Discos para história: Crosby, Stills & Nash, de Crosby, Stills & Nash (1969)


A 103ª edição do Discos para história fala da estreia em estúdio do trio formado por David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash em estúdio. Fora de suas respectivas bandas, o trio faria muito sucesso e expandiria as fronteiras do country folk.

História do disco

A história do trio formado por David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash começa em meados dos anos 1960. Cada um tinha sua banda e fazia sucesso. Crosby era uma das cabeças pensantes dos Byrds, Stills estava no ótimo Buffalo Springfield ao lado de Neil Young – o Y que faria o trio virar um quarteto dias depois do primeiro disco de estúdio ser colocado no mercado – e Nash era compositor e guitarrista dos Hollies. Foi aí que alguns acontecimentos antecederam esse encontro musical.

Por divergências internas, Crosby foi demitido do Byrds em 1967, e o baixista Chris Hillman explicou o motivo alguns anos depois. "David tinha dom para causar problemas. Ele era uma pessoa extrovertida e com muita coragem, mas podia ser um idiota arrogante. Ele teve sorte que nenhum de nós bateu nele. Ele estava realmente pedindo por isso. Ele foi o mais diferente de tudo que encontramos em todas as nossas formações", contou. Depois de mudanças na formação, Gram Parsons foi contratado e, com ele na banda, iniciou-se a ‘era country rock’ dos Byrds (também com inúmeras mudanças entre os integrantes).

Durante o desmembramento do Buffalo Springfield, Stills encontrou com Crosby algumas vezes depois de algum tempo afastado – eles tinham se conhecido anos antes quando suas ex-bandas estavam em turnê. Essa reunião informal ganhou ainda mais força quando eles ganharam bastante tempo livre para praticar esse embrião de parceria, e isso gerou a faixa "Wooden Ships", com participação Paul Kantner, do Jefferson Airplane.


No caso de Nash, ele já estava farto de os Hollies irem por um caminho mais comercial, enquanto ele desejava fazer outro tipo de música. O ponto final da história dele na banda foi a recusa dos outros membros em gravarem "Marrakesh Express" e escolherem gravar um disco de canções escritas apenas por Bob Dylan (Hollies Sing Dylan, 1969). Ele deixou a banda em agosto de 1968 quando se mudou para Los Angeles com o sonho de virar apenas compositor - Terry Sylvester ocupou sua vaga.

Crosby conhecia Stills, que conhecia Nash, que conheceu ambos em anos diferentes. Em uma festa, os três se encontraram juntos pela primeira vez e improvisaram em cima de “You Don't Have To Cry”, então canção inédita do ex-Hollies. Nesse instante, a história musical ganhou mais um capítulo: os três gostaram do que ouviram e fizeram o famoso ‘vamos marcar alguma coisa’. A diferença é que eles marcaram mesmo. Mas houve um pequeno obstáculo que quase impediu a formação do trio.

Eles bateram na porta da gravadora Apple, dos Beatles, mas acabaram sendo recusados, então foram até a Atlantic. Chefiada por Ahmet Ertegün (1923 – 2006), a gravadora era expoente em conseguir novos talentos e, desde Ray Charles nos anos 1950, ela havia apostado fichas em novatos. Ertegün estava frustrado com o fim do Buffalo Springfield, grupo que ele gostava muito e dizia que eles seriam grandes em pouco tempo. Stills já era contratado da gravadora e Crosby foi liberado logo que assinou sua demissão, porém o problema estava com Nash.


Contratado pela Epic via Hollies, ele ainda tinha um compromisso em vigor quando decidiu entrar nessa nova empreitada. Os donos das gravadoras precisaram se reunir para tentar um acordo, fechado depois de algumas horas de discussão: Richie Furay e sua banda Poco deixaram a Atlantic, pouco tempo depois da assinatura de um novo contrato, em troca de Graham Nash (o disco Pickin' Up the Pieces, do Poco, de 1969, virou uma das referências no country rock e é considerado como a continuação do trabalho do Buffalo Springfield).

Stills vivia seu período mais criativo, então ele acabou dominando o trabalho de composição – quatro canções são assinadas apenas por ele e uma em coautoria – e também fez de tudo um pouco na parte instrumental. O trabalho de dois meses não foi tão duro, porque cada um dos membros sabia mais ou menos o que queria em suas músicas. Aliás, o acordo do nome resume bem o clima entre os três: cada um teria poder de fazer o que desejasse com sua música e, por conta dos trabalhos anteriores, assegurar uma pausa ou o fim das atividades do trio caso um não quisesse seguir em frente. E para não gerar nenhum tipo de confusão, Elliot Roberts e David Geffen foram contratados para fazer a gestão da banda. Roberts controlava o ego dos três, mais altos do que qualquer prédio, e o experiente gerente Geffen administrava o dinheiro.

Para fazer a capa do LP, o trio e o fotógrafo Henry Diltz encontraram uma casa abandonada, sentaram em um sofá e fizeram algumas fotos em que a ordem ficou Nash, Stills e Crosby. Até então, eles ainda não haviam pensado na ordem dos nomes. Com Crosby, Stills & Nash definido e estilizado, eles retornaram ao local para fazer uma nova sessão, agora na ordem correta. Só que havia um pequeno detalhe: a casa havia sido demolida. Então ficou do jeito que estava mesmo.

