Discos para história: Õ Blésq Blom, dos Titãs (1989)


A 93ª edição do Discos para história falará de Õ Blésq Blom, sucessor de Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas, que consolidou os Titãs no cenário nacional e serviu como encerramento da primeira de muitas fases do grupo.

História do disco

De Cabeça Dinossauro até Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas, os Titãs viveram uma fase de consolidação da carreira. Fazendo discos que misturavam várias influências da música mundial, do punk a new wave, eles conseguiram conquistar o público com cada um dos oito membros fazendo um papel diferente – seja no palco, seja dando entrevistas. Foi nesse momento de sucesso e auge que eles viram a necessidade de fazer uma mudança no som.

A questão era: como fazer isso? Eles responderam a pergunta da melhor maneira possível ao aliar duas coisas: a música feita no Brasil com elementos eletrônicos, batidas, experimentações e tudo mais que eles não haviam feito nos trabalhos anteriores. O quinto disco de estúdio traria muitas novidades, mas a principal delas, musicalmente falando, foi o uso da dupla Mauro e Quitéria, um casal descoberto em Recife, durante uma passagem do grupo pela cidade.


Para quem ouviu os dois primeiros discos, um estranhamento do som era natural, porque eram os Titãs, mas não soava como Titãs? As pessoas eram as mesmas dos discos anteriores, o produtor era o mesmo, porém havia algo diferente no álbum. De longe, entre os cinco primeiros discos deles, era o disco mais brasileiro, de mais inspiração nacional do que os outros. Eles pegaram tudo que ouviram e gostavam e bateram com os ritmos nacionais.

Não é de graça que é um grande disco. Ele mostra uma renovação interessante no som sem perder a essência. Õ Blésq Blom serviu para aumentar ainda mais o patamar da banda, uma das sensações do Brasil nos anos anteriores – diferente de alguns de seus contemporâneos, eles iam dublar nos programas populares sem problemas, e isso certamente os ajudou a ultrapassarem certa barreira entre o público comum e o rock –, ganhando certa áurea pop que os ajudaria, e complicaria, em suas carreiras. Colocado no mercado em 16 de setembro de 1989, Õ Blésq Blom foi sucesso de público e crítica, inclusive levando o prêmio de melhor disco do ano pela Revista Bizz.



Resenha de Õ Blésq Blom

Ao abrir com o casal Mauro e Quitéria cantando, os Titãs mostraram ousadia em dar ao público algo que eles não pensariam em encontrar no álbum. Curta, serve de introdução para “Miséria”, recheada de teclados e elementos da new wave – coisas detestadas pelos guitarristas Marcelo Fromer e Tony Bellotto – em uma letra que fala sobre as diferenças entre ricos e pobres no Brasil dos anos 1980 (e não que muita coisa tenha mudado, diga-se).

Nando Reis aparece pela primeira vez no vocal neste disco em "Racio Símio", um flerte com a psicodelia em uma letra desconexa, mas de bom andamento. É a tal mudança sonora feita pela banda. Funcionou? Evidentemente que sim, porque lembra muito o trabalho feito nos Mutantes mais de 20 anos antes do lançamento deste álbum. Espantosa mesmo é o reggae "O Camelo e o Dromedário", uma reflexão sobre as diferenças entre o camelo e o dromedário – deveria ser música de algum programa do Animal Planet.



O lado lírico do grupo, aflorado neste disco e de grande sucesso na década seguinte, apareceria com Sérgio Britto na bonita "Palavras" (Palavras não são frias/Palavras não são boas/Os números pra os dias/E os nomes pra as pessoas, diz um pedaço), um pop rock direto e reto, bem Titãs. E em seu penúltimo álbum como membro do grupo, Arnaldo Antunes traz a veia punk e cheia de guitarras altas na curta "Medo", emendada com a curtíssima "Natureza Morta".

Desse disco, "Flores" superou qualquer prognostico e virou uma das músicas mais executadas dos Titãs em sua história. A letra poética, a pegada pop, o saxofone de Paulo Miklos, o vocal de Branco Mello... Tudo nessa música é muito bonito, sendo quase impossível não tocar os corações das pessoas. Outra que também virou sucesso foi "O Pulso", momento em que Arnaldo fala uma série de doenças em uma faixa bem melancólica e etérea – detalhe: ele conseguiu colocar raiva, estupidez, ciúmes, hipocrisia e culpa sem que muitas percebam que estão falando essas palavras enquanto cantam.



"32 Dentes" me parece uma letra sobre a vida adulta, em que mentiras sinceras interessam. Acústica em boa parte, ela ganha velocidade na segunda parte e um contra vocal, característica inicial dos Titãs nos primeiros anos de carreira. Caminhando para o final, "Faculdade" destoa muito das três últimas, soando bobinha perto delas (só piora por ser toda eletrônica, ficando sem identidade e sem graça) e "Deus e o Diabo" é um funk eletrônico apenas razoável – “Vinheta Final por Mauro e Quitéria" para arrematar.

Encerrava-se assim a primeira fase dos Titãs, em um disco que está entre os melhores feitos no Brasil nos últimos 60 anos. Dali em diante, haveria muita lenha para queimar e algumas perdas, mas a banda ainda segue firme e forte.



Ficha técnica:

Tracklist:

1 - "Introdução por Mauro e Quitéria" (Mauro e Quitéria)
2 - "Miséria" (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Sérgio Britto)
3 - "Racio Símio" (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Nando Reis)
4 - "O Camelo e o Dromedário" (Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos e Tony Bellotto)
5 - "Palavras" (Marcelo Fromer e Sérgio Britto)
6 - "Medo" (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Bellotto)
7 - "Natureza Morta" (Arnaldo Antunes, Liminha, Branco Mello, Marcelo Fromer, Paulo Miklos e Sérgio Britto)
8 - "Flores" (Charles Gavin, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Bellotto)
9 - "O Pulso" (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Bellotto)
10 - "32 Dentes" (Branco Mello, Marcelo Fromer e Sérgio Britto)
11 - "Faculdade" (Arnaldo Antunes, Branco Mello, Marcelo Fromer, Nando Reis e Paulo Miklos)
12 - "Deus e o Diabo" (Nando Reis, Paulo Miklos e Sérgio Britto)
13 - "Vinheta Final por Mauro e Quitéria" (Mauro e Quitéria)

Gravadora: WEA
Produção: Liminha e Titãs
Duração: 34min50s

Arnaldo Antunes: vocal
Branco Mello: vocal
Charles Gavin: bateria e percussão
Marcelo Fromer: guitarra e violão
Nando Reis: baixo e vocal
Paulo Miklos: saxofone (em "Flores") e vocal
Sérgio Britto: teclado e vocal
Tony Bellotto: guitarra e violão

Convidados:

Liminha: bateria eletrônica ("Miséria", "Deus e o Diabo" e "Faculdade"), guitarra ("O Pulso" e "Deus e o Diabo"), percussão eletrônica ("O Camelo e o Dromedário") e programação de teclados ("O Pulso", "Miséria" e "Deus e o Diabo").

Mauro e Quitéria: introdução e vinheta final, com gravação na Praia de Boa Viagem, Recife, Pernambuco


Veja também:
Discos para história: Parklife, do Blur (1994)
Discos para história: The Marshall Mathers LP, de Eminem (2000)
Discos para história: A Night at the Opera, do Queen (1975)
Discos para história: Wish You Were Here, do Pink Floyd (1975)
Discos para história: Loveless, do My Bloody Valentine (1991)
Discos para história: Indianola Mississippi Seeds, de B.B King (1970)
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