Discos para história: Music from Big Pink, da The Band (1968)


A 85ª edição do Discos para história falará sobre a estreia da The Band em estúdio. Depois de mudar de trabalhar com Bob Dylan e mudar de nome, eles lançaram Music from Big Pink e viraram referência quando o assunto é misturar gêneros em suas músicas.

História do disco

Formada por Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson, Richard Manuel e Robbie Robertson, a The Band não começou fazendo o sucesso que viria a fazer no futuro. O início deles é muito interessante porque eles começaram realmente como banda de apoio de Ronnie Hawkins, entre 1958 e 1963, em Toronto, no Canadá. Eles lançaram uns singles, mas as famosas “diferenças criativas” acabaram separando o grupo do vocalista – leia-se: eles não queriam mais ser meros empregados de Hawkins.

Depois disso, eles estrearam no circuito como Levon Helm Sextet, depois mudaram para Levon and the Hawks. E foi nesse período que eles conheceram a lenda do blus Sonny Boy Williamson e conseguiram fechar para ser a banda de apoio do gaitista, mas ele morreu pouco tempo depois sem nunca ter feito um show com o que viria a ser a The Band.


Em 1964, um encontro mudaria a vida da banda: eles conheceram Bob Dylan, que estava gravando Bringing It All Back Home e desejava mudar de estilo. Ao ver uma apresentação deles, o cantor, acostumado com seu violão, resolveu partir para uma nova experiência e decidiu gravar um álbum com metade das canções acústicas de metade com guitarras. Dylan desejava ter Helm e Robbie Robertson em sua nova turnê, mas, por lealdade aos amigos, os dois recusaram e fizeram uma proposta: que ele contratasse a todos. Foi assim que nasceu a Bob Dylan and the Band, que tocou junta entre setembro de 1965 e maio de 1966, ano em que o cantor, depois de ser chamado de Judas por um fã em Manchester, apresentou a versão mais pesada já tocada de “Like a Rolling Stone” tocada por ele.

As históricas vaias Dylan nas partes elétricas das apresentações afetaram muito o psicológico de Helm – ele saiu do grupo e, como terapia, foi trabalhar em uma plataforma de petróleo no Golfo do Novo México. Durante o período, algumas gravações foram feitas, porém com o grupo atuando de forma separada a maior parte do tempo. No final, quase tudo foi descartado.

O que mudou mesmo a história desses cinco caras acabou sendo a aposentadoria forçada de Bob Dylan depois do famoso acidente de moto que sofreu em Woodstock. Esse período acabou sendo superprodutivo para todos, porque gerou o que viria a ser a famosa série The Basement Tapes, histórico disco do cantor lançado apenas nos anos 1970, em que eles foram creditados como The Crackers. Ao terminar esse trabalho, eles alugaram uma casa rosa em West Saugerties, que ganhou o apelido de ‘Big Pink’, para trabalharem em canções de um futuro disco. Aqui nascia Music from Big Pink, o primeiro disco de estúdio da The Band, nome escolhido por todos depois da recusa da gravadora do antigo. Robertson detestou por achar “presunçoso e, ao mesmo tempo, excessivamente humilde”.

O material usado durante as gravações era o de anos de trabalho entre ser Hawks, Crackers e a banda de apoio. Lançado em 1º de julho de 1968, o disco foi muito elogiado pela crítica, mas vendeu muito pouco em suas primeiras semanas. Só quando Al Kooper escreveu uma crítica elogiando o trabalho é que a coisa embalou de vez – o fato de ter Dylan como coautor de duas canções e ter escrito outra também colaborou para o aumento do interesse do público.

Com o passar dos anos, Music from Big Pink acabou sendo mais estudado e, quase 50 anos depois de seu lançamento, é considerado um dos clássicos da música americana, sendo referência quando o assunto é country, R&B, blues, folk e gospel. A The Band demorou um pouco, mas conseguiu sair de banda de apoio e construir um caminho próprio.