Lançado em 29 de maio de 1969, o disco homônimo foi bem recebido pela crítica e reescreveu a história da união entre o country e rock. Além disso, também mostrou que três potentes vozes combinadas, e famosas, poderiam resultar em uma bela união. Meses depois, Neil Young entraria no grupo, e eles faria a apresentação histórica no festival Woostock.



Resenha de Crosby, Stills & Nash

Começar um trabalho com a junção de várias canções em uma só não era tarefa das mais fáceis, mas Crosby, Stills e Nash conseguiram. "Suite: Judy Blue Eyes" é formada por quatro minicanções de Stephen Stills escritas para Judy Collins, então sua namorada. É uma variação tão grande de estilos, que é quase impossível descrevê-la dentro de algum gênero musical. Só nisso, o legado do trio às próximas gerações já estava assegurado.

Desprezada pelos Hollies, "Marrakesh Express" ganhou vida nessa estreia. E que momento. Aqui, todo estilo e consolidação do trio vocal estava ficando mais clara. A letra fala sobre uma viagem de Graham Nash entre Casablanca e Marraquexe, no Marrocos, em que, entediado no vagão mais caro do trem, explorou os outros compartimentos e adorou o que viu. O andamento dela é animado e recheado com uma melodia bem simples, diferente da introspectiva "Guinnevere", de David Crosby, uma das melhores canções do trio e que mais mostra o lado contador de história deles e dedicada a Joni Mitchell, sua paixão.



"You Don't Have to Cry", uma história romântica como muitas, puxa mais para o country folk em que Stills fez sucesso com sua banda anterior do que para qualquer outra coisa. Acústica, dá conta de segurar o ouvinte graças ao poderoso refrão. E emendando na anterior, "Pre-Road Downs" é boa para dançar e finaliza bem o lado A do LP.

"Wooden Ships", que abre o lado B, é envolta de confusão. Primeira canção do ainda embrião Crosby, Stills & Nash, ele foi composta por David Crosby, Stephen Stills e Paul Kantner, que também a gravou no Jefferson Airplaine. Depois de algumas disputas legais ao longo dos anos, todos foram creditados corretamente nos lançamentos posteriores. Ainda bem que tudo foi acertado, porque é dessas canções, por falar sobre uma possível guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética, serve muito bem para explica como foram os anos 1960, usando uma linguagem de fácil acesso e exemplificada nas consequências de um possível desastre.

Outra dedicada para Mitchell é "Lady of the Island". Sim, os dois estavam apaixonados por ela, mas Nash era o namorado e fez a letra com melodia semelhante ao tipo de música cantado por sua então paixão ao longo de toda sua carreira. Uma das mais desesperadoramente bonitas da discografia deles é a profunda "Helplessly Hoping", um pedido de socorro para alguém falar a coisa certa.



Um country folk legitimo, "Long Time Gone" tem cada um do trio em seu momento solo e uma guitarra dando o ritmo, mostrando incrível potencial nas apresentações ao vivo. A lindíssima "49 Bye-Byes", em que os três só querem um pouco de amor da amada, encerra tão bem o disco que a vontade de dar play e ouvi-lo do início ao fim novamente é quase inevitável.

Não durou muito Crosby, Stills e Nash como um trio, mas, sem dúvida alguma, o legado que eles deixaram nesta estreia que levou o nome deles está mais do que provada. Com a entrada de Neil Young, formariam um dos quartetos mais famosos do mundo. Eles ficaram unidos até abril de 1970, quando problemas internos e de comportamento dos quatro acabaram por encerrar as atividades do agora Crosby, Stills, Nash & Young. Eles voltariam apenas em 1974 (mais sobre o assunto aqui e aqui).



Ficha técnica:

Tracklist:

Lado A

1 - "Suite: Judy Blue Eyes" (Stephen Stills) (7:25)
2 - "Marrakesh Express" (Graham Nash) (2:39)
3 - "Guinnevere" (David Crosby) (4:40)
4 - "You Don't Have to Cry" (Stephen Stills) (2:45)
5 - "Pre-Road Downs" (Graham Nash) (3:01)

Lado B

1 - "Wooden Ships" (David Crosby, Stephen Stills, Paul Kantner) (5:29)
2 - "Lady of the Island" (Graham Nash) (2:39)
3 - "Helplessly Hoping" (Stephen Stills) (2:41)
4 - "Long Time Gone" (David Crosby) (4:17)
5 - "49 Bye-Byes" (Stephen Stills) (5:16)

Gravadora: Atlantic
Produção: Crosby, Stills & Nash
Duração: 40min52s

David Crosby: vocais, guitarra em "Wooden Ships" e violão em "Guinnevere"
Stephen Stills: vocais, guitarra (menos em "Guinnevere" e "Lady of the Island"), baixo, teclado e percussão
Graham Nash: vocais, guitarra em "Marrakesh Express" e "Pre-Road Downs", e violão em "Lady of the Island"
Dallas Taylor: bateria
Jim Gordon: bateria em "Marrakesh Express"
Cass Elliot: vocais de apoio em "Pre-Road Downs"



Veja também:
Discos para história: Purple Rain, de Prince and The Revolution (1984)
Discos para história: Time Out of Mind, de Bob Dylan (1997)
Discos para história: Elvis Presley, de Elvis Presley (1956)
Discos para história: Transformer, de Lou Reed (1972)
Discos para história: Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols, do Sex Pistols (1977)
Discos para história: Born to Run, de Bruce Springsteen (1975)
Discos para história: Turn on the Bright Lights, do Interpol (2002)

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