Resenha: Miley Cyrus – Miley Cyrus and Her Dead Petz


De uns anos para cá, comecei a ficar de saco cheio de qualquer criança prodígio que aparece em qualquer segmento. Com Miley Cyrus não foi diferente, e ainda pesa o fato de eu já ser bem velho quando Hannah Montana fez sua estreia na TV – prefiro iCarly, mas isso não vem ao caso. Aos 11 anos, a cantora fez sua estreia no seriado que mudaria sua vida para sempre, pagando o preço até hoje.

Quando cortamos para os dias atuais, lá se vão quase dez anos desde o primeiro disco lançado como Hannah Montana. E como as coisas mudaram. Ela cresceu, se rebelou contra o sistema, mostrou os peitos, teve sua vida revirada por sites de celebridades e quase virou uma nova Britney Spears, que chegou a raspar o cabelo por não suportar a pressão da perseguição por pare de repórteres e fotógrafos. Mas diferente da também ex-estrela da Disney, Miley Cyrus resolveu colocar tudo para fora através de sua música.

O primeiro sinal dessa mudança foi a amizade com Wayne Coyne, vocalista do Flaming Lips, que a convidou para cantar em duas músicas no disco With a Little Help from My Fwends, projeto da banda que fez uma releitura do clássico disco dos Beatles Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Então, essa colaboração virou participações em shows de ambos. Isso tudo culminou em Miley Cyrus and Her Dead Petz – o Flaming Lips é a banda de apoio em 14 das 23 canções – quinto álbum de Cyrus e sucessor do recheado de participações de astros e estrelas pop Bangerz.

Lançado no VMA do último domingo, "Dooo It!" traz uma cantora que diz ‘sim, eu fumo maconha’, já dando pinta de como será o andamento do trabalho no sentido de ser sem as amarras da gravadora, que não sabia o que viria pela frente, e com uma Cyrus mais solta. Aliás, essa primeira faixa é muito psicodélica e tem a cara dos trabalhos mais recentes do Flaming Lips. Também usando muitos elementos na melodia, "Karen Don't Be Sad” é uma balada para consolar uma amiga que perdeu as rédeas de sua vida para o mundo. Aqui, Miley dá um recado de esperança, amor e coragem em meio a um Katrina emocional.

A melodia extremamente delicada e cheia de overdubs de "The Floyd Song (Sunrise)" é ideal para a letra triste e cheia de frases fortes (‘morte, me leve com você, não quero viver sem minha flor’). Muito mais do que um álbum, o trabalho, em apenas três canções, é um puro desabafo de perdas – de animais, momentos e/ou pessoas. A acústica "Something About Space Dude" pega o lado romântico da cantora e coloca uma melodia diferente, um pouco mais sombria. Isso faz muita diferença, no caso entre ser uma balada bobinha e algo diferente.

"Space Boots" realmente usa efeitos especiais (ou seriam espaciais?) para falar sobre o término de um relacionamento, e como isso pode afundar qualquer pessoa durante muito tempo. A curta "Fuckin Fucked Up" serve para mostrar como o disco poderia ficar ainda mais ‘estranho’, digamos, para os padrões da cantora e de abertura para "BB Talk", faixa sobre o relacionamento de Cyrus com alguém que era um bebezão. E ela parece realmente não gostar, porque não poupa o rapaz de absolutamente nada.

Em "Fweaky", vemos a primeira balada de ar mais pop, momento da cantora desabafar ainda mais sobre sua vida, mas com um vocal mais leve, e "Bang Me Box" repete a fórmula do disco passado ao ser quase um rap em que ela pede muito sexo ao parceiro. Essas duas canções são o ponto fraco do álbum, que perde muito na adesão delas por serem se aproximarem muito do trabalho feito no disco passado, enquanto "Milky Milky Milk", usando leite como uma metáfora para masturbação feminina, traz o Flaming Lips e as melodias malucas de volta.

Nem na metade do disco, mas já podemos admitir que Cyrus fez um ótimo trabalho ao conseguir transformar sua vida em música. Mas não só isso, ao fazer isso trabalhando muito bem as palavras. O caso de "Cyrus Skies" é exatamente esse, como no verso em que ela canta Yeah I've been alive/ But I've been a liar/ Yeah I've been alive/ But I've been a liar/ There's some kind of Love/ That's so much higher/ Yeah I've been alive/ But I've been a liar. Ao ouvir "Slab of Butter (Scorpion)", é fundamental entender que o trabalho não é apenas um desabafo pessoal, mas sexual da cantora, sem medo algum de expor o que realmente quer e deseja de seus parceiros – a música é interessante pelo excelente trabalho da melodia em envolver o ouvinte.

A eletrônica "I'm So Drunk" é mais uma que serve de abertura para a seguinte, no caso "I Forgive Yiew", outro rap desnecessário que acaba quebrando o ritmo do disco mais uma vez, assim como as baladas "I Get So Scared" e "Lighter". Diferente das outras, a participação, no caso a do rapper Big Sean, funciona bem na bonita "Tangerine". Outra bela canção é a etérea e direta sobre nós, a humanidade, "Tiger Dreams".

"Evil Is But a Shadow" é outra que uniu uma letra muito tocante em uma melodia serena e melancólica, diferente da horrível "1 Sun", que soa uma música reciclada de algum lugar da carreira recente de Britney Spears. Lamentar a morte de um peixe morto é o tema principal de "Pablow the Blowfish", mas, musicalmente falando, é a única canção produzida e cantada apenas por Cyrus. Toda no piano, ela é uma balada comovente – a cantora chora no final, e tudo isso foi colocado sem edição. A instrumental "Miley Tibetan Bowlzzz" e "Twinkle Song", outra no piano, encerram o álbum de mais de 1h30.

Como em todo disco muito longo, Miley Cyrus conseguiu entregar músicas muito boas e algumas nem tanto assim. Ao término da audição, a sensação é que Miley Cyrus and Her Dead Petz é o ponto de virada na carreira dela. Primeiro, não é para criança, é para jovens adultos/adultos. Segundo, ela se livra completamente de qualquer traço do início de sua carreira de tal forma, que não aparenta ser a mesma pessoa. Ela cresceu, e isso não tem mais volta. E esse registro pode não ser o melhor de seu novo momento a partir de hoje, mas é fundamental para entender cantora e mulher que ela virou.

Tracklist:

1 - "Dooo It!"
2 - "Karen Don't Be Sad”
3 - "The Floyd Song (Sunrise)"
4 - "Something About Space Dude"
5 - "Space Boots"
6 - "Fuckin Fucked Up"
7 - "BB Talk"
8 - "Fweaky"
9 - "Bang Me Box"
10 - "Milky Milky Milk"
11 - "Cyrus Skies"
12 - "Slab of Butter (Scorpion)" (featuring Sarah Barthel of Phantogram)
13 - "I'm So Drunk"
14 - "I Forgive Yiew"
15 - "I Get So Scared"
16 - "Lighter"
17 - "Tangerine" (featuring Big Sean)
18 - "Tiger Dreams" (featuring Ariel Pink)
19 - "Evil Is But a Shadow"
20 - "1 Sun"
21 - "Pablow the Blowfish"
22 - "Miley Tibetan Bowlzzz"
23 - "Twinkle Song"

Nota: 3/5


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