhe visibilidade", diz ele. "Como se vê [hoje], [o álbum] ganhou um Grammy de Álbum do Ano, que talvez fosse o nosso destino”, completou.

Mas antes do lançamento, por muito pouco Bob Dylan não lançaria um disco póstumo. Uma infecção cardíaca quase tirou a vida do cantor, que cancelou turnês e o trabalho de pós-produção de Time Out of Mind. "Pensei que ia ver Elvis em breve”, falou. Ele retomou a turnê e os trabalhos só em agosto de 1997, e conseguiu colocar o trabalho, chamado de ‘o retorno de Dylan às paradas e ao sucesso’ no mercado em 30 de setembro, e é um dos grandes dos anos 1990.



Resenha de Time Out of Mind

O disco começa com a cortante "Love Sick", uma balada com ares de anos 1950 em que Dylan canta I'm sick of love; I hear the clock tick/This kind of love; I'm love sick. E o trabalho tinha início, e a faixa fazia, enfim, jus à expectativa criada pelo retorno do cantor às paradas. Mas o clima é todo cortado no country blues "Dirt Road Blues", fazendo as coisas diminuírem bastante, principalmente ao ouvir um cantor tentando soar alguma coisa parecida com um cantor dos anos 1940.

Qualquer ouvinte poderia perder as esperanças depois da segunda canção, só que havia uma surpresa pela frente: "Standing in the Doorway". A letra ganhou uma interpretação tocante e cheia de emoção por parte do cantor, transformando-a em uma de seus melhores momentos em de sua carreira. Aqui, podemos ouvir o ressurgimento definitivo de Dylan, agora mais experiente. Poucos devem ter percebido, porém temos aqui um dos versos mais geniais escritos por ele (I'll eat when I'm hungry, drink when I'm dry/And live my life on the square/And even if the flesh falls off of my face/I know someone will be there to care/It always means so much/Even the softest touch/I see nothing to be gained by any explanation/There are no words that need to be Said/You left me standing in the doorway crying/Blues wrapped around my head).



O blues "Million Miles" poderia ter saído de qualquer cantor do gênero de sucesso nos anos 1950, e isso só mostra o árduo trabalho na hora de escrever as letras, e "Tryin' to Get to Heaven" mostra uma clareza vocal muito boa, tanto é que virou a de maior sucesso nessa segunda fase da carreira dele – há um solo de gaita, primeiro e único. Outro blues, "'Til I Fell in Love with You" é cativante por conseguir prender o ouvinte que deseja saber o final da história amorosa entre o interlocutor e sua amada.

Mais um dos momentos geniais da carreira de Dylan, "Not Dark Yet" certamente está bem colocada em uma lista das 20 melhores canções dele. Poética, lírica, toques de humor, precisa e linda, ela é profunda, melancólica, romântica, tudo isso ao mesmo tempo. É fantástico saber que esse tipo de canção em particular ainda tinha chance de nascer em 1997. E nasceu. Na sequência vem a brilhante "Cold Irons Bound", um blues rock de alto nível e bem clássico no quesito contar uma história.

Em menos de três minutos e meio, "Make You Feel My Love" é aquele romântica, bem bobinha, feita para ser tocada no piano e criar certo clima. Penúltima, "Can't Wait" gira em torno de o personagem principal ‘não poder esperar’ enquanto vislumbra situações em sua cabeça (ou seriam reais?) em que o destino foi/será muito cruel. Por fim, em duração, "Highlands" é a maior música da discografia de Bob Dylan. Inspirada no poema My Heart's in the Highlands, de Robert Burns, trata da conversa entre um homem e uma garçonete em um restaurante (curiosidade, a versão que entrou no disco é a mais curta. Havia duas outras versões, ainda mais longas). Claramente, ele estava longe da aposentadoria – e parece estar ainda mais em 2015. É o fim ótimo de um álbum que conseguiu trazê-lo de volta a posição de um dos melhores compositores que pisaram na Terra.



Ficha técnica:

Tracklist:

1 - "Love Sick"
2 - "Dirt Road Blues"
3 - "Standing in the Doorway"
4 - "Million Miles"
5 - "Tryin' to Get to Heaven"
6 - "'Til I Fell in Love with You"
7 - "Not Dark Yet"
8 - "Cold Irons Bound"
9 - "Make You Feel My Love"
10 - "Can't Wait"
11 - "Highlands"

Gravadora: Columbia
Produção: Daniel Lanois e Bob Dylan
Duração: 72min50s

Bob Dylan: guitarra, violão, gaita, piano e vocais

Convidados:

Bucky Baxter: violão e pedal steel em "Standing in the Doorway", "Tryin' to Get to Heaven", "Not Dark Yet" e "Cold Irons Bound"
Brian Blade: bateria em "Love Sick", "Standing in the Doorway", "Million Miles", "'Til I Fell in Love with You", "Not Dark Yet" e "Can't Wait"
Robert Britt: violão e guitarra em "Standing in the Doorway", "'Til I Fell in Love with You", "Not Dark Yet" e "Cold Irons Bound"
Cindy Cashdollar: guitarra slide em "Standing in the Doorway", "Tryin' to Get to Heaven" e "Not Dark Yet"
Jim Dickinson: teclado, teclado Wurlitzer e órgão em "Love Sick", "Dirt Road Blues", "Million Miles", "Tryin' to Get to Heaven", "Til I Fell in Love with You", "Not Dark Yet", "Can't Wait" e "Highlands"
Tony Garnier: baixo e contrabaixo
Jim Keltner: bateria em "Love Sick", "Standing in the Doorway", "Million Miles", "Tryin' to Get to Heaven", "'Til I Fell in Love with You", "Not Dark Yet" e"Can't Wait"
David Kemper: bateria e, "Cold Irons Bound"
Daniel Lanois: guitarra
Tony Mangurian: percussão em "Standing in the Doorway", "Million Miles", "Can't Wait", e "Highlands"
Augie Meyers: órgão e acordeão
Duke Robillard: guitarra l5 Gibson em "Million Miles", "Tryin' to Get to Heaven", e "Can't Wait"
Winston Watson: bateria em "Dirt Road Blues"



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