Discos para história: Ideologia, de Cazuza (1988)


A 45ª edição do Discos para história é o início de uma série dentro da seção. Como a Copa do Mundo está chegando, o blog tratará de álbuns brasileiros mais importantes. O primeiro deles é Ideologia, terceiro trabalho solo de Cazuza, ex-Barão Vermelho.

História do disco

Sair de uma banda no auge do sucesso não deve ser tarefa fácil, mas Cazuza pouco ligava para opiniões de terceiros. Filho de João, então homem forte da Som Livre, e Lucinha Araújo, ele viveu a vida como quis e do jeito que achava certo, então sair do Barão Vermelho era o menor de seus problemas em meados dos anos 1980.

Ideologia nasceu de outro Cazuza. Em 1987, o cantor descobriu que era portador do vírus da AIDS, e isso mudou sua maneira de viver seus últimos dias. Saiu o cara boêmio e entrou um cara mais introspectivo e com outra visão de mundo – no início da proliferação da doença, havia pouquíssimas informações sobre o HIV e sua forma de contágio, e falavam coisas absurdas (como ser o vírus gay, por exemplo).

Mais intimista, o trabalho refletia o momento mais calmo do vocalista ao gravar duas bossas, por exemplo, e disco foi gravado logo após a chegada dele de Boston, nos Estados Unidos, local que visitaria algumas vezes para o tratamento contra a AIDS. O álbum também refletia o tempo que o Brasil e o mundo viviam nos anos 1980 com a Guerra Fria, crise econômica e todo tipo de problema sociopolítico imaginável.


Produzido por Ezequiel Neves e Nilo Romero, Ideologia é cheio de falhas e alguns problemas de produção reconhecidos pelos dois – o tempo curto entre a volta, a possibilidade real de o cantor morrer logo e a turnê já agendada acabaram apertando os prazos de entrega. Mas os problemas acabaram tornando-se trunfos para as vendas. O disco vendeu o suficiente para conquistar o Disco de Ouro naquele ano.

A faixa-título, “Brasil” e “Faz Parte do Meu Show” ganharam o público e até os dias atuais são tocadas nas rádios nacionais, mostrando que Cazuza ultrapassou a barreira do músico comum. E parte da crítica que ainda mantinha dúvidas sobre o que seria dele fora do Barão, acabou se rendendo ao talento dele. Ele ainda gravaria mais dois álbuns, um ao vivo (O Tempo Não Pára) e um de estúdio (Burguesia). Cazuza morreu em julho de 1990, aos 32 anos, em decorrência das complicações do vírus da AIDS.



Resenha de Ideologia

Feita em parceira com Roberto Frejat, “Ideologia” é uma canção muito forte por retratar um período de quase dez anos entre os anos 1970 e 1980 – o refrão é muito poderoso. E se a faixa-título abria falando do Brasil e do mundo, “Boas Novas” era puramente confessional (Eu vi a cara da morte/ E ela estava viva/ Eu vi a cara da morte/ E ela estava viva - viva!).

“O Assassinato da Flor” parece ter sido feita para fazer parte da discografia do Barão Vermelho, mas acabou sendo aproveitada na carreira solo. E é bem animada e dançante, diferente da densa "A Orelha de Eurídice", que tem um violino dando o tom da faixa. Mais experimental até aqui, "Guerra Civil" tem uma mistura de rock com ritmos brasileiros, mostrando que o vocalista estava disposto a mostrar que poderia trabalhar fora de sua zona de conforto.



Se um bom cantor/banda tem um hino em sua carreira, “Brasil” é o hino de Cazuza, retratando bem o País de uma época (e até de hoje, por que não?). O arranjo aqui é o grande trunfo ao transformar a faixa em algo bem para cima, não dando a impressão de um tom crítico. Dentre os acertos na curta carreira, sem dúvida alguma, aqui está o maior deles.

Mudando completamente de ritmo no lado B, "Um Trem para as Estrelas", parceria com Bebel Gilberto, parece uma bossa nova gravada por João Gilberto – pai de Bebel. Um rock à la Rolling Stones, "Vida Fácil" é outra canção bem dançante e, aqui, não parece que Cazuza está doente ou tem qualquer problema grave. Fora os hits, “Blues da Piedade” é a que chama mais atenção em tudo por ser um tipo de música que não é muito fácil de memorizar, tampouco é muito vista no Brasil, mas ela é espetacular e o verso Vamos pedir piedade/ Senhor piedade/ Pr’essa gente careta e covarde é de tirar o fôlego.



E se a sequência vinha sendo boa, "Obrigado (Por Ter Se Mandado)" parece um lado B do Barão Vermelho e é a mais fraca de todo disco, mas as coisas até que melhoram um pouco na piegas "Minha Flor, Meu Bebê", que soa como uma música feita para ser cantada pelo Kid Abelha – pensando bem, não ficaria ruim na voz de Paula Toller. Por uma incrível coincidência, a canção mais tocante de toda carreira de Cazuza apareceu finalizando Ideologia. "Faz Parte do Meu Show" era para ser cheia de guitarras, mas Cazuza e Walter Franco, convidado para trabalhar nessa faixa, resolveram dar um ar mais bossa nova. O resultado é esse aí, um material da mais alta qualidade.

Ideologia foi o início do que seria os últimos meses de Cazuza vivo, mas esse trabalho em especial foi fundamental para ele merecer os aplausos ainda em vida. Hoje, ele é reconhecidamente um dos grandes compositores da música brasileira, papel que antes só cabia aos grandes barões da MPB. Ele apareceu e fez seu trabalho, mas seu legado – usando um clichê – é eterno.



Veja também:
Discos para história: Eliminator, do ZZ Top (1983)
Discos para história: Tommy, do Who (1969)
Discos para história: Born In The U.S.A., de Bruce Springsteen (1984)
Discos para história: The Rolling Stones, dos Rolling Stones (1964)
Discos para história: The Unforgettable Fire, do U2 (1984)
Discos para história: Highway to Hell, do AC/DC (1979)

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