Crítica: Kim Deal - Nobody Loves You More

Quem ouviu a voz de Kim Deal no Pixies nunca esqueceu. Quando “Gigantic” começava, a baixista tinha o palco para si e, inevitavelmente, era um dos grandes momentos das apresentações. Isso gerou ciúmes de Black Francis e implodiu a banda. Eles chegaram voltar, mas ela acabou demitida pelo vocalista/ dono/ “a bola é minha” e partiu para retornar com as Breeders, outro ótimo grupo independente dos anos 1990. Mas ela nunca havia lançado um disco solo. Até agora.

“Nobody Loves You More”, estreia solo de Deal aos 63 anos, mostra que ela tem voz em todos os sentidos: para cantar refrões inesquecíveis e com muito a dizer. Ao começar a faixa-título com a estrofe “I don't know where I am/ And I don't care/ I just stop at the sight of you/ Standing there” e seguir de maneira muito delicada em uma espécie de protesto contra o que está acontecendo, ela mostra uma força e sensibilidade que poucos têm atualmente.

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Inspirada por férias tiradas há mais de 15 anos e um casamento, “Coast” aposta no naipe de metais e uma guitarra bem delicada para tirar o peso do começo em uma ótima canção para colocar durante uma viagem de carro, mas o jogo vira completamente na etérea e cheia de efeitos eletrônicos “Crystal Breath”. Deal mostra outra faceta da carreira ao apresentar ao mundo essa canção experimental, muito longe do trabalho habitual e com um ar de ferocidade sentido no ar.

A triste “Are You Mine?” traz a perspectiva da mãe da cantora, que sofre do Mal de Alzheimer e passa por aqueles momentos de perda de memória, com um refrão de cortar o coração (“Let me go/ Where there's no/ Memory of you/ Where everything is new/ And nothing is true”), transformada em revolta em “Disobedience” — essa mais com ar de Breeders e pronta para ser tocada o mais alto possível nos shows.

O desejo pela juventude que não existe mais aparece na balada romântica “Wish I Was”, que mostra uma Deal buscando a adolescente dentro dela para colocar para fora os sentimentos, o completo oposto da pesada “Big Ben Beat” — cheia de guitarras, agressiva e com uma cantora cheia de energia para colocar para fora toda raiva acumulada dentro de si. O interlúdio “Bats in the Afternoon Sky” abre para a delicada “Summerland”, com inspiração na bossa nova (“I'm not even tired/ The world I wanna see/ I won't even try to stop this/ I'll follow the night/ The stars swinging in the sea/ It's dazzling to me”).

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A lenta “Come Running” funciona para presentar atenção na voz de Deal, cada vez mais propensa a canções assim do que fúria juvenil de 30 anos atrás e “A Good Time Pushed” encerra otimista ao falar da vontade de mudar e querer se divertir, apesar de todo passado (“Part of me wants to push you off of this world/ I'm dull and you're doomed/ I want a big change, I want volume”).

Nunca é tarde demais para fazer algo novo, ainda que seja na vasta experiência musical acumulada ao longo dos anos. Aos 63 anos, Kim Deal estreia com delicadeza e sensibilidade sem deixar de lado a fúria de uma ótima carreira em que, acompanhada pelos amigos, dá esse primeiro passo importante em uma coisa feita por ela do início ao fim.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Nobody Loves You More”
2 - “Coast”
3 - “Crystal Breath”
4 - “Are You Mine?”
5 - “Disobedience”
6 - “Wish I Was”
7 - “Big Ben Beat”
8 - “Bats in the Afternoon Sky”
9 - “Summerland”
10 - “Come Running”
11 - “A Good Time Pushed”

Gravadora: 4AD
Produção: Kim Deal
Duração: 36 minutos

Avaliação: ótimo

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