Discos para história: This Is Happening, do LCD Soundsystem (2010)

História do disco

Em ano de pandemia, dez meses é uma eternidade, certo? Então, uma década é o quê? Como você estava em 2010? E agora, como está em 2020? Para o LCD Soundsystem a resposta deveria soar simples, principalmente quando lembramos que o grupo liderado por James Murphy era um dos melhores e mais legais daquela época em que tudo o que importava era diversão -- ou quase isso.

Lançado em 17 de maio de 2010, "This Is Happening" foi a despedida do LCD Sounsystem, um marco para um grupo que, em pouco tempo, havia conquistado a mente e corações de pessoas dispostas a ouvir as letras de Murphy com atenção e a dançá-las com a mesma intensidade. O líder do grupo não se achava mais legal fazendo as mesmas coisas que fazia antes. E tudo bem.

"Nova York gosta das estrelas da arte. Quando eu estava na [gravadora] DFA, éramos vistos como esses caras malucos dando essas festas ligadas a algum desfile de moda. Isso era legal para as pessoas. Agora sou apenas um cara em uma banda. Suponho que aconteceu é que passei minha vida inteira querendo ser legal, mas acabei vendo como ser legal funciona. Então, não é que eu não queira mais ser legal; é mais como se eu percebesse aquilo não existe da maneira que eu pensava antes", contou ele ao 'Guardian', em 2010, no anúncio do último show da banda.

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Ou seja, Murphy admitia que havia chegado no auge da própria carreira aos 40 anos elevando o patamar do LCD Soundsystem em um lugar inimaginável com ajuda dos amigos de banda. O pensamento era: com essa idade, as mudanças de mercado, a indústria da música sem solução para a perda de bilhões de dólares e a mudança geracional, não existiria mais espaço para ele, aos olhos de dentro para fora, praticamente um senhor de idade. Então, já que era o último trabalho, era hora de afiar a criatividade ao máximo para entregar o melhor álbum possível na despedida.

"Parece simples para mim. Parece que este deveria ser o último. Por um lado, eu sempre disse a mim mesmo que não seguiria com LCD depois dos 40 anos. Por outro lado, não sei se a EMI lançaria outro álbum nosso . Eles têm sido muito bons para mim e nunca tentaram me forçar a criar um sucesso, e tudo o que as pessoas me disseram sobre assinar com uma grande gravadora se revelou falso. Mas do jeito que a indústria está indo, a EMI pode não até mesmo existir em três anos", contou ainda ao diário inglês.

Ele se mudou para Los Angeles com a banda, passaram a praticamente morar no estúdio LA, Murphy & co para desenvolver as ideias do que viria a ser "This Is Happening". O processo de composição não apenas levou Murphy a revisitar a própria carreira, mas também a jogar com mais referências -- da new wave até baladas românticas oitentistas feitas no sintetizador. Aos 40, ele escrevia canções sobre assuntos da própria idade que ainda não entendia muito bem por ser experiências inéditas, o que acaba por fazer de "This Is Happening" o fim de um ciclo para banda, e para o próprio compositor, que veria de longe nomes como Tame Impala, Arcade Fire, The War on Drugs, The National e outros atingirem patamar semelhante. O que traz a pergunta: quão grande seria o LCD Soundsystem se não tivesse parado? As pessoas podem até responder, mas, saber mesmo, ninguém nunca vai.

A questão principal é muito mais sobre ser o fim de um ciclo do que necessariamente ter uma carreira. A questão era saber como Murphy continuaria a própria vida sem o projeto que deu tudo a ele. Terminar em tudo não era apenas o final de uma banda, mas de uma vida que ele estava disposto a colocar de lado para, de algum jeito, se reencontrar pessoalmente e profissionalmente. Ele estava cansado -- do mundo, da profissão, de tudo. Era preciso, de algum jeito, dar um tempo. E, uma década depois, "This Is Happening" realmente soa como um álbum de despedida não só de uma pessoa, mas de toda uma geração. A década seguinte, como se mostrou, seria mesmo de outras bandas, pensamentos, estilos, pessoas influentes e ideias.

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"Um terceiro fator [para acabar com a banda] é que eu realmente quero fazer um bom trabalho e quero fazer tudo sozinho. Poderia ter outras pessoas fazendo algumas dessas coisas para mim, mas não é realmente o que eu quero. A única razão pela qual continuar é porque é um negócio, e essa não é uma razão boa o suficiente... Parece que algo que não queria que acontecesse aconteceu. Vejo essa banda como pura evidência de que ter um ideal decente é mais importante do que ser talentoso", falou Murphy.

Era o ponto final de um grupo que realmente havia conseguido estourar a bolha e sair para outros lugares. Pouco mais de um ano depois, o LCD Soundsystem fechou a carreira de forma brilhante em duas noites lotadas no lendário Madson Square Garden, em Nova York, berço de nascimento daquele rapaz mais alto do que o outros, mais desajeitado, mais punk e mais musical. Era despedida perfeita para alguém que havia cumprido a própria missão. Foi lindo.

Até que a banda voltou.


Resenha de "This Is Happening"

Se era para sair, teria que ser em grande estilo. Começar o álbum com "Dance Yrself Clean", faixa que Murphy só não dividiu em duas partes por, segundo ele, "seria muito pretensioso". É uma canção que começa lenta, mas, aos três minutos, ganha força e potencia ao melhor estilo do LCD Soundsystem. Depois, para colocar o ouvinte para dançar de vez, surge "Drunk Girls". Não é nada genial, mas é das mais empolgantes -- detalhe: essa é a única com menos de cinco minutos.

