O primeiro morreu há 20 anos; o outro completa 80 nesta terça-feira (11)
Este 11 de outubro de 2016 reservou, por uma imensa coincidência do destino, duas datas redondas: os 20 anos da morte de Renato Russo (1960 – 1996) e os 80 anos de Tom Zé, o tropicalista mais experimental dentre seus companheiros de jornada nos anos 1960. E é interessante como cada um teve um papel fundamental na música brasileira, ainda que o primeiro seja muito mais reconhecido que o segundo.
Renato virou o poeta de uma geração, um representante das agonias de milhares de adolescentes nos anos 1980, alguém que conseguiu protestar contra a ditadura ao mesmo tempo em que escrevia uma enorme letra mostrando um Brasil mais profundo e desconhecido por muitos. Filho de gente rica, morou em Nova York e aprendeu inglês cedo, virando consumidor voraz de revistas sobre música publicadas nos Estados Unidos e no Reino Unido. Era um musicólogo de mão cheia - tão bom que a gravadora sempre respeitava o que ele queria para a Legião Urbana quando o assunto era o próximo passo comercial.
Depois do trio punk Aborto Elétrico e do Trovador Solitário à la Bob Dylan, Renato Russo comandou a Legião. Os inexperientes Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá foram os escolhidos para acompanhá-lo. Se o primeiro disco ainda remete aos tempos de fúria, o segundo tem uma virada mais profunda na sonoridade deles ao mostrar uma gama de influências ainda maior. A partir disso, o homem virou mito. Os shows ganharam tons messiânicos. O vocalista, através de suas letras muito reais, virou Deus para muitos.
Veja mais:
Discos para história: Tropicália ou Panis et Circencis, por Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Mutantes e Tom Zé (1968)
Discos para história: Dois, da Legião Urbana (1986)
(aquele 11 de outubro de 1996 foi estranho, e é bem vago na minha cabeça. O que mais lembro são as cinzas sendo jogadas no mar na semana seguinte à morte dele, mas também está na memória meu irmão bem triste – ele tem todos os discos da Legião. Foi um dia esquisito, no fim das contas.)
Enquanto Renato Russo era idolatrado, Tom Zé estava esquecido. Baiano de Irará, esse cantor e compositor quase virou uma nota de rodapé na música brasileira. Tropicalista menos famoso, ele optou por não 'emepebizar' o som e partiu para algo mais experimental. Caso tivesse nascido nos Estados Unidos ou na Inglaterra, Tom Zé seria reconhecidamente um dos gênios de sua geração. Mas ao fazer essa escolha, acabou sendo colocado para escanteio e viu o sucesso de seus colegas.
Ele estudou o samba, o pagode e a bossa nova, trabalhou com alguns dos melhores compositores brasileiros, mas o sucesso não vinha. Quase desistiu. Até que David Byrne, líder do Talking Heads, levou Estudando o Samba (1978) para casa depois de uma passagem pelo Brasil. Adorou e foi atrás de quem era o autor dessa pérola da música brasileira. Pronto, Tom Zé estava nos holofotes novamente. Foi um ressurgimento, um prêmio por uma genialidade esquecida por público e crítica.
Hoje, Tom Zé completa 80 anos lançando disco novo, chamado Canções Eróticas de Ninar. Mais na ativa do que nunca, ele mostra uma disposição invejável para quem tem 28 anos (eu). A força criativa continua com tudo ao lançar novo material quando tem vontade. Muitos de seus contemporâneos não têm esse mesmo ímpeto.
São duas histórias completamente diferentes de personagens fundamentais da música brasileira. Um de boa condição financeira que teve acesso ao que acontecia no mundo no auge do pós-punk e em uma mudança na sociedade brasileira; outro era um talento nato, entrou na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, veio para São Paulo tentar a sorte como músico e presenciou o início de um dos piores períodos no Brasil, ficou no ostracismo e ressurgiu para uma nova geração. Eles são figuras fundamentais para entender a música no Brasil em um período de quase 30 anos. Hoje é dia de ouvi-los.
Gostou do post? Compartilhe nas redes sociais e indique o blog aos amigos!
Follow @fagnermorais