A 23ª edição do Discos para história homenageia Lou Reed, morto no início desta semana. A seção fala de The Velvet Underground and Nico, álbum de estreia do grupo liderado pelo cantor, compositor e vocalista, o Velvet Underground.
História do disco
A banda começou a ser formada muito antes da chegada de Andy Warhol. Em 1964, descoberto por um produtor, Lou Reed já estava trabalhando em um disco na gravadora Pickwick, onde conheceu John Cale – ele já havia trabalhado com música experimental, algo que sempre chamou atenção de Reed. Ali era o embrião do Velvet Underground.
Unidos pelos mesmos ideais, os então dois jovens músicos formaram o Primitives, banda que já contava com Sterling Morrison, amigo de Reed e Cale. No final de 1965, após mais duas trocas de nome, foi sugerido por um amigo chamar o grupo de Velvet Underground, uma referência ao tipo de cinema feito por muita gente que não chegava ao grande público. Sugestão dada, sugestão aceita.
O VU chegava ao mundo em uma época em que a poesia dos beats de Nova York estava fazendo grande sucesso – Alain Gainsberg, um dos ídolos de Reed, era um deles. 1966 foi um ano importante na música, pois os Beatles lançaram Revolver e Bob Dylan lançou Blonde On Blonde, dois dos grandes acontecimentos daqueles dias. Além disso, o movimento hippie ganhava força por conta das terríveis notícias que chegavam do Vietnã, primeira guerra a ter uma cobertura quase em tempo real graças às transmissões da TV e do rádio.
Dois acontecimentos mudariam para sempre a história a banda: o primeiro foi a entrada de Maureen Tucker, completando o que viria a ser a formação original. O segundo, e ainda maior, foi a chegada de Andy Warhol para ser o empresário do grupo.
O artista plástico vinha em grande ascensão no circuito e já havia feito várias exposições, mas desejava mais. Vendo artes, música, dança e poesia como as grandes formas de arte, Warhol organizou o Exploding Plastic Inevitable, evento que unia tudo isso em uma noite várias apresentações. Isso o colocou de vez como grande astro da cultura pop à época. Falar que Andy era empresário do VU talvez soe muito pesado. Ele meio que adotou a banda e, graças a sua já imensa reputação no meio, ajudou a conseguir o primeiro contrato para gravação da estreia. Uma das sugestões dele foi chamar a cantora alemã Nico para fazer parte da banda.
Nascida Christa Päffgen, ela foi a queridinha de Warhol nos anos 1960. Antes mesmo de chegar ao Velvet, ela já era uma cara conhecia no circuito de artistas e bandas sendo, por exemplo, próxima de Brian Jones, guitarrista e cofundador dos Rolling Stones. Atriz, cantora, modelo e compositora, ela atuou em La Dolce Vita, de Federico Fellini, e Chelsea Girls, de Andy. Suas manias e trejeitos irritavam profundamente Reed, além de ser alvo de piadas dos outros membros da banda. Logo que o Velvet Underground and Nico saiu, ela deixou o grupo e partiu para carreira solo. Em 1988, aos 49 anos, ela sofreu um infarto enquanto andava de bicicleta em Ibiza, na Espanha, e morreu.
Mesmo tendo um padrinho de alto calibre, os quatro membros do Velvet não tiveram moleza ao longo de 1966, tendo que gravar boa parte da primeira leva de canções em um estúdio ridículo, de onde saiu a primeira demo. Foi aí que o contrato entre Andy, o VU e a gravadora Verve foi assinado, garantindo a gravação do primeiro LP, mesmo com o grupo não gostando de ter Nico cantando três canções. Envolvidos com diversos projetos, Reed, Cale, Nico e os outros ainda tiveram que regravar algumas canções. Por isso, marcado para sair no final de 1966, o disco acabou sendo lançado apenas em março do ano seguinte.
A temática é, basicamente, o que Lou vivia: drogas, prostitutas, sadismo e masoquismo e a vida em Nova York, um choque em plena sociedade dos anos 1960. Fã de grandes poetas beats, ele não via nenhuma diferença entre o tipo de letra que ele escrevia e as poesias de seus ídolos. Já as melodias foram quase todas trabalhadas por Cale, que usou e abusou do experimentalismo, creditado muitas vezes como produtor do trabalho – Warhol e Tom Wilson também são colocados na função, sendo o segundo apontado pelo baixista como verdadeiro responsável pela produção.
A capa é clássica, talvez ficando apenas atrás de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, lançado no mesmo ano. A banana era um desenho de Andy Warhol e foi usado para impulsionar as vendas – tudo acordado entre o artista plástico e a gravadora. A parte de trás contava com os quatro membros da banda mais Eric Emerson, que ameaçou processar todos se sua foto não fosse retirada – ele também toparia um acordo (dinheiro). Algumas cópias chegaram a ser impressas antes de um adesivo ser colocado na imagem. Ninguém sabe ao certo o motivo de a imagem estar ali.
Recebido com desconfiança, The Velvet Underground and Nico não foi nem avaliado pelos grandes críticos, e foi um dos grandes fracassos daquele ano. Pelo conteúdo das letras, nenhuma rádio tocava as músicas, nenhuma revista escrevia sobre a banda e as lojas acabaram banindo o trabalho das prateleiras – muito em conta do processo movido por Emerson. Falhas na divulgação por parte da gravadora também foram colocadas como uma das responsáveis pelo insucesso do álbum.