"One Touch" funciona como uma espécie de aquecimento e também como uma homenagem ao melhor do krautrock, como Can, Neu!, Kraftwerk e outros. É daquela música dançante um tanto mais dura do que as outras em que a bateria eletrônica e os efeitos dominam completamente o ambiente sem fazer a menor força. Porque, depois dela, o disco esquenta. E sério. A começar pela homenagem / cover de "Heroes", de David Bowie, em "All I Want", música em que Murphy usa as mesmas progressões de acordes, riff de guitarra e melodia. Melhor impossível -- tempos depois, ele trabalharia com Bowie em "Blackstar" (2016).

E aí chega a balada oitentista "I Can Change" com a mistura que fez muito sucesso na época: uma letra melancólica com uma batida dançante. Profunda e direta, é uma das melhores na discografia da banda ("And I can change, I can change, I can change, I can change/ I can change, I can change, I can change/ If it helps you feel real love/ [In love]"), já "You Wanted a Hit" soa como uma crítica a quem sempre pressionava Murphy por sucessos -- o que ele entregou, diga-se.

Como em todo grupo que tem uma pessoa centralizando as ações, sempre tem um reaproveitamento de algum material anterior. É aqui que "Pow Pow" se encaixa, porque ela poderia fazer parte de qualquer um dos trabalhos anteriores sem o menor problema. E "Somebody's Calling Me" soa aquele momento melancólico de despedida, como se ele estivesse atendendo a um chamado. Por fim, "Home" é uma das obras-primas de Murphy, um hit inesquecível, além de uma homenagem ao Talking Heads.

"This Is Happening" mostrava que o LCD Soundsystem tinha uma coleção de músicas para fazer shows épicos em qualquer lugar do mundo. O terceiro, e então derradeiro álbum de estúdio, era uma prova de como James Murphy e seus amigos estavam trilhando um caminho de sucesso, escorados na criatividade e na qualidade. Foi o final perfeito de um conto de fadas sobre juventude, invencibilidade e esperança.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Dance Yrself Clean" (Murphy) (8:56)
2 - "Drunk Girls" (Murphy/ Pat Mahoney/ Gavin Russom) (3:42)
3 - "One Touch" (Murphy/ Nancy Whang/ Russom) (7:45)
4 - "All I Want" (Murphy) (6:41)
5 - "I Can Change" (Murphy / Mahoney) (5:52)
6 - "You Wanted a Hit" (Murphy / Al Doyle) (9:06)
7 - "Pow Pow" (Murphy/ Mahoney/ Tyler Pope/ Whang) (8:23)
8 - "Somebody's Calling Me" (Murphy) (6:53)
9 - "Home" (Murphy) (7:53)

Gravadora: DFA/ Virgin/ Parlophone
Produção: James Murphy
Duração: 65min17s

James Murphy: vocais (faixas 1-5, 7-9), guitarra (faixas 2-4, 6, 7, 9), palmas (faixas 2-4, 6, 7, 9), bateria (faixas 2-4, 6, 9), baixo (tracks 2, 4, 6, 8, 9), piano (tracks 2, 4, 6, 8), EMS VCS3 Putney (faixas 4, 6, 8), Korg Poly Ensemble (faixas 5, 6, 8), EMS PolySynthi (faixas 2, 6), EMS Synthi A (faixas 2, 6), Yamaha CS-60 (faixas 3, 5), Casio MT-68 (faixas 3, 8), percusssão (faixas 3, 9), bateria Simmons (faixas 5, 7), sino (faixas 5, 7), Roland System 100 (tracks 5, 8), Synare (faixas 6, 7), teclado Wurlitzer (faixa 2), pandeireta (faixa 2), Roland TR-606 (track 3), efeitos (faixa 3), glockenspiel (faixa 3), EML 101 (track 3), Casio CT-410V (track 3), órgão Fun Machine (faixa 4), Roland TR-808 (track 5), Roland SH-101 (track 5), blocks (faixa 5), guiro (faixa 5), clapper (faixa 5), Moog Rogue (track 6), Moog CDX (track 6), Omnichord (faixa 7), vocoder (faixa 7), congas (faixa 7), snaps (faixa 8), Wurlitzer SideMan (faixa 8), Sequential Circuits Prophet-600 (faixa 9), Casio MT-400 (faixa 9) e EMS VCS3 Putney (faixa 9); mixagem
Pat Mahoney: vocais (faixa 2); bateria (faixa 7)
Nancy Whang: gritos (track 3); vocais (faixa 7)
Tyler Pope: baixo (faixa 7)
Phillip Mossman: -

Convidados:

Gavin Russom: EMS PolySynthi (faixa 2); vocal (faixa 2), susurros (faixa 3)
Morgan Wiley: piano (faixa 2)
Al Doyle: guitarra (faixa 6); Yamaha CS-60 (faixa 6)
Jayson Green: vocais (faixa 7)
Jason Disu: trombone (faixa 8)
Matt Thornley: snaps (faixa 8)
Matthew Cash: EMS VCS3 Putney (faixa 9)

Produção:

Dave Sardy: mixagem (faixas 2, 5, 6, 8)
Bob Weston: masterização
Matthew Thornley, Gunnar Bjerk e Alec Gomez: engenheiro de som assistente
Andy Brohard, Alec Gomeze e Cameron Barton: assistente de mixagem

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