Discos para história: The Beatles (White Album), dos Beatles (1968)

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O terceiro especial da seção Discos para história vai contar a história do álbum mais megalomaníaco, e genial, da história da maior banda do mundo: os Beatles. No auge da criatividade e da arrogância, o Fab Four fez o disco mais pretensioso do grupo, o White Album (o Álbum Branco, pros leigos).

História do disco

O Álbum Branco é o nono disco dos Beatles e sucedeu o aclamado Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Magical Mystery Tour foi lançado apenas em EP no Reino Unido, mas em LP nos Estados Unidos. Por isso, há essa pequena diferença na discografia da banda nos dois países. Adotemos a Inglaterra como padrão). O trabalho foi gravado durante o primeiro grande momento de turbulência da banda.

O disco foi o primeiro da banda após a morte de Brian Epstein. Muito mais do que um simples manager, o empresário foi um dos responsáveis pelo sucesso dos Beatles, e teve uma overdose no dia que os quatro membros encontraram Maharishi Mahesh, um guru espiritual muito famoso em todo mundo, que colocou George Harrison, definitivamente, no mundo da meditação. O álbum duplo também marcou a estreia do selo Apple no mercado fonográfico.


Gravado entre maio e outubro de 1968, e lançado em novembro, o LP foi feito em um clima muito ruim. Perdidos como empresários, e sem ajuda, os quatro estavam com o nível de estresse muito alto. E a presença de Yoko Ono, então namorada de John Lennon, não ajudou no desenvolvimento do disco. Com razão, Harrison, McCartney e Ringo Starr sentiam-se invadidos por uma estranha em meio a um caos corporativo.

Mas eles viviam o auge criativo, e os Beatles eram cada vez mais influenciados por pessoas de fora e viagens, principalmente aos Estados Unidos, eram constantes. E isso atrapalhou bastante o andamento das gravações, já que a individualidade se sobrepunha ao coletivismo que marcou a primeira fase da banda. O Fab Four não era mais o mesmo.

O estresse foi tamanho, que o engenheiro de som Geoff Emerick pediu demissão em meio às gravações. E os problemas causaram a primeira baixa na banda: irritado com toda situação, Ringo deixou os Beatles em agosto de 1968. Os três que ficaram imploraram pela volta do baterista, mas ele só fez isso duas semanas depois. E o desinteresse pelo trabalho um do outro era tanto, que Harrison teve que chamar Eric Clapton para tocar guitarra em "While My Guitar Gently Weeps". Foi a primeira vez que um músico de fora tocou em um álbum do grupo - ele não está creditado no disco.

A capa do LP foi desenvolvida por Richard Hamilton, um artista muito popular à época. Contrastando com a capa do Sgt. Pepper, a ideia foi ter algo totalmente de cor única com o nome da banda em relevo, um pouco abaixo do lado direito - um tipo de arte moderna nos anos 1960. Claro, com o passar dos anos, esse conceito foi totalmente abandonado e impressões em cinza e preto, mais baratas, vêm dominando o mercado. Dentro, a embalagem oferecia a letra das 30 canções e fotos dos Beatles.

Produtor da banda desde o primeiro álbum, George Martin foi contra o lançamento do disco duplo, mas foi voto vencido, e isso só mostrou que ele não mandava mais e que o fim da banda estava bem próximo. Muito mais do que todos imaginavam.


Resenha do Álbum Branco