Discos para história: John Lennon/Plastic Ono Band, de John Lennon (1970)


A 56ª edição da seção falará sobre a estreia solo de John Lennon, que aconteceu quase um ano depois de ele deixar os Beatles. Depois de não acreditar no Fab Four, em Elvis, em Bob Dylan, em Yoko Ono, Lennon acreditaria nele mesmo? Era o que ele tentaria provar não só ao público, mas para ele.

História do disco

A separação dos Beatles foi um dos momentos mais traumáticos para John Lennon. Primeiro, o fato de ver a banda que ele havia montado e se dedicado tanto implodir foi duro; segundo, ver a traição de Paul McCartney, então seu melhor amigo, anunciando para os jornais que estava fora do grupo – coisa que Lennon fez semanas antes, mas optou por cumprir todas as obrigações contratuais antes de abandonar o barco.

Emocionalmente, a situação dele também não era das melhores. Eram anos e anos guardando sentimentos e frustrações, e isso teve consequências em como ele levara sua vida. Ao se casar com Yoko Ono, John teve a liberdade de se expressar pela primeira vez. Não só artisticamente, como fazia nos Beatles (muitas vezes um personagem), mas como homem que era. E foi fazendo sessões de terapia por quatro semanas, entre Londres e Los Angeles, que ele conseguiu colocar tudo para fora.

A ideia de seu primeiro disco solo era simples: letras confessionais que mostrariam como foi, e era, a situação dele ao longo dos últimos dez, 20 anos. Em julho de 1970, as primeiras demos foram gravadas, entre elas parte da letra que viria a se transformar em “God”. Depois de passar mais algumas semanas nos Estados Unidos, Lennon e Yoko voltariam aos estúdios em setembro para começar a gravar o disco e fazer mais demos.


Em um mês de trabalho nos estúdios de Abbey Road, o progresso era nítido. E a banda que ajudou o cantor era formada pelo baixista Klaus Voormann, amigo dos tempos de Hamburgo, Ringo Starr, único que falava com todos os ex-beatles, o produtor Phil Spector e o pianista Billy Preston. Uma curiosidade: apesar de assinar a produção, Spector mal apareceu nas sessões, sendo Lennon e Yoko responsáveis por guiar boa parte do disco. Ele só apareceu para fazer a mixagem final – que levou apenas três dias. Já a ideia da capa era mostrar a união entre Lennon e Yoko. A foto foi tirada pelo ator Dan Richter, que muitas vezes trabalhava como assistente de John.

Lançado em 11 dezembro de 1970 no Reino Unido e nos Estados Unidos, o primeiro disco solo de John Lennon foi muito elogiado por público e crítica, principalmente pela delicadeza e simplicidade das canções confessionais do cantor. O álbum tirou All Things Must Pass, de George Harrison, da liderança das paradas e ficou lá por sete semanas seguidas.



Resenha de John Lennon/Plastic Ono Band

A primeira letra confessional de John Lennon é "Mother", que fala sobre sua não relação com seus pais. Abandonado por eles ainda criança, ele foi criado por sua tia Mimi até os 18 anos e, quando sua mãe voltou a frequentar sua vida, coisas aconteceram. Lennon, que estava morando com ela, voltou para sua antiga casa. Foi nesse período que ela foi atropelada por um carro e morreu. A faixa é absurdamente triste, e o piano só deixa esse sentimento de infelicidade ainda mais ampliado.

Lennon foi consolado pelos amigos e parentes logo depois da morte de sua mãe, e isso basicamente é a letra de “Hold On”. Usando de muita ironia, um dos pontos altos das letras, "I Found Out" fala de tudo que ele viu nos anos 1960 – de Krishna a Paul McCartney – e suas desilusões sobre todos eles.



Claramente inspirado por Bob Dylan e suas canções de protestos, "Working Class Hero" fala sobre como um garoto da classe trabalhadora de Londres saiu dessa condição para ficar rico em questão de alguns anos. E de como isso afetou seu relacionamento com as pessoas que eram do mesmo nível, e que ficaram abaixo, e das pessoas que viram a aparição de mais um jovem rico em seu circulo. Claro, há uma crítica social enorme, como no verso Keep you doped with religion and sex and TV/ And you think you're so clever and classless and free/ But you're still fucking peasants as far as I can see/ A working class hero is something to be/ A working class hero is something to be.