O fracasso deixou Lou Reed irritado com Warhol, causando a saída do artista plástico do cargo de empresário da banda. Andy continuou colhendo os frutos do sucesso em outras áreas, sendo um dos principais nomes da pop art. Ele continuou influenciando muita gente, incluindo David Bowie, que até fez uma canção para ele em Hunky Dory. Em 1987, ele teve uma arritmia cardíaca enquanto dormia e, também por conta de complicações pós-cirurgia na vesícula, acabou morrendo aos 58 anos.
Apesar de tudo que envolveu o lançamento do álbum, a frase de Brian Eno é um belo resumo do que representou a estreia do Velvet Underground em um LP: “The Velvet Underground and Nico vendeu apenas 30 mil cópias, mas cada um que comprou o LP formou uma banda”. Quase todos os nomes do punk e da new wave foram influenciados pelo trabalho que, anos depois, é sempre citado como um dos melhores do século 20 por ter representatividade e influência entre muitos músicos famosos.
Resenha de The Velvet Underground and Nico
O trabalho começa com a suave “Sunday Morning”, única canção mais comercial de todo álbum, tanto é que foi escolhida como primeiro single. Amparada pela percussão e por uma celesta, a bela faixa tem um clima tranquilo e não tem nada do que seria conhecido o VU em sua história. Já “I'm Waiting for the Man” lembra um pouco do que viria a ser base do trabalho de Davie Bowie no futuro. A letra é a história de um cara que está esperando pelo traficante para comprar heroína, enquanto a característica voz de Reed aparece – um vocal mais falado do que cantado.
Primeira canção com vocal de Nico, “Femme Fatale” homenageia Edie Sedgwick, outra das grandes estrelas lançadas por Andy Warhol em sua carreira. 'Cause everybody knows (She's a femme fatale)/ The things she does to please (She's a femme fatale)/ She's just a little tease (She's a femme fatale)/ See the way she walks/ Hear the way she talks, diz o refrão. “Venus in Furs” traz uma poesia musicada de maneira diferente: sem equipamento adequado para fazer efeitos necessários, Lou optou por afinar toda guitarra na mesma nota; Cale cuidou de toda melodia, dando um ar indiano à faixa.
“Run Run Run” tem Nova York como cenário e a história de diferentes pessoas e seus vícios em drogas. Habilidoso como poucos para criar esse tipo de canção, Lou acabou chamando atenção de qualquer garoto sem habilidade para cantar ou tocar graças a uma melodia fora do comum para os padrões da época. Bem experimental, “All Tomorrow's Parties”, com mais de seis minutos, fecha o lado A. Canção favorita de Warhol, ela foi inspirada no artista e em como ele observava as pessoas a seu redor, e foi cantada brilhantemente por Nico. O vocal dobrado, a guitarra e o piano ajudam a dar um tom de obscuridade nova-iorquino.
Abrindo o lado B de maneira sincera, “Heroin” é a melhor forma de lidar com qualquer problema: sendo direto. Não era uma apologia às drogas como muitos teimavam em falar, mas, sim, um relato do que acontece com qualquer pessoa quando injeta e fica sob o efeito da droga. A bateria começa militar, mas ganha força à medida que a faixa evolui. A viola (instrumento de quatro cordas parente do violino) é usada em conjunto com a guitarra. Enquanto o primeiro, usado por Cale, faz barulho e dá um tom alternativo, o segundo é quase um mantra de tão calmo e tranquilo. Em “There She Goes Again” temos uma mostra de que a banda também sofria suas influências em um rock mais dançante, apesar de a letra sugerir que o cara dê uma porrada na moça.
Feita para Nico cantar, “I'll Be Your Mirror” foi um sofrimento para gravar. Sem a moça entrar no compasso certo – a banda quase abriu mão da canção –, ela caiu no choro. Na última tentativa saiu uma coisa doce e romântica. Pesada, “The Black Angel's Death Song” é a Morte divagando sobre vida e morte. Soturna e com uma viola e vocal apavorantes, ela foi tocada pela primeira vez quando a banda quase não terminou um show por falta de repertório. No dia seguinte, Reed e Cale trabalharam melhor nela e um final épico foi criado, chamando atenção de Warhol que estava na plateia e viria a ser empresário do VU. “European Son”, homenagem de Lou a Delmore Schwartz, seu mentor literário, é puro experimentalismo – microfonia, solos de guitarra, bateria e baixo tudo misturado em uma bagunça sonora atraente – que encerra de forma genial.
Ninguém falou melhor do que acontecia no submundo do que o Velvet Underground. Aliás, ninguém falou melhor a verdade do que acontecia fora do mundo hippie-alegre-maneiro àquela época do que Lou Reed, Sterling Morrison, John Cale e Maureen Tucker. Nico e Andy Warhol só enriqueceram, contribuindo dentro e fora do grupo. Se o punk e a cena alternativa tiveram sua vez, eles devem muito ao grupo que não fez sucesso, mas colocou seu nome na história para sempre da música.
Leia mais: Vídeo: Lou Reed no Later... with Jools Holland
Foto: Lou Reed
Documentário: The Velvet Underground and Nico: A Symphony of Sound, de Andy Warhol (1966)
Lágrimas e lágrimas
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