Discos para história: Another Side of Bob Dylan, de Bob Dylan (1964)


A 63ª edição do Discos para história fala sobre Another Side of Bob Dylan, quatro disco de estúdio de Bob Dylan. Depois de participar de vários protestos e lutar pelos direitos civis, o cantor e compositor lançou seu primeiro álbum sem tanto peso político, mas cheio de amargura, rancor e ódio pelo fim de seu relacionamento com Suze Rotolo.

História do disco

Impulsionado pelo movimento de esquerda de Nova Iorque, Bob Dylan lançou seus três primeiros trabalhos de estúdio recheados com temas políticos e canções de protestos. Junto a seus pares, cantores, atores, escritores e filósofos, ele ganhou moral e fez muito sucesso nos primeiros anos em que esteve na cidade, principalmente por se colocar contra o sistema.

Durante uma viagem de carro pelos Estados Unidos, ele ouviu “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles, pela primeira vez e ficou maravilhado com a maneira como o Fab Four conseguiu trabalhar letras românticas e melodias simples em uma canção curta. De volta à cidade depois de 20 dias, tocar guitarra foi sua primeira atividade logo que chegou – isso seria determinante para o lançamento de Bringing It All Back Home, próximo disco. Mas ainda não seria a hora de usar guitarra.

Cada vez mais de saco cheio de ser usado pelo movimento de esquerda, as canções do que viria a ser Another Side of Bob Dylan acabaram sendo pautadas pelo seu duplo romance. De um lado, a cantora e compositora Joan Baez, do outro Suzy Rotolo, então namorada. Não aguentando mais as idas e vindas, Rotolo colocou ponto final no relacionamento logo que Dylan chegou, mas ele não queria o fim e uma troca de empurrões, que quase chegou às vias de fato, acabou sendo o momento decisivo para o término do namoro em definitivo.


Após esse momento lamentável de sua vida, o cantor acertou uma turnê na Inglaterra e acabou indo para lá. Depois das apresentações, ele conheceu Nico, que viria a participar da estreia do Velvet Underground em estúdio anos depois, e os dois fizeram uma viagem pela Europa, passando por França, Alemanha e Grécia. Nove das 11 canções do futuro trabalho foram escritas nesse período de muitas dúvidas e incertezas em sua vida pessoal, enquanto sua vida de astro do showbiz estava indo a pleno vapor.

Voltando de viagem, Dylan recebeu um recado da Columbia de que precisava entrar em estúdio logo para gravar um novo álbum. Tudo aconteceu exatamente com os anteriores: o trabalho de composição acabou sendo finalizado ainda no estúdio e, somado com as letras prontas, totalizaram 14 faixas. Dessas 11, entraram no LP, e "Denise Denise", "Mr. Tambourine Man" e "Mama, You Been on My Mind" ficaram de fora. A única sessão de gravação aconteceu no dia 9 de junho de 1964 e terminou no início da madrugada do dia seguinte.

Claro que esse novo disco não passou ileso pelo julgamento dos amigos, como Pete Seeger. Quem bateu pesado mesmo foram os críticos de folk-music Irwin Silber e David Horowitz, acusando Dylan de se vender ao sistema após a fama e todo aquele ‘blá, blá, blá’. O fato é que, pela primeira vez, ele colocou para fora seus sentimentos e pouco ligou para os críticos. Isso seria decisivo para seu próximo passo na carreira, dado no ano seguinte.



Resenha de Another Side of Bob Dylan

"All I Really Want to Do" é uma das canções mais populares de Bob Dylan e é possível ver o motivo. Sua letra e melodias simplórias traçam um panorama quase psicológico vivido pelo cantor naquele momento, quando terminou com a namorada e resolveu passar algumas semanas viajando pela Europa. O tom romântico a faixa tem uma explicação: a influência dos Beatles começando a bater nele.

Indo para uma linha mais blues, mas sem deixar o folk de lado, "Black Crow Blues" foi a primeira canção em que Dylan gravou tocando piano na carreira. O destaque está na estrutura da melodia bem elaborada e a inclusão da gaita, dando um clima diferente, já "Spanish Harlem Incident" tem o retorno do cantor mais intimista em uma história de uma cigana que se apaixona por ele – muitos estudiosos afirmam que a história é verídica, mas isso nunca foi confirmado por Dylan.

