Discos para história: My Generation, do The Who (1965)


A 110ª edição do Discos para história fala sobre a estreia do The Who em estúdio, que completou 50 anos na última quinta-feira – tornando um dos muitos símbolos da nova juventude inglesa.

História do disco

Como em muitas bandas, o embrião do Who nasceu na escola. O primeiro a desenvolver gosto pela música foi Pete Townshend. Com o apoio dos pais de Townshend, incentivadores das investidas musicais do filho, ele começou sua carreira ao lado de John Entwistle em um trio de jazz, especialidade do então futuro baixista. Mas o interesse pelo rock era mais forte.

Uma das muitas curiosidades, ou lendas, é que Entwistle começou como guitarrista, mas seus dedos grandes o impediam de acertar as notas na velocidade correta. Depois de ouvir Duane Eddy, ele decidiu passar para o baixo, apesar de não ter dinheiro para comprar um. E o que ele fez? Construiu um instrumento do zero para conseguir tocar na banda.

E Roger Daltrey? Ele era o tipo conhecido por Teddy Boy (um desordeiro, na tradução livre da expressão). Estudante em um bairro de classe trabalhadora, ele conheceu o rock e começou a andar em bando, em uma espécie de gangue juvenil. Resultado: acabou sendo expulso da escola. Sem ter o que fazer, foi obrigado pelo pai a trabalhar em uma construção, mas não tirou seu olho do rock ao fundar o Detours com outros amigos. O grupo tocava em casamentos e fez certo sucesso na região Action, bairro onde os três moravam.

Em uma dessas coisas que só o destino pode explicar, Daltrey havia perdido o baixista de sua banda na manhã de certo dia. À tarde, ele viu Entwistle andando pela rua com seu baixo personalizado e não teve dúvida para convidá-lo a fazer parte de sua banda. Convite feito, convite aceito. Um ano e meio depois, um guitarrista saiu e o baixista não se esqueceu do amigo Townshend, e sugeriu a contratação dele. Pronto, estava formado o embrião do que viria a ser o The Who.

Depois de abrirem para muitas bandas, o Detours ficou só com Townshend como guitarrista – havia mais de um –, mas a descoberta do grupo mais antigo chamado Johnny Devlin and the Detours fez o grupo obrigatoriamente trocar de nome. Após uma longa noite de reunião, ficou decidido que a banda se chamaria The Who, uma sugestão do futuro escritor e então companheiro de quarto de Townshend Richard Barnes. Mal sabia ele que esse nome entraria na história do rock.

Banda regular do circuito noturno, o The Who estava procurando uma baterista, pois nenhum conseguia se encaixar na proposta deles. Membro do Beachcombers em meio período, Keith Moon se reuniu com eles antes de um show para conversar sobre uma audição. Tudo acertado, ele apareceu e, tocou com tanta energia, que quebrou o bumbo e danificou o tambor. Resultado disso tudo: acabou sendo contratado.

O empresário Peter Meaden viu uma chance de envolvê-los na cultura mod, um dos movimentos socioculturais mais importantes dos últimos 50 anos, sugeriu a mudança de nome para High Numbers e de estilo. A primeira não surtiu efeito e eles voltaram com o nome antigo, mas a segunda foi fundamental para dar uma cara ao grupo. Além disso, dois acontecimentos mudariam a história deles para sempre. O primeiro foi o incentivo que Townshend ganhou para escrever letras próprias, algo ainda não tentado por ele. O segundo aconteceu em junho de 1964.

Durante uma apresentação, o guitarrista quebrou a guitarra no baixo teto de uma pequena casa de shows. A plateia achou graça, mas ele não. Irritado, ele pegou o instrumento e o destruiu, deixando um monte de metal, madeira e cordas retorcidas no palco. Townshend pegou outra e finalizou a apresentação. No início da manhã do dia seguinte, os jovens mods só falavam nisso e esperavam ansiosos por uma nova quebra do instrumento nos shows seguintes. E em outra oportunidade, Moon, irritado com os problemas técnicos em sua bateria, chutou o instrumento e o quebrou. Eles não sabiam, mas a destruição de instrumentos e a revolta no palco seriam as marcas registradas do The Who ao longo de mais de 50 anos de carreira.

No final de 1964, o single "I Can't Explain" chamou a atenção do produtor americano Shel Talmy, que logo conseguiu um contrato com eles e vendeu ao braço inglês da gravadora americana Decca, a Brunswick. Aqui, um acontecimento histórico ocorreu: Jimmy Page gravou a guitarra base da faixa – ele era músico de estúdio e fez diversos trabalhos assim, muitos sem crédito até os dias atuais. Ela fez muito sucesso no Reino Unido, chegou ao top-10 e virou tema do programa de música Ready Steady Go!. Ao longo de 1965, em abril e em parte de outubro, eles gravaram as canções que entrariam em My Generation. O toque de R&B e rock era o diferencial do grupo, e as letras de Townshend, enfim, ganhariam vida em um trabalho de estúdio.

