Discos para história: Nebraska, de Bruce Springsteen (1982)


A edição 130 da seção conta a história do primeiro disco acústico lançado pelo cantor, uma prévia do que estava por vir dois anos depois

História do disco

A cada ano, principalmente depois do enorme sucesso de Born to Run, Bruce Springsteen mostrava seu valor como compositor e cantor de presença incrível no palco. No início dos anos 1980, ele lançou The River, um disco duplo que deu a ele o primeiro top-10 com um single, "Hungry Heart", e que mostrava ao mundo seu estilo de mesclar guitarras com ótimas baladas.

O primeiro lugar das paradas deu ao cantor a chance de tocar nos principais festivais na Europa e nos maiores lugares nos Estados Unidos, o consagrando como grande nome daquela nova geração de cantores que surgiu no meio dos anos 1970. No meio dessa loucura toda, existia a intenção de gravar um novo trabalho. Como sempre, Springsteen começou a compor novas canções ainda na estrada.

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Ao chegar após as apresentações, ele pegou o violão e começou a trabalhar em demos para o novo álbum da maneira mais primária possível: no quarto de casa usando um simples gravador. Estava tudo certo com E Street Band para gravar. Ao chegar no estúdio, Springsteen e os engenheiros de som perceberam que as faixas não estavam casando bem com a banda, mas as demos eram muito boas para serem jogadas no lixo. O que fazer?

Eles tomaram a decisão mais inesperada possível: o álbum seria inteiramente acústico, praticamente lançado da maneira mais crua possível com mínimas correções no som, tudo para aproveitar as ótimas canções saídas do momento depressivo da vida de Bruce. O cantor não estava vivendo uma fase pessoal muito boa. Por isso, as composições eram brutais do início ao fim.

"Eu fiz todas as canções de Nebraska em alguns meses. Estava interessado em ser minimalista, focar mais nos detalhes. Meio que comecei isso a fazer em The River. Eu acho que minhas influências na época eram o cinema e suas histórias. Também estava lendo [a autora] Flannery O'Connor, ela é simplesmente incrível", disse ele em entrevista à revista Rolling Stone em 1984.

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"Nebraska é sobre o isolamento, o que acontece com as pessoas quando elas estão alienadas de seus amigos, comunidade, governo e trabalho. Porque são essas coisas que mantêm você em sã consciência, que dão sentido à vida de alguma forma. Longe disso, você fica em um vazio onde as restrições básicas da sociedade são uma piada, então a vida torna-se uma espécie de piada. E tudo pode acontecer", continuou.

Das sessões de gravação, saíram algumas canções que estariam no disco seguinte, Born in the USA, maior sucesso da carreira de Springsteen até os dias atuais. Mas antes disso, Nebraska chegaria para mostrar que ele não tinha esquecido suas raízes do folk. Lançado em 30 de setembro de 1982, o disco chegou ao terceiro lugar nas paradas dos Estados Unidos e no Reino Unido, apesar de ter feito menos sucesso do que os anteriores. Era Springsteen mudando paradigmas antes de explodir como voz de uma geração.


Resenha de Nebraska

Bem ao estilo Bob Dylan no início de carreira, "Nebraska" fala sobre os 11 assassinatos cometidos pelo casal Charles Starkweather e Caril Ann Fugate. Como Bruce Springsteen canta tudo de maneira muito seca e direta, acaba sendo uma de suas canções mais sombrias em seu repertório. Essa faixa foi uma em que tentaram de tudo para fazê-la funcionar com a E Street Band, mas não funcionou. Tanto não deu certo, que a versão lançada é a demo crua.

Bruce expõe a escolha de um cara para trabalhar com a máfia logo que chega ao novo lugar com a namorada em "Atlantic City", e tudo isso marcado pela incerteza de que a escolha é a melhor possível. "Everything dies, baby, that's a fact, but maybe everything that dies someday comes back", canta ele a plenos pulmões. O quê autobiográfico de "Mansion on the Hill" leva a uma comoção muito grande. Essa volta ao passado, aliado com a tristeza da gaita, é de cortar o coração.

A história de um homem desempregado que mata uma pessoa, pega 99 anos de prisão e pede para ser condenado a morte é o mote de "Johnny 99", uma canção sobre o desespero acabar resultando em algo trágico. Outra história triste, agora a de um policial rodoviário que persegue o irmão criminoso, traz a voz triste de Springsteen em "Highway Patrolman". Uma biografia de ambos cantada de maneira melancólica - difícil não entrar no clima de tristeza do álbum. Outra com jeito de bem pessoal, "State Trooper" encerra o lado A de maneira bem melancólica.



"Used Cars" abre o lado B falando da vida comum de um americano médio, aquele que tem um carro usado, que torce para ganhar na loteria, que trabalha duro para sobreviver. Que paulada, amigos, que paulada. E única na guitarra, "Open All Night" é um rock à Chucky Berry bem animado sobre a vida de um dia comum de um americano que conheceu uma balconista de uma lanchonete de beira de estrada. Springsteen é craque em fazer esse tipo de letra, acreditem.

Carregada em tristeza e em poesia, "My Father's House" é uma canção gospel de alto nível, absurdamente precisa em trazer sentimentos mais profundos dos seres humanos. Outro acerto imenso no álbum, assim como "Reason to Believe", outra de teor religioso, mas com um ritmo mais country – outra história, essa do americano do meio oeste.

Difícil saber o motivo de o disco não ter feito muito sucesso, porque só tem canções boas nele. No fim, acabou sendo o impulso necessário para o grande sucesso da carreira de Springsteen. Como poucos, ele soube traduzir os sentimentos e contar as histórias de parte da população americana.



Ficha técnica:

Tracklist:

Lado A

1 - "Nebraska" (4:32)
2 - "Atlantic City" (4:00)
3 - "Mansion on the Hill" (4:08)
4 - "Johnny 99" (3:44)
5 - "Highway Patrolman" (5:40)
6 - "State Trooper" (3:17)

Lado B

7 - "Used Cars" (3:11)
8 - "Open All Night" (2:58)
9 - "My Father's House" (5:07)
10 - "Reason to Believe" (4:11)

Gravadora: Columbia
Produção: Bruce Springsteen
Duração: 40min50s

Bruce Springsteen: vocais, guitarra, gaita, bandolim, glockenspiel, pandeiro, órgão e sintetizador



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