Resenha: Bob Dylan - Shadows in the Night


De todos os grandes compositores dos anos 1960, Bob Dylan foi um dos poucos que conseguiu se reinventar no auge de seu sucesso. Apesar das muitas críticas, o cantor nunca foi muito de seguir modismo ou gravar alguma coisa que seria um sucesso. Ele sempre fez o que quis, quando quis e, quando viu que era hora de mudar, mudava assim que necessário.

Para quem se prende aos discos lançados por ele há 50 anos, uma notícia que pode mudar sua vida: de 1997 para cá, ele não fez nenhum álbum ruim. Isso mesmo. Como acontece com pouquíssimos músicos, Dylan está tendo uma espécie de segundo auge criativo. E esse auge resultou no ótimo Tempest, de 2012, último trabalho de inéditas. Neste ano, ele resolveu lançar Shadows in the Night, sem nenhuma música de sua autoria e com apenas composições cantadas por Frank Sinatra, seguindo a linha de letras e melodias mais densas e pesadas do último disco.

Antes mesmo de o álbum ser lançado, coloquei em xeque a capacidade de Dylan em cantar Frank Sinatra, porque ele não tem voz para isso. Mas a avaliação antes e ouvir o trabalho na íntegra foi um erro. Em "I'm a Fool to Want You" é possível perceber que ele não pretende competir com Sinatra, porém adaptar às faixas ao seu alcance vocal. Bingo. A canção ganhou outra cara com essa releitura, ficando linda. O arranjo de "The Night We Called It a Day" ficou muito bom – até mesmo o vocal rouco tem seu charme.

Fora de contexto, achei "Stay with Me" bem mais ou menos, mas mudei de opinião depois de ouvi-la dentro do contexto, e ela acrescenta muito no conjunto da obra. O uso da guitarra slide para construir toda melodia e apoiá-la até o fim ajuda a inserir o ouvinte dentro da letra e até emociona um pouco. Feita em cima da versão francesa "Les feuilles mortes", "Autumn Leaves" foi gravada e regravada por vários cantores ao longo dos últimos 70 anos, por isso virou um dos standards mais famosos dos Estados Unidos. E na voz de Dylan, ficou ainda mais triste e cheia de amargura.

Se "Why Try to Change Me Now" também segue a linha da melancolia, só que a guitarra distorcida toma conta da melodia, "Some Enchanted Evening" tem a banda de volta – essa faixa foi gravada três vezes por Sinatra em seus 60 anos de carreira. Segundo single do álbum, "Full Moon and Empty Arms" mostra um Dylan cheio de sentimento na hora de cantar, e isso faz toda diferença.

Outro standard extremamente popular nos Estados Unidos, "Where Are You?" ficou bem diferente na interpretação de Dylan, mas ganhou uma cara bem própria, ao mesmo tempo. Ouvi-lo cantar "What'll I Do", canção que fala sobre a dúvida em começar um novo relacionamento logo depois de terminar um, acaba sendo uma experiência e tanto, porque Bob Dylan, como poucos, soube escrever e cantar sobre o fim de um relacionamento. Para encerrar, "That Lucky Old Sun" fala sobre a vida, e pensar que ele ainda consegue cantar esse tipo de música aos 73 anos é incrível.

Ao final da audição de Shadows in the Night, claramente mostra que quebrei a cara ao duvidar do trabalho de Dylan em regravar Frank Sinatra. Como não havia me lembrado antes, Sinatra cantou muitas músicas de outros compositores, por isso não ficou estranha essa releitura. Porque é exatamente o que ele fazia: gravava ótimas canções de outras pessoas. Em um standard à Dylan, esse álbum consegue transmitir sentimento, boas melodias e uma ótima reflexão sobre as pessoas, os sentimentos e a vida. É ótimo saber que Bob Dylan ainda tem muita lenha para queimar na música. E é ótimo saber que ele ainda quer surpreender seus fãs.

Tracklist:

1 - "I'm a Fool to Want You" (Frank Sinatra, Jack Wolf e Joel Herron)
2 - "The Night We Called It a Day" (Matt Dennis e Tom Adair)
3 - "Stay with Me" (Jerome Moross e Carolyn Leigh)
4 - "Autumn Leaves" (Joseph Kosma e Jacques Prévert (versão francesa), Johnny Mercer (versão inglesa))
5 - "Why Try to Change Me Now" (Cy Coleman e Joseph McCarthy)
6 - "Some Enchanted Evening" (Oscar Hammerstein II e Richard Rodgers)
7 - "Full Moon and Empty Arms" (Buddy Kaye, Ted Mossman e Sergei
Rachmaninoff)
8 - "Where Are You?" (Harold Adamson e Jimmy McHugh)
9 - "What'll I Do" (Irving Berlin)
10 - "That Lucky Old Sun" (Haven Gillespie e Beasley Smith)

Nota: 4/5



Veja também:
Resenha: Natalie Prass - Natalie Prass
Resenha: Gov’t Mule featuring John Scofield – Sco-Mule
Resenha: Flying Lotus - You're Dead!
Resenha: Viet Cong – Viet Cong
Resenha: Enter Shikari - The Mindsweep
Resenha: Mark Ronson – Uptown Special

Siga o blog no Twitter, Facebook, Instagram, no G+, no no Tumblr e no YouTube

Gostou do conteúdo? Compartilhe nas redes sociais!