Crítica: Kendrick Lamar - GNX

A briga pública entre Drake e Kendrick Lamar foi um dos assuntos dominantes da música ao longo do ano, com respostas musicais de ambos até que o primeiro resolveu abrir dois processos contra o segundo — e levar a gravadora e o Spotify junto. Mas para quem achava que o ano de Lamar seria só com isso, estava enganado. Em meio a tudo isso, ele estava preparando um disco de inéditas, chamado “GNX”, disponibilizado recentemente. E, caras, é impossível não ficar impressionado.

Em tempos de discussão sobre a rapidez do surgimento das coisas e desaparecimento pouco tempo depois, ele chegar com um novo álbum de inéditas um ano e meio após o anterior é algo digno de nota. E não só isso: “GNX” é bom. O receio da velocidade é sempre com relação à qualidade do material colocado ao mundo de surpresa na última semana. Mas uma vez que o botão do play é clicado, é muito difícil parar de ouvir. Ao começar com o manifesto “Wacced Out Murals”, uma potente letra sobre o compromisso dele para a própria arte, as convicções e lutas contra pressões externas, ele se reafirma como um dos agentes de mudança em meio a tanta influência vazia e sem sentido.

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Depois dessa poderosa introdução, ele segue pelo sinuoso caminho de mostrar que não esqueceu as origens da Costa Oeste (“Squabble Up”), uma balada romântica e cheia de esperança (“Luther”, quinta colaboração com a cantora SZA) e a autobiográfica “Man at the Garden”, quando Lamar desabafa e aborda todos os sacrifícios feitos ao longo dos anos para atingir o status atual de melhor rapper do mundo e uma liderança em diversos níveis (“I'm wakin' up at 6 a.m./ Six miles a day, conditionin' my wind/ I said I deserve it all/ I'm showin' up as your friend/ Tellin' truths better than your next of kin/ I said I deserve it all”).

A dureza do mundo da música é retratada de maneira quase real em “Hey Now”, mas ele brilha mesmo na homenagem a artistas do passado em “Reincarnated”. Ao citar explicitamente John Lee Hooker e implicitamente Billie Holiday, ele coloca com firmeza a importância de ambos na música americana e relembrando que o sucesso deles veio atrelado com muita dor e sofrimento. Hoje, os artistas afro-americanos têm muito mais veículos e maneiras de mostrar o talento e não precisam mais serem aceitos por determinados círculos para conseguir mostrar a própria arte. Ao abordar esse assunto dessa maneira, com uma rima melódica e com palavras fortes, ele avisa: somos quem somos por eles (“Another life had placed me as a Black woman in the Chitlin' Circuit/ Seductive vocalist as the promoter hit the curtains/ My voice was angelic, straight from heaven, the crowd sobbed/ A musical genius what the articles emphasized/ Had everything I wanted, but I couldn't escape addiction”).

O discurso chega com atitudes, como não ser um agente passivo da própria vida (“TV Off”), valorizar a cultura local da periferia de Los Angeles e celebrar a recente vitória na World Series no beisebol (“Dodger Blue”) e encaminhar o ouvinte para os momentos finais (“Peekaboo”). “Heart Pt. 6” é a última parte da briga com Drake, com Lamar explicando de vez os motivos que o levaram a fazer movimentos na própria carreira, enquanto passava por problemas pessoais.

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Nome de uma marca de carros de luxo, a faixa-título do álbum é a solidificação de Lamar como um vencedor em meio a muitos que acabaram não conseguindo chegar lá. O tom dramático da letra ajuda a corroborar com isso em uma autoafirmação de conseguir chegar ao topo. Para encerrar o álbum, ele, com ajuda de SZA mais uma vez, abrange o repertório de assuntos para fora do hip-hop em “Gloria”, balada poderosa sobre sentimentos, o poder, a glória e os conflitos internos e externos que tudo isso gera.

O trabalho de Kendrick Lamar é impressionante, usando essa palavra de novo, do início ao fim. Ele mistura força e delicadeza de um jeito que tudo se entrelaça de maneira muito natural, criando uma conexão natural com o ouvinte. Lançado no final de novembro, “GNX” ficará de fora de várias listas de melhores do ano, uma prova de que esperar é sempre de bom-tom. E esperar por Lamar é a certeza de mais um álbum acima da média.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Wacced Out Murals”
2 - “Squabble Up”
3 - “Luther” (with SZA)
4 - “Man at the Garden”
5 - “Hey Now” (featuring Dody6)
6 - “Reincarnated”
7 - “TV Off” (featuring Lefty Gunplay)
8 - “Dodger Blue” (featuring Wallie the Sensei, Siete7x, and Roddy Ricch)
9 - “Peekaboo” (featuring AzChike)
10 - “Heart Pt. 6”
11 - “GNX” (featuring Hitta J3, YoungThreat, and Peysoh)
12 - “Gloria” (with SZA)

Gravadora: PGLang/ Interscope
Produção: Kendrick Lamar & colaboradores
Duração: 44min20

Avaliação: muito bom

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