Discos para história: In the Wee Small Hours, de Frank Sinatra (1955)


A edição 134 da seção traz um dos melhores discos gravados por Frank Sinatra, justamente quando ele estava em recuperação após um declínio na carreira

História do disco 

O fim dos anos 1940 e o início da década seguinte deram a Frank Sinatra uma imensa dor de cabeça em sua carreira musical. Em conflito artístico com o diretor musical da Columbia Mitch Miller, ele recusava-se a mudar sua abordagem, para algo mais enigmático, de forma definitiva. Mesmo assim, insatisfeito, ainda conseguiu mais algumas boas colocações nas paradas.

Nesse período, muita coisa aconteceu com o cantor. A morte do amigo e compositor George Evans deixou uma lacuna grande em sua vida pessoal e profissional, a separação de Nancy Sinatra e a descoberta do caso que ele mantinha com Ava Gardner foram fundamentais para o início do declínio da carreira. A tensão e estresse eram tão grandes, principalmente pelos problemas financeiros, que ele precisou cancelar uma apresentação por uma hemorragia na garganta. Dependendo de empréstimos das gravadora e de amigos, ele acabou fechando apresentações em Las Vegas, sendo o pioneiro nesse movimento.

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Cantando para poucas pessoas, era visível que as novas gerações não gostavam daquele velho ultrapassado que fez sucesso há quase uma década. Sua última gravação na Columbia aconteceu em 17 de setembro de 1952, em um dia muito triste no estúdio. Todos pensavam que Sinatra estava dizendo adeus a sua carreira brilhante. E esse ano foi estranho, de modo geral. Pela primeira vez em dez anos, seja no cinema, na música ou em algum programa de rádio, Sinatra finalizou aquele ano sem um contrato, uma garantia de algum tipo de renda fixa para o ano seguinte. Mas 1953 e 1954 foram anos históricos para ele e são tratados como os anos de seu ressurgimento até seu segundo auge, em 1955.

Primeiro, o lançamento do filme A Um Passo da Eternidade (1953) deu sobrevida a ele; segundo, a assinatura de um contrato simples de sete anos de duração com a Capitol, gravadora que apostava muito em nomes de sucesso da década anterior e no talento do maestro e arranjador Nelson Riddle para extrair o melhor de cada cantor ao explorar suas melhores características. Nesse mesmo ano, ele conseguiu seu primeiro top-10 em um ano e meio com  "I'm Walking Behind You". Há a história de que, ao final dessa gravação, ele gritou no estúdio "estou de volta, baby, eu voltei".

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A parceria entre Riddle e Sinatra levou a Capitol ao topo das paradas com singles e discos. O auge disso veio em 1955. Ao explorar problemas de relacionamento, solidão, introspecção, amor perdido, depressão e vida noturna, a dupla pegou algumas das grandes canções do tipo e as regravou ao melhor estilo Sinatra. A ideia era fazer um disco conceitual, algo que o cantor sempre quis fazer. E conseguiu. Lançado em abril de 1955, In the Wee Small Hours é um dos melhores discos gravados por Sinatra e um marco em sua carreira, já que um segundo auge é para poucos.


Resenha de In the Wee Small Hours 

Composta pela dupla David Mann e Bob Hilliard em 1955, é o típico jazz standard que Frank Sinatra cantava. O belo arranjo de Nelson Riddle complemente a letra que fala sobre solidão na hora do dia mais silenciosa para pensar sobre qualquer coisa: a madrugada. A ótima canção "Mood Indigo", brilhantemente interpretada por Duke Ellington nos anos 1930, ganhou uma versão calma por parte de Sinatra, mas ainda consegue sintetizar a tristeza como algo perverso. A tradicional "Glad to Be Unhappy" é outra dolorida de ouvir, porque, curta e simples, é um tiro certeiro nos corações magoados.



"I Get Along Without You Very Well" trata de lembrar da continuidade da vida após um rompimento, mas também lembra daqueles momentos que só o casal viveu. Então dói relembrar de tudo, sendo o melhor não pensar no assunto. Mais uma vez, o arranjo colabora para dar o clima certeiro no ouvinte. Uma pedrada, e "Deep in a Dream" parece ser a continuação. Se lembrar é inevitável, pensar de como teria sido é ainda mais inevitável. Mas tudo não passa de um sonho distante.