O sucesso fez Daltrey ficar exibido e pensar que era o dono da banda. Ao agir como um ditador, principalmente depois de tomar altas doses de anfetaminas, acabou sendo demitido durante a turnê na Dinamarca. Ele foi reintegrado dias depois, porém precisou concordar em não fazer mais esse tipo de coisa e que tudo seria resolvido democraticamente. E o sucesso do single "My Generation", o hino de uma geração, faria do The Who uma das bandas de sua época.


Resenha de My Generation

O rock animado de "Out in the Street" abre My Generation em um momento, logo no início, para todos os membros mostrarem sua capacidade musical logo de cara, enquanto o cover de "I Don't Mind”, de James Brown, ganhou uma roupagem leve e virou uma balada – era um dos momentos de pausas nas apresentações insanas do grupo.

Os acordes de "The Good's Gone" dão à faixa um ar bem especial, e Daltrey aproveita para soltar a voz (Now it ain't no fun/And the good's gone now/We used to love as one/But we have forgotten now), já "La-La-La-Lies" é um rockabilly bom para se dançar. E aqui temos uma pequena prova das influências musicais de Pete Townshend na hora de compor. "Much Too Much" foi a única a não virar lado de algum single no Reino Unido, mas tinha potencial para isso por conseguir mesclar a força da bateria com a delicadeza dos instrumentos.



Uma das grandes músicas da história do rock, "My Generation" é dessas canções que não esquece e não se ouve apenas uma vez. É um manifesto da juventude que buscava identidade própria, uma dessas canções contestadoras, quase um avô do punk. Do início, um recado claro aos donos do status quo (People try to put us down/(Talkin' 'bout my generation)/Just because we get around/(Talkin' 'bout my generation)/Things they do look awful cold/(Talkin' 'bout my generation)/Hope I die before I get old/(Talkin' 'bout my generation)) até o final (Talking 'bout my generation (my generation)/Talking 'bout my generation (my generation)/Talking 'bout my generation (my generation)/Talking 'bout my generation (my generation)), passando pelo vocais de apoio, pelo solo de baixo e pelo vocal gritado. Ela é a perfeição de uma música de protesto.

Para abrir o lado B, nada melhor que a matadora "The Kids Are Alright", uma canção que não fez muito sucesso imediatamente, mas é dessas que os jovens ingleses nas ruas ouviam incessantemente. Acabou virando um hino dos mods e da nova geração dos jovens que nasceram e cresceram no pós-guerra em uma das letras mais bonitas da história do The Who (Sometimes, I feel I gotta get away/Bells chime, I know I gotta get away/And I know if I don't, I'll go out of my mind/Better leave her behind with the kids, they're alright).



O R&B (mais blues) de "Please, Please, Please", mais um cover de James Brown, é outro momento balada do álbum para uma letra romântica e cheia de idiossincrasias. "It's Not True" traz mais uma inédita cheia de energia, claramente inspirada nos ídolos do rock dos anos 1950, no meio de dois covers. O segundo é "I'm a Man", de Bo Diddley, mostrando que as influências da banda variavam muito no início de carreira.

A letra inocente e divertida de "A Legal Matter" coloca Pete Townshend nos vocais pela primeira vez no disco – e ficou incrivelmente bom. A instrumental "The Ox" tem um quê interessante ao colocar em perspectiva o talento de Keith Moon como baterista, reconhecido algum tempo depois como um dos grandes de sua geração – talvez o melhor de todos os tempos. É um ótimo final para uma estreia gloriosa, em que canções inéditas se misturam com covers. Era o The Who fazendo história.



Ficha técnica:

Tracklist:

Lado A

1 - "Out in the Street" (2:31)
2 - "I Don't Mind" (James Brown) (2:36)
3 - "The Good's Gone" (4:02)
4 - "La-La-La-Lies" (2:17)
5 - "Much Too Much" (2:47)
6 - "My Generation" (3:18)

Lado B

7 - "The Kids Are Alright" (3:04)
8 - "Please, Please, Please" (Brown, Johnny Terry) (2:45)
9 - "It's Not True" (2:31)
10 - "I'm a Man" (Bo Diddley) (3:21)
11 - "A Legal Matter" (2:48)
12 - "The Ox" (Townshend, John Entwistle, Keith Moon, Nicky Hopkins) (3:50)

Todas as canções foram escritas por Pete Townshend, exceto as marcadas.

Gravadora: Brunswick
Produção: Shel Talmy
Duração: 36min13s

Roger Daltrey: vocais e gaita
John Entwistle: baixo e vocais de apoio
Keith Moon: bateria e percussão
Pete Townshend: violão de seis e 12 cordas, guitarra, vocais de apoio e vocalista principal em "A Legal Matter"



Veja também:
Discos para história: Doolittle, do Pixies (1989)
Discos para história: Tonight's the Night, de Neil Young (1975)
Discos para história: Murmur, do R.E.M. (1983)
Discos para história: Rubber Soul, dos Beatles (1965)
Discos para história: Yoshimi Battles The Pink Robots, do Flaming Lips (2002)
Discos para história: Whatever People Say I Am, That's What I'm Not, do Arctic Monkeys (2006)
Discos para história: Crosby, Stills & Nash, de Crosby, Stills & Nash (1969)

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