Encerrando o lado A, “Isolation”, sem citar nomes diretamente, fala de como John e Yoko ficaram isolados após o casamento deles, de como ela era ofendida por ter “tirado” o cantor dos Beatles e de Cynthia Lennon. Mas ele parece entender tudo isso e crê que tudo ficará bem.

Retornando ao clima de regressão da terapia, "Remember" saiu exatamente depois de uma sessão. Misturando momentos de sua infância com o poema Remember, Remember, The Fifth of November, que fala sobre a noite que Guy Fawkes apareceu pela primeira vez, o ex-beatle recorda de alguns momentos dolorosos de sua vida.

“Love”, uma exaltação ao casal Lennon Ono, é simples, com destaque para o piano tocado com suavidade por Phil Spector – apesar de maluco, ele foi um dos grandes músicos e produtores de sua geração. Também não deixa de ser uma ode ao movimento hippie e tudo que eles pregavam à época. Mais pesada do que as anteriores, "Well Well Well" conta um dia na vida de Yoko e John e não se parece em nada com as outras canções do disco. Até por isso, soa mais interessante.



Apenas o cantor participa de “Look At Me”, que usa os mesmos recursos de algumas canções gravadas antes, como “Julia” e “Dear Prudence”, ambas do Álbum Branco, dos Beatles. Uma bela canção. Depois vem a melhor faixa do disco: “God” é um verdadeiro desabafo de John Lennon, que acumulou mágoas ao longo dos anos, mas conseguiu colocar tudo para fora.

Ele não acreditava mais em magic, I Ching, Bible, tarot, Hitler, Jesus, Kennedys, Buddha, mantra, Gita, yoga, kings, Elvis, Zimmerman (Bob Dylan) e nos Beatles. No final de tudo, ele apenas acredita em si mesmo depois de ver o sonho desmoronar. O verso I was the walrus/ But now I'm John/ And so dear friends/ You just have to carry on/ The dream is over. Doído mesmo é "My Mummy's Dead", um resumo de anos e anos de aflição em uma faixa de menos de um minuto.

Ao fazer uma sessão de terapia em público, John Lennon mostrou ao mundo a dor e a beleza de ser um beatle. Aos 30 anos, ele se via sem sua banda, seus amigos e pressionado para fazer um disco solo. O resultado foi um desabafo como nunca antes visto por alguém idolatrado por público e mídia por praticamente uma década. A partir desse momento, ele se livrou de seus demônios e pôde tocar sua vida.

Tracklist:

Lado A

1 - "Mother"
2 - "Hold On"
3 - "I Found Out"
4 - "Working Class Hero"
5 - "Isolation"

Lado B

6 - "Remember"
7 - "Love”
8 - "Well Well Well"
9 - "Look at Me"
10 - "God"
11 - "My Mummy's Dead"

Todas as canções foram escritas por John Lennon.

Ficha Técnica

Gravadora: Apple
Produção: John Lennon, Yoko Ono e Phil Spector
Tempo: 39min45s

John Lennon: vocais, vocais de apoio, violão, guitarra, piano e órgão
Ringo Starr: bateria
Klaus Voormann: baixo
Phil Spector: piano em "Love"
Billy Preston: piano em "God"
Yoko Ono: voz
Mal Evans: chá, simpatia e piadas



Veja também:
Discos para história: Fresh Cream, do Cream (1966)
Discos para história: Beatles For Sale, dos Beatles (1964)
Discos para história: Harvest, de Neil Young (1972)
Discos para história: Traveling Wilburys Vol. 1, do Traveling Wilburys (1988)
Discos para história: Metallica (Álbum Preto), do Metallica (1991)
Discos para história: O Concreto Já Rachou, da Plebe Rude (1985)

Me siga no Twitter e no Facebook e assine o canal no YouTube. Compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!

Saiba como ajudar o blog a continuar existindo

Gostou do post? Compartilhe nas redes sociais e indique o blog aos amigos!