O simbolismo dos trabalhos de Arthur Rimbaud influenciaram muito as letras de alguns trabalhos do compositor, como o caso da dupla "Chimes of Freedom" e “Mr. Tambourine Man”, esta acabou ficando de fora desse trabalho. "Chimes of Freedom" retorna à temática política e social que fizeram do cantor um sucesso em protestos e manifestações. Podemos dizer que é o fim de uma era: saía o compositor de músicas de manifestações, entrava o compositor que viria a usar a ironia, poesia e metáforas em suas letras. Já nessa letra é possível ver uma mistura de cada coisa – há referências ao assassinato de J.F. Kennedy, a William Shakespeare, ao poeta Gerard Manley Hopkins e ao surrealismo. É uma das canções mais populares da discografia.



"I Shall Be Free No. 10" é lotada de referências de momentos dos anos 1960, como Cassius Clay, o ex-colégio para moças Dean of Women e o próprio Dylan. Mais do que as citações, é o momento que o cantor tira sarro de todos com sua poesia rápida e conectada entre os versos. Uma ótima sacada em um disco tão denso até antes da quinta faixa. Fechando o lado A, "To Ramona" é outra que virou sucesso e, aparentemente, colocava esperança que o relacionamento do Joan Baez fosse adiante. O tom dramático da letra até espanta por estar léguas de distância dos últimos trabalhos.

O lado B começa com "Motorpsycho Nitemare", um conto inspirado em Psicose, de Alfred Hitchcock, A Vida É Bela, de Federico Fellini, e o comunismo cubano liderado por Fidel Castro. Ou seja, temos outra paródia de Dylan sobre os acontecimentos da vida real intercalados por uma história de ficção. Última canção a ser escrita do grupo de 14 gravadas, "My Back Pages" é o puro retrato de um cantor insatisfeito com os rumos dos movimentos de esquerda dos Estados Unidos, das canções de protestos e com os rumos que tomou para si. O resultado é uma faixa confessional que ultrapassou o senso comum e virou um dos retratos da geração que seria conhecida como a do pós-Guerra do Vietnã. "I Don't Believe You (She Acts Like We Never Have Met)" é a voz de um homem abandonado depois de uma tórrida noite de amor – Dylan inverte os versos na metade da canção e ri. A melodia é feliz, enquanto a letra é mordaz e fria.



Mas fria e quase totalmente provida de ódio e raiva é "Ballad in Plain D", canção que fala diretamente sobre o fim do relacionamento entre ele e Suze Rotolo. Basicamente, o cantor coloca para fora toda raiva que sentiu pelo fim do relacionamento. E o ódio não era apenas de Suze, mas também era direcionado a Carla, irmã de sua ex-namorada. O verso For her parasite sister, I had no respect/ Bound by her boredom, her pride to protect/ Countless visions of the other she'd reflect/ As a crutch for her scenes and her society mostra bem isso, enquanto o último (Ah, my friends from the prison, they ask unto me/ "How good, how good does it feel to be free?"/ And I answer them most mysteriously/ "Are birds free from the chains of the skyway?") mostra que o rancor não acabaria tão cedo.

Encerrando o disco, "It Ain't Me Babe" é uma pequena mostra de quão de saco cheio Bob Dylan estava das pessoas, de seu público, de relacionamentos e de qualquer um que desse palpite em sua vida. Além, claro, de conter um pouco de amargura de fim de namoro.

Another Side of Bob Dylan é o retrato de um Dylan no limite com as pessoas e amargurado com o fim de seu namoro. Quem deu o nome ao trabalho teve uma boa sacada, porque era um lado do cantor e compositor ainda não visto pelo público. Alguém que tinha frustrações pessoais e resolveu fazer um disco só disso. Aclamado pela crítica, esse álbum marcou o fim de um período na carreira dele. No ano seguinte, ele viria renovado.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "All I Really Want to Do"
2 - "Black Crow Blues"
3 - "Spanish Harlem Incident"
4 - "Chimes of Freedom"
5 - "I Shall Be Free No. 10"
6 - "To Ramona"

Lado B

7 - "Motorpsycho Nitemare"
8 - "My Back Pages"
9 - "I Don't Believe You (She Acts Like We Never Have Met)"
10 - "Ballad in Plain D"
11 - "It Ain't Me Babe"

Todas as canções foram escritas por Bob Dylan.

Gravadora: Columbia
Produção: Tom Wilson
Tempo: 50min37s

Bob Dylan: vocais, violão, gaita e piano



Veja também:
Discos para história: All Things Must Pass, de George Harrison (1970)
Discos para história: Back in Black, do AC/DC (1980)
Discos para história: Californication, do Red Hot Chili Peppers (1999)
Discos para história: Screamadelica, do Primal Scream (1991)
Discos para história: Outlandos d'Amour, do Police (1978)
Discos para história: Let It Bleed, dos Rolling Stones (1969)

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