Crítica: Nick Cave and the Bad Seeds - Wild God

Nick Cave perdeu dois filhos em um curto período e, como é possível imaginar, ficou completamente desnorteado. Esse homem perdido foi exposto por ele mesmo em praticamente carne viva nos álbuns “Skeleton Tree” (2016) e “Ghosteen” (2019), quando morte, fraqueza humana e muitas perguntas sem respostas fizeram parte da vida dele e da mulher, Susie. Agora o mundo é outro, e ele também. Esse sentimento é refletido nas dez canções de “Wild God”, 18º álbum de estúdio de Nick Cave and the Bad Seeds.

A banda, reforçada por Colin Greenwood, baixista do Radiohead, ganha mais força e potência nos instrumentos e abusa mais do lado experimental em diversos momentos, enquanto também usa corais e cria um clima gospel em outras faixas, como a abertura “Song of the Lake” (“And he sang the song of the lake/ And all the king's horses—/ Oh Lord, never mind, never mind”).

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Nos quase 45 minutos de disco, Cave demonstra estar mais em paz consigo mesmo após um período de turbulência. Nesse ponto, em especial, muitas reportagens e textos sobre o álbum falaram em felicidade. Não sei se chega a tanto, pelo menos não um homem feliz como em uma imagem que vem a cabeça quando pensamos nesse sentimento, mas alguém calejado pela vida que encontrou uma maneira de não ser consumido pelos próprios sentimentos negativos. A explosão musical em “Wild God”, então comum nos trabalhos do Bad Seeds, mas em falta na última década apresenta esse novo homem.

“Frogs” traz um cantor mais solto e uma banda menos dependente da guitarra, com um resultado espantoso de bom. Talvez a felicidade realmente tenha encontrado Cave de um jeito muito particular em uma faixa muito poderosa (“In the Sunday rain/ Hop inside my coat/ In the Sunday rain/ The frogs are jumping in the gutters/ Uh, leaping to God, amazed of love/ And amazed of pain/ Amazed to be back in the water again/ In the Sunday rain (x2)/ Gets you right down to your soul”) — talvez não felicidade, mas o sol nasceu depois de um momento de escuridão.

“Joy” surge em um misto de reflexão, pedido, oração e, porque não, súplica por misericórdia e felicidade, complementado pelo coro gospel e um arranjo de metais profundamente melancólico. O piano e o sintetizador se unem “Final Rescue Attempt”, uma profunda declaração de amor para quem foi levado pelo vento e nunca mais voltou (“And I will always love you/ With the wind, with the wind, with the wind, oh, the wind in your hair”).

Quase um bardo contando uma história, Cave traz “Conversion” devagar até a explosão, uma mistura de gospel, desabafo, entre outras coisas. O curioso é o coral tomar conta da música a partir desse momento, com o vocalista assumindo uma espécie de papel secundário enquanto derrama versos gritados do fundo da alma. É um dos grandes momentos de experimento do novo álbum, que retoma a melancolia dos trabalhos anteriores na delicada “Cinnamon Horses”.

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Os momentos difíceis chegam ao fim em “Long Dark Night”, uma espécie de country gospel no violão, quase um Willie Nelson gótico. Morta em 2021, Anita Lane é homenageada na declaração de amor “O Wow O Wow (How Wonderful She Is)”, outro experimento um tanto ousado, se comparado com os últimos anos do Bad Seeds — o final de música tem uma gravação telefônica com a voz de Lane (“We tried to write a contract of love/ But we only got as far as doing the border/ There was never any words in it/ Which I thought said a lot more than anything else”). O álbum encerra com “As the Waters Cover the Sea”, mais um momento com ar gospel do disco.

O fim da trilogia anterior mais o período de reflexão sobre a vida deram a Nick Cave a chance de fazer algo diferente com o Bad Seeds. A opção de fazer algo menos focado na guitarra e explorando outros elementos dá a “Wild God” uma sensação de reinício para todos eles e para os ouvintes em um momento diferente da vida desse homem, um tanto mais conformado com o destino reservado a ele.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Song of the Lake”
2 - “Wild God”
3 - “Frogs”
4 - “Joy”
5 - “Final Rescue Attempt”
6 - “Conversion”
7 - “Cinnamon Horses”
8 - “Long Dark Night”
9 - “O Wow O Wow (How Wonderful She Is)”
10 - “As the Waters Cover the Sea”

Gravadora: PIAS
Produção: Nick Cave & Warren Ellis
Duração: 44min21

Avaliação: ótimo

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