Discos para história: Elvis Presley, de Elvis Presley (1956)


O dia chegou. Não, não é sobre a chuva em São Paulo, mas sobre a 100ª edição do Discos para história. Entre mudanças editoriais e no formato do blog, a seção sobreviveu, entre idas e vindas minhas, por eu acreditar muito que um dos papeis fundamentais ao fazer um trabalho que envolva música é entender um pouco sua história e conhecer os álbuns que fizeram a diferença. É um clichê imenso (bate no peito do amigo e diz: esse clichê é grande), mas o Music on the Run só sobrevive por vocês, em primeiro lugar, e por eu acreditar fielmente que posso fazer a diferença, ainda que o blog seja um ponto ínfimo na imensidão que é a internet. Então, antes de começar de verdade, gostaria de agradecer a todos que entram aqui, compartilham os posts e ajudam no crescimento do trabalho, sempre em evolução e aprendizado. Muito obrigado, de verdade.

A nova edição do Discos para história encerra um ciclo. E não poderia deixar de ser com o pai de muita gente que veio depois dele. Falo da estreia de Elvis Presley, lançada em 1956, pela RCA Victor.

História do disco

A história de Elvis na música começa em casa, quando ele e sua mãe brincavam de cantar um para o outro. Em agosto de 1953, para presentea-la, o ainda não cantor profissional passou pela Sun Records para gravar em vinil "My Happiness" e "That's When Your Heartaches Begin". Não era a primeira vez que ele ia até a gravadora para tentar fazer alguma coisa em estúdio, mas era a primeira que ele ia com dinheiro. De acordo com historiadores e estudiosos do rock, ele escolheu a Sun não por acaso: ele queria ser descoberto e tinha esperanças que isso aconteceria se gravasse alguma coisa por lá.

Muitas lendas sobre essa gravação são ditas, como que Elvis disse que ‘cantava qualquer coisa’ e ‘eu soou como nenhum outro’, uma confiança que só seria vista nos palcos dali algum tempo. No encerramento da sessão, Sam Phillips, dono da gravadora, anotou o nome do rapaz e fez um adendo quando escreveu ‘bom cantor de baladas’. Cinco meses depois, no início de 1954, o futuro Rei do Rock gravou outro vinil, desta vez "I'll Never Stand In Your Way" e "It Wouldn't Be the Same Without You" foram as canções escolhidas. Os dias correram e o chamaram para uma audição, mas ele não passou por não conseguir ouvir a harmonia e entrar no ritmo.

Em abril do mesmo ano, Presley começou a trabalhar como motorista de caminhão, recomendado por um cantor que, ao ouvi-lo, afirmou que ele jamais conseguiria entrar no mundo da música. Enquanto isso, Phillips confidenciava a amigos que desejava encontrar um ‘branco que cantasse como negro’. Foi aí que ele se lembrou daquela anotação e o chamou para uma audição, que Elvis não conseguiu ir bem. Um tanto irritado, Sam pediu a ele que cantasse as músicas que conhecia. Nesse momento, duas coisas importantes aconteceram: primeiro, a banda de estúdio começou a acompanhá-lo; segundo, Sam Phillips faria história ao, com um gravador portátil, conseguir registrar esse momento histórico do rock quase 60 anos depois.


Phillips levou a gravação de "That's All Right" para o mais popular DJ de Memphis Dewey Phillips. Ele tocou a música em seu programa de rádio, mediante um pequeno acerto financeiro, e foi um estouro, porque a maioria dos ouvintes pensou que estava ouvindo um cantor negro. Um single com "That's All Right" no lado A e "Blue Moon of Kentucky" no B foi gravado e impresso rapidamente para atender a demanda. Entre 1954 e 1995, Elvis começou a cantar ao vivo, vendeu milhares de cópias, assinou contrato com Coronel Tom Parker para ser seu empresário, gerou polêmica na TV por rebolar em excesso e chocar a família americana tradicional daquela época, e, por fim, teve seu contrato com a Sam vendido para divisão country da RCA Victor por US$ 40 mil, à época uma fortuna – ao fazer isso, Phillips conseguiu dinheiro para financiar as carreiras e discos de Jerry Lee Lewis e Johnny Cash, por exemplo. Antes do final do ano de 1955, a nova gravadora já havia reeditado boa parte do material gravado meses antes e relançou tudo no mercado.

Logo no início do novo ano, cantor e gravadora trabalharam duro em novas canções em Nashville, hoje famoso local e Meca do rock para os mais fanáticos. O mês também foi importante para todos, pois Elvis apareceu em rede nacional pela primeira vez. Durante sua turnê pela costa leste, ele gravou "I Got a Woman", de Ray Charles, "Tutti Frutti", de Little Richards, e "Blue Suede Shoes", de Carl Perkins. Enquanto isso, ele chegava ao primeiro lugar da parada country com "I Forgot to Remember to Forget".

Como já havia cinco canções gravadas previamente, a RCA preencheu o primeiro disco com mais sete músicas. E, pelo menos, duas canções mudariam a história do rock definitivamente ("Blue Suede Shoes" e "Blue Moon"), além de mostrar ao mundo o potencial vocal de um dos então futuros grandes nomes da história da cultura pop. A capa de Elvis Presley, simples, conseguiu sintetizar exatamente a forma do cantor no palco. Colocado no mercado em 23 de março de 1956, chegou ao primeiro lugar das paradas sem esforço e faria história dali em diante.



