Resenha: Juçara Marçal & Cadu Tenório – Anganga


Por Giovanni Cabral

Apesar do encontro das duas figuras que compõe essa obra ter acontecido anteriormente, o ponto de partida está em Banquete (2014), em que Cadu Tenório uniu-se ao poeta Márcio Bulk para produzir sons baseados no industrial e no noise, mas que recheados de vozes delicadas da MPB – a cargo de Alice Caymmi, Bruno Cosentino, César Lacerda, Lívia Nestrovski e Michele Leal. O disco abriu novos horizontes na música de Cadu e, ainda por cima, facilitou a audição daqueles que consideravam o seu som inacessível.

Já Juçara Marçal nos trazia no mesmo ano uma voz tão grandiosa e espiritual quanto a presente aqui. Encarnado, álbum único e repleto de guitarras experimentais, foi aclamado com justiça por críticos e fãs da nova música torta brasileira. Juçara explicou ao Noisey (braço musical da revista VICE) como foi o seu processo de aproximação com o noise: “Rolou essa parceria com o Cadu num momento em que a gente no Metá Metá também estava mergulhando cada vez mais num lance de noise, que é completamente diferente, mas já tem um caminho que se aproxima disso. Antes a canção tava mais em evidência e aos poucos a gente tá aprofundando nessa viagem de desconstrução.”

Inicialmente, a ideia era fazer um tributo ruidoso a Dorival Caymmi, mas uma homenagem às tradições afro-brasileiras acabou encaixando ainda melhor nessa junção de harmonias tão distintas. O próprio título do álbum é uma reverência ao passado, já que Anganga é o nome da entidade suprema do povo banto. As faixas “Canto II”, “Canto III”, “Canto VI” e “Canto VII” foram registradas por Aries Da Mata Machado Filho na década de 20, no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais, baseadas nos cânticos dos mineradores da Chapada Diamantina. Estas ainda ganharam voz por Clementina de Jesus, Geraldo Filme e Tia Doca da Portela nos anos 1980 e foram reinterpretadas por Juçara.

O cuidado com as obras de Aires é impressionante. Mais fascinante ainda é essa incorporação mística que Juçara parece fazer em cada canção, uma entrega fantástica em que se expele a alma e cada berro é uma forma de exalar um pouco da força secular presente nas letras. Um exemplo é "Canto II", tão doce e tão vibrante ao apresentar uma história quilombola – Cadu cria uma instrumentação que cresce conforme a trama se desenrola. Aliás, Cadu Tenório traz novamente um universo gigantesco de possibilidades sonoras, alçando resultados que acrescentam e muito a aura transcendental do álbum, utilizando instrumentos que vão de violinos a sintetizadores.

Anganga, a tão aguardada união entre Juçara Marçal e Cadu Tenório, é muito mais que o encontro do maior nome da cena noise carioca com a voz resplandecente da vanguarda paulista, é uma obra capaz de criar um admirável e único mundo dentro de si próprio. Vale lembrar que o álbum está disponível para download no site da Sinewave e no bandcamp da Quintavant, e sairá ainda em formato físico também pela QTV.

Tracklist:

1 – “Eká”
2 – “Canto II”
3 – “Grande Anganga Muquixe”
4 – “Canto III”
5 – “Canto VI”
6 – “Canto VII”
7 – “Taio”
8 – “Candombe”

Nota: 4,5/5



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