Resenha de Music from Big Pink

A primeira faixa do disco já tem Bob Dylan nos créditos, então chamaria atenção de qualquer maneira, mas "Tears of Rage" ganhou vida pela primeira vez na estreia da The Band em estúdio – ela apareceria de novo em estúdio em The Basement Tapes. O vocal de Richard Manuel e a melodia tão um tom meio gospel, meio blues, mostrando logo de cara a força deles como conjunto. A primeira de três canções de Robbie Robertson no lado A começa com "To Kingdom Come", canção que é um tanto mais acelerada do que a anterior.

Retornando ao ritmo mais lento, porém mantendo a pegada blues, "In a Station" tem uma bela interpretação de Manuel com a banda fazendo os vocais de apoio e complementando a melodia ao fundo. Mudando o vocalista, Rick Danko aparece como cara principal em "Caledonia Mission", um country folk com toques de blues mais falado do que cantado, e isso acaba fazendo diferença na maneira que o ouvinte recebe a música nos ouvidos.



Então vem o clássico "The Weight". Conhecida pela performance em The Last Waltz, documentário sobre o encerramento das atividades da banda dirigido por Martin Scorsese, em estúdio ela não tem tanto do clima de fim de um ciclo, mas ainda é muito poderosa com seus elementos. Desde o tom gospel até a divisão entre Levon Helm e Danko nos vocais, ela encerra o lado A do álbum de maneira sublime. E aqui, Robertson mostra todo seu potencial como letrista.

Abrindo o lado B, "We Can Talk" tem Manuel, Helm e Danko dividindo os vocais da canção mais pop de todo disco, uma coisa meio R&B, meio blues, meio rock, meio gospel. Enfim, tem várias influências em uma canção só, soando mais como uma aula em música do que qualquer outra coisa, enquanto "Long Black Veil" é um clássico country contador de histórias – a letra fala sobre um cara acusado de assassinato que tem um álibi, no caso a mulher do amigo que estava tendo um caso, mas prefere ir para cadeia ao contar seu segredo e arruinar a vida de duas pessoas.

Soando muito como tema de filme dos anos 1960, "Chest Fever" é a história de um homem doente rejeitado pela mulher que ama, e a banda coloca um ritmo interessante na história ao contar muito com o apoio do piano, do órgão e do clavinete. Em "Lonesome Suzie", o retorno da balada gospel, temos a tentativa de Manuel de fazer um single, mas ele falhou nesse aspecto. O curioso é que a faixa acabou virando sua marca registrada nas apresentações ao vivo da The Band.



Regravada por inúmeros cantores e cantoras nos últimos 45 anos, "This Wheel's on Fire" saiu de uma parceria entre Dylan e Rick Danko, e a faixa tem um andamento animado, diferente de "I Shall Be Released", canção capaz de fazer até o mais sem coração dos homens acabar-se em lágrimas. O clima gospel com a letra falando de solidão e esperança em ganhar a liberdade, mostram que Bob Dylan vivia seu melhor momento como compositor. E que sorte da The Band que eles puderam dar sua cara à canção em uma interpretação emocionante.

Se a The Band não ganhou milhões de dólares com seu primeiro disco solo, pelo menos ganhou uma coisa que ninguém tira: prestígio e reconhecimento como um dos melhores grupos musicais, no sentido de afinação uns com os outros como caras fazendo parte de uma mesma unidade, do mundo.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Tears of Rage" (Bob Dylan e Richard Manuel)
2 - "To Kingdom Come" (Robbie Robertson)
3 - "In a Station" (Manuel)
4 - "Caledonia Mission" (Robertson)
5 - "The Weight" (Robertson)

Lado B

6 - "We Can Talk" (Manuel)
7 - "Long Black Veil" (Marijohn Wilkin e Danny Dill)
8 - "Chest Fever" (Robertson)
9 - "Lonesome Suzie" (Manuel)
10 - "This Wheel's on Fire" (Dylan e Rick Danko)
11 - "I Shall Be Released" (Dylan)

Gravadora: Capitol
Produção: John Simon
Duração: 42min22s

Rick Danko: baixo, violino e vocais
Levon Helm: baterista, tamborine e vocais
Garth Hudson: órgão, piano, clavinete e saxofone
Richard Manuel: piano, órgão, bateria e vocais
Jaime Robbie Robertson: guitarra, violão e vocais

Convidado:
John Simon: barítono, saxofone e piano


Veja também:
Discos para história: The Joshua Tree, do U2 (1987)
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