Crítica: Primal Scream - Come Ahead

O Primal Scream é uma dessas bandas que prova que uma mutação pode resultar em algo fora da curva e completamente inesperado. Sem engrenar até a saída de Bobby Gillespie do Jesus and Mary Chain, o grupo estava inserido na cena independente do rock inglês, mas soava comum e nada fora da curva. As coisas só mudaram com o lançamento do histórico “Screamadelica”, de 1991, calcado no house e 100% inspirado na empolgante música eletrônica que acontecia em galpões em lugares isolados e totalmente fora do circuito comercial no Reino Unido. Até que todo esse pessoal ficou famoso, graças ao interesse e cobertura da época.

A partir disso, Gillespie passou a experimentar, usar samples e estruturar as músicas para as pistas de dança e a brincar mais com melodias e elementos musicais, misturando o house com indie rock, para ficar no primeiro exemplo que vem à cabeça. “Come Ahead”, 12º trabalho de estúdio, segue essa toada e mostra, oito anos depois do último disco de inéditas, que ele segue bem afiado logo começando pela abertura gospel de “Ready to Go Home”, uma homenagem dele ao pai no leito de morte, falando do sentimento de deixar a pessoa amada partir.

O olhar para o mundo atual aparece em “Love Insurrection”, com aquela ponta de esperança sobre um futuro melhor, e na política “Deep Dark Waters”, com esse sentimento de libertação aparecendo com mais clareza na balada “Heal Yourself”. Essa sequência em especial mostra como aos últimos acontecimentos abalam profundamente nossos sentimentos e toda ajuda do mundo para começar o processo de melhora é bem-vinda. Mas é claro que a revolta chega com tudo na ótima “Innocent Money” (“Innocent money (Weighing our worth in it)/ Innocent money (Surrender our lives to it)/ Innocent money (There's never enough of it)/ Innocent money (Swimming in sewers for it)”), uma ótima mistura de rock, R&B, gospel e eletrônico que poucas bandas conseguem fazer com essa qualidade.

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Uma canção com muita profundidade, “Melancholy Man” traz uma ótima reflexão sobre nossos medos e como é difícil se libertar de antigos vícios para conseguir olhar para si e partir para coisas novas. Sem conseguir, a pessoa fica em um estado letárgico, sem forças para mudar. E a força para isso chega na potente “Love Ain't Enough” e na contagiante “Circus of Life”. O álbum diminui o ritmo na longa “False Flags”, com mais de oito minutos de duração, mas sobe na simples “The Centre Cannot Hold” e encerra com “Settler's Blues”, uma melancólica história sobre os efeitos do domínio inglês sob os cidadãos escoceses e como isso mudou a história do país ao longo dos anos.

Já no título, um termo para falar da coragem dos escoceses, o Primal Scream coloca as próprias raízes para jogo e trata dos mais diversos assuntos — dos problemas atuais do mundo até assuntos pessoais — usando com muita habilidade a mistura de gêneros que faz a banda ser uma referência única entre os contemporâneos dos anos 1980. “Come Ahead” funciona bem ao mostrá-los atentos as coisas, sem deixar a velha Escócia para trás.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Ready to Go Home”
2 - “Love Insurrection”
3 - “Heal Yourself”
4 - “Innocent Money”
5 - “Melancholy Man”
6 - “Love Ain't Enough”
7 - “Circus of Life”
8 - “False Flags”
9 - “Deep Dark Waters”
10 - “The Centre Cannot Hold”
11 - “Settler's Blues”

Gravadora: BMG
Produção: David Holmes
Duração: 64 minutos

Avaliação: muito bom

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