Resenha de Elvis Presley

O já famoso Carl Perkins exigiu uma coisa para liberar a regravação de "Blue Suede Shoes" por parte de Elvis: que ela abrisse o disco. E, sem querer, acabou ajudando muito na história desse álbum e do rock. O Rei do Rock ficaria muito famoso por sua versão da faixa, cheia de solos da lenda Scotty Moore, dançante e um cantor inspirado e disposto a colocar todo seu talento para fora no rockabilly mais famoso da música e que influenciaria centenas de rapazes pelo mundo a montarem suas próprias bandas.

Uma das coisas marcantes na voz de Presley eram os maneirismos. E eles foram muito bem usados ao transformar a country "I'm Counting On You" em uma balada cheia de profundidade e melancolia, enquanto a agitada "I Got a Woman", sucesso de Ray Charles, ganhou um tempo acelerado em que o baixo dá o tom no início. No fim, um piano aparece e encerra.



Mais uma dançante, "One-Sided Love Affair" é aquela em que dá para imaginar Elvis dançando enquanto a banda vai mandando ver, numa jam session gravada – aqui, encerrava-se a primeira leva de canções gravada já na RCA. Um country à Willie Nelson, "I Love You Because" é aquela canção romântica para abalar qualquer coração mole e, fechando o lado A, "Just Because" coloca o romantismo de lado para esnobar a mulher conquistada na anterior.

Eternizada na voz de Little Richards, "Tutti Frutti" ganhou uma versão de tempo mais rápida na abertura do lado B. Como combinava bem blues e gospel, caiu como uma luva no vocal de Elvis em seu pouco menos de dois minutos de duração. E única com duas gravações diferentes em estúdio, "Tryin' to Get to You" deu bastante trabalho porque, à época da primeira, Elvis tocou piano de forma tão dispersa, que Sam Phillips apagou essa parte e deixou apenas a com baixo, bateria e guitarra, regravada pouco depois.



"I'm Gonna Sit Right Down and Cry (Over You)" é aquela canção triste sobre o amor perdido e, tão distante, que o interlocutor contará a mãe da moça e ao Papa o que ocorreu, e "I'll Never Let You Go (Little Darlin') deve ter sido feita por alguém que estava passando por uma situação muito ruim –e a voz de Presley deixou a tristeza ainda mais aflorada nessa balada country de alto nível.

Um dos maiores clássicos de todos os tempos no rock, "Blue Moon" é um standard lançado em 1934 e regravado por centenas de músicos, mas foi a versão deste álbum que chamou a atenção de todos. Ao surpreender o mundo quando contou que era branco e tinha essa voz toda, Elvis mostrou todo seu potencial como vocalista. E o arranjo? É discreto e belíssimo. O disco acaba na ótima interpretação de mais uma dançante, esta "Money Honey".

Não dá para falar muito sobre um dos discos que mudaram o curso da história da música e da cultura pop, influenciando muitos nomes que também ficaram famosos, certo? O melhor a fazer nesse caso é ouvir e curti-lo, porque isso aqui é a história em forma de música.



Ficha técnica:

Tracklist:

Lado A

1 - "Blue Suede Shoes" (Carl Perkins)
2 - "I'm Counting On You" (Don Robertson)
3 - "I Got a Woman" (Ray Charles, Renald Richard)
4 - "One-Sided Love Affair" (Bill Campbell)
5 - "I Love You Because" (Leon Payne)
6 - "Just Because" (Bob Shelton, Joe Shelton, Sydney Robin)

Lado B

1 - "Tutti Frutti" (Dorothy LaBostrie, Richard Wayne Penniman)
2 - "Tryin' to Get to You" (Rose Marie McCoy, Charles Singleton
3 - "I'm Gonna Sit Right Down and Cry (Over You)" (Howard Biggs and Joe Thomas)
4 - "I'll Never Let You Go (Little Darlin')" (Jimmy Wakely)
5 - "Blue Moon" (Richard Rodgers and Lorenz Hart)
6 - "Money Honey" (Jesse Stone)

Gravadora: RCA Victor
Produção: Sam Phillips (Sun Records) e Steve Sholes (RCA Victor)
Duração: 28min03s

Elvis Presley: vocais, violão e piano
Scotty Moore: guitarra
Chet Atkins: violão em 10 e 11 de janeiro de 1956 (exceto em "I Got a Woman" )
Floyd Cramer: piano em 10 e 11 de janeiro de 1956
Shorty Long: piano em 30 e 31 de janeiro de 1956
Bill Black: baixo
D. J. Fontana: bateria
Johnny Bernero: bateria em "Trying to Get to You"
Gordon Stoker: vocais de apoio
Ben Speer: vocais de apoio
Brock Speer: vocais de apoio



Veja também:
Discos para história: Transformer, de Lou Reed (1972)
Discos para história: Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols, do Sex Pistols (1977)
Discos para história: Born to Run, de Bruce Springsteen (1975)
Discos para história: Turn on the Bright Lights, do Interpol (2002)
Discos para história: Dirty, do Sonic Youth (1992)
Discos para história: Imagine, de John Lennon (1971)
Discos para história: Õ Blésq Blom, dos Titãs (1989)

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