Como quatro empresas controlam o que você ouve


A Vevo é a união de duas gravadoras, um grupo de mídia e o Google

O Linkedin começou como um site para disponibilização de um currículo online para facilitar quem está procurando e os recrutadores das empresas – chamado de maneira pomposa de "rede social de negócios". Nos últimos meses, no intuito de virar uma espécie de Medium do empreendedorismo, vários textos têm sido publicados pelos mais diversos tipos de autores e, por ter um perfil na plataforma, recebo um e-mail com alguns. Um deles, publicado há uma semana, chamou atenção.

Com o título "Como a Vevo deu um novo sentido para a indústria da música?", o autor fala sobre a plataforma de conteúdo online que disponibiliza material de diversos artistas pelo mundo diariamente. Segundo o site da empresa, são 24 bilhões de visualizações por mês. Um número e tanto. Mas o que é a Vevo, afinal?

A Vevo começou no YouTube, mas logo ganhou bastante espaço e virou uma plataforma de música e entretenimento. A empresa virou uma joint venture, uma parceria comercial que visa unir forças de duas ou mais empresas para formar outra força sem descaracterizá-las. Tudo muito legal, se não houvesse algo muito curioso por trás disso: hoje, essa joint venture é formada por Universal Music Group, Sony Music Entertainment, Abu Dhabi Media e o Google.

Duas das mais poderosas gravadoras se uniram com uma das maiores empresas de mídia oriente médio (praticamente a assessoria de imprensa dos Emirados Árabes Unidos) e o Google, que dispensa apresentações, para formar algo ainda maior. E, provavelmente, um artista que você gosta tem um contrato assinado com a Vevo. Só na home da versão brasileira do site é possível ver nomes de Fernando & Sorocaba, Taylor Swift, Zayn, Sam Smith, Eduardo Costa, Maroon 5, Imagine Dragons, Shakira e outros.

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Em determinado trecho do texto, o autor diz que a Vevo "ao centralizar toda a informação em um único lugar, é possível ter acesso a dados estratégicos sobre a audiência e o consumo do seu conteúdo que irão dar direcionamentos valiosos para o negócio. Em um momento, a Vevo ajudou as grandes gravadoras a se reinventarem e inovou o mercado da música". Só que nessa reinvenção, a empresa criou um monopólio nunca antes visto na indústria da música. A tal democracia digital, em que todos estariam livres para ouvir o que quiser, gerou uma ditadura das empresas.

Segundo o jornalista André Barcinski, em entrevista para a Vice Brasil (clique aqui para ler), em 1986, 31 canções de 29 artistas diferentes chegaram ao topo das paradas dos EUA. Entre 2008 e 2012, só 66 canções chegaram a número um. E quase a metade era de seis artistas: Katy Perry, Rihanna, Flo Rida, Black Eyed Peas, Adele e Lady Gaga. Então, dar uma busca no site da Vevo é gritar bingo ao ver que todos eles têm algum tipo de material por lá.

Ainda há o fato de, com as pessoas consumindo o material da empresa, o algoritmo sabe exatamente o tipo de música que o público deseja ouvir. Por exemplo, eles sabem se você gosta de canções com pouco mais de três minutos com um solo de maracas. Dependendo do tempo de exibição (quantidade de minutos vistos) e da retenção do público (a média das visualizações), não duvide que o próximo single de seu artista favorito terá um solo de maracas. E, provavelmente, terá uma dúzia de produtores para entregar exatamente o que a audiência quer com ajuda dos serviços de streaming (clique aqui para ler um texto recente no blog sobre o assunto).

A indústria da música passou por uma mudança profunda de pensamento para entrar na segunda década do século 21 com mais força do que o desastre de lidar com pirataria, declarações desastrosas e queda nas vendas. Agora, mais do que música, as gravadoras viraram máquinas de fabricar artistas para gerar altos números no YouTube e nos serviços de streaming. Mais do que ganhar dinheiro com produção de discos, foi necessário abrir o leque. E eles conseguiram.

Controlada em parte por Universal e Sony, a Vevo assinou um acordo com a Warner, a outra gravadora gigante no mercado, há pouco mais de um ano e, desde então, disponibiliza material dos artistas da ex-concorrente no serviço. O Google precisou tirar o escorpião do bolso e deu US$ 50 milhões por 10% da empresa, em 2013, para não ver o serviço sair do YouTube – existiam negociações com o Facebook e a Viacom, dona da MTV, à época. Resultado: a empresa ganha duas vezes por ser sócia da joint venture e dona do serviço de vídeos mais famoso do mundo.

Pelos números atuais, o valor pago pelo Google foi uma pechincha. Em uma matéria do site 'Business Insider', publicada no início deste mês, a Vevo fechou quase US$ 200 milhões em compromissos publicitários ao mudar a estratégia de venda do material. Ao invés de depender das propagandas veiculadas no YouTube ou previamente fechadas, a empresa resolveu usar a estratégia das redes de TV, que trabalham com cotas a partir da audiência de determinado programa ou horário.

Um bom exemplo disso foi a expectativa de que o novo lançamento de Taylor Swift, o clipe de "Look What You Made Me Do", quebrasse o recorde do sul-coreano Psy de vídeo no YouTube mais visto nas primeiras 24 horas. Após uma intensa campanha de marketing... Recorde quebrado. As marcas que anunciaram agradeceram os 43 milhões de visualizações em um dia no ar.

O autor do texto no Linkedin está promovendo um curso sobre tudo que envolve a promoção e marketing de vídeos online – e tudo bem –, mas não deveria ser motivo de comemoração o fato de uma gigante controlar praticamente todos os grandes artistas do mundo. A Vevo não "ajudou" as gravadoras, como se estivesse fazendo um favor, pelo simples fato de a empresa ser formada por duas grandes e tradicionais empresas desse mercado. Ainda são gravadoras, só que com uma roupagem nova e pronta para os novos tempos.

Assim, cada vez mais, o público estará nas mãos desse tipo de investida. Do sertanejo ao pop, as pessoas só vão ouvir exatamente o que a Vevo ou outro grupo empresarial quiser. Na era de escolhermos o que quisermos, estamos cada vez mais na mão de meia dúzia.

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