Crítica: Beth Gibbons - Lives Outgrown

Quem ouviu a voz de Beth Gibbons no Portishead não esqueceu mais. Ao longo das encarnações da banda, entre idas e vinda, a expectativa em ouvi-la era sempre pontuada com “pode ser a última vez”. E, diferentemente dos outros colegas, ela não mergulhou na carreira solo ou em quaisquer outros projetos musicais em outras áreas e preferiu focar em participações especiais aqui e ali, mas nada muito concreto. Por isso, não deixou de ser uma grata surpresa o anúncio de “Lives Outgrown, primeiro álbum de uma carreira solo iniciada oficialmente aos 59 anos.

Quando se é fã de alguém, principalmente na juventude, é muito difícil não colocar esse artista em algum pedestal, como se ele ou ela fosse algum ser inatingível. Só com o passar do tempo — muitas vezes nem isso — é que nos damos conta de como ele ou ela e gente como a gente. É o caso de Gibbons. em “Tell Me Who You Are Today”, uma faixa triste, de arranjo melancólico e cheia de arrependimentos. É o início de um álbum, com canções trabalhadas ao longo de mais de uma década, com diversas temáticas. Todas de tom muito pessoal.

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A fragilidade de cortar o coração chega em “Floating on a Moment”, graças ao arranjo parecido com a música tradicional irlandesa (“I'm floating on a moment/ Don't know how long/ No one knows No one can stay/ All going to nowhere/ All going Make no mistake”), com o tom mantido em “Burden of Life”, canção de uma tristeza imensa ao longo de pouco mais de três minutos e meio — aqui, o arranjo de cordas é um show a parte.

A velhice e chegada definitiva da mudança do tempo é mostrada na lenta “Lost Changes”, quando é impossível não querer prestar atenção em cada detalhe dito pela cantora em uma dessas lições de vida. Nas seguintes, “Rewind” traz a influência do experimental, da música árabe tradicional, a aposta em uma percussão muito forte e um vocal distorcido e “Reaching Out” apela para uma espécie de libertação de qualquer amarra em um quase improviso musical (“Don't need no other like I need you always/ (I need you always)/ I need your love to silence all my shame/ I need you always”).

A melancólica “Oceans” é dessas com potencial para fazer qualquer um chorar muito em mais uma para prestar atenção em todos os detalhes. E como em uma velha canção celta, “For Sale” usa de metáforas, personagens anônimos e um vocal mais falado do que cantado para contar mais uma história de sofrimento (“Don't pretend that you want/ What you don't want to give/ What you keep when you sow/ When you know you don't want it/ 'Cause the dream's only for sale from afar”).

O peso da canção sem refrão “Beyond the Sun” é um dos trunfos no final do álbum, finalizado com linda “Whispering Love”, o grande momento do álbum, o fechamento ideal para essa estreia tão aguardada (“Far from our conscious mind/ Lie those fallow fields/ Where open hearts will wander/ Sweet whispering love, come to me/ When you can”).

Uma das estreias mais aguardadas dos últimos 30 anos, o primeiro disco de Beth Gibbons traz uma mulher falando de envelhecimento, maternidade e problemas pessoais, tudo abordado de uma maneira muito única e original por parte dela e da produção. É um álbum gostoso de ouvir e muito triste na mesma medida, uma prova do enorme talento dela. Demorou, mas ela finalmente começa uma caminhada que todos torcemos para não parar por aqui.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Tell Me Who You Are Today”
2 - “Floating on a Moment”
3 - “Burden of Life”
4 - “Lost Changes”
5 - “Rewind”
6 - “Reaching Out”
7 - “Oceans”
8 - “For Sale”
9 - “Beyond the Sun”
10 - “Whispering Love”

Gravadora: Domino
Produção: Beth Gibbons, James Ford & Lee Harris
Duração: 45min51

Avaliação: ótimo

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