Primeira canção que Riddle fez os arranjos em sua carreira, "I See Your Face Before Me" trata do amor impossível que assombra os sonhos durante a noite, e "Can't We Be Friends?" é o doloroso momento em que a amada pergunta "podemos ser apenas amigos?". Sim, uma facada dessa não poderia ficar de fora, complementada pelo momento em que tudo perde o significado em "When Your Lover Has Gone".



Outro gênio de seu tempo, Cole Porter também teve uma canção inclusa entre as 16 deste álbum, justamente uma de suas mais tristes: "What Is This Thing Called Love?", que ganhou uma interpretação arrepiante por parte de Sinatra. Se o amor rejuvenesce as pessoas em "Last Night When We Were Young", com o cantor atingindo uma nota muito alta, "I'll Be Around" mantém a esperança de uma reconciliação mesmo após o término, enquanto "Ill Wind" usa a metáfora do mau tempo para falar sobre sorte e azar no amor.

"It Never Entered My Mind" trata do futuro planejado, mas nunca acontecido; "Dancing on the Ceiling" beira o delírio, causado pela paixão não correspondida; "I'll Never Be the Same", uma das canções de jazz mais regravadas na história e a melhor deste álbum, não poderia faltar nesse disco temático ao ser categórica em falar que tudo muda quando o amor acaba; "This Love of Mine" é uma regravação do próprio Sinatra, mas cabe aqui tranquilamente. Essas faixas têm algo em comum: o amor é o mote principal, o arranjo é lindo e o cantor parecia disposto a querer reviver sua carreira. Conseguiu, de forma brilhante, fazer isso e mostrar ao mundo que uma boa voz não morre nunca.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "In the Wee Small Hours of the Morning" (Bob Hilliard and David Mann) (3:00)
2 - "Mood Indigo" (Barney Bigard, Duke Ellington and Irving Mills) (3:30)
3 - "Glad to Be Unhappy" (Richard Rodgers and Lorenz Hart) (2:35)
4 - "I Get Along Without You Very Well" (Hoagy Carmichael) (3:42)
5 - "Deep in a Dream" (Eddie DeLange and Jimmy Van Heusen) (2:49)
6 - "I See Your Face Before Me" (Howard Dietz and Arthur Schwartz) (3:24)
7 - "Can't We Be Friends?" (Paul James and Kay Swift) (2:48)
8 - "When Your Lover Has Gone" (Einar Aaron Swan) (3:10)

Lado B

9 - "What Is This Thing Called Love?" (Cole Porter) (2:35)
10 - "Last Night When We Were Young" (Harold Arlen and Yip Harburg) (3:17)
11 - "I'll Be Around" (Alec Wilder) (2:59)
12 - "Ill Wind" (Harold Arlen and Ted Koehler) (3:46)
13 - "It Never Entered My Mind" (Richard Rodgers and Lorenz Hart) (2:42)
14 - "Dancing on the Ceiling" (Richard Rodgers and Lorenz Hart) (2:57)
15 - "I'll Never Be the Same" (Gus Kahn, Matty Malneck and Frank Signorelli) (3:05)
16 - "This Love of Mine" (Sol Parker, Henry W. Sanicola, Jr. and Frank Sinatra) (3:33)

Gravadora: Capitol
Produção: Voyle Gilmore
Duração: 48min41s

Frank Sinatra: vocal
Nelson Riddle: arranjos e maestro
Victor Bay, Alexander Beller, Harry Bluestone, Nathan Ross, Mischa Russell, Paul Shure, Felix Slatkin, Marshall Sosson: violino
James Arkatov, Cy Bernard, Armand Kaproff, Ray Kramer, Edgar Lustgarten, Kurt Reher, Joseph Saxon, Eleanor Slatkin: violoncelo
Arthur Gleghorn, Luella Howard, Jules Kinsler, George Poole: flauta
John Cave, Vincent DeRosa, Joseph Eger, Richard Perissi: trompa
Bill Miller: piano
George Van Eps: violão
Phil Stephens: baixo
Lou Singer: bateria
Kathryn Julye: harpa
Peanuts Hucko: clarinete



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Esse post foi um oferecimento de Felipe Portes, o primeiro patrão do blog. Contribua, participe do nosso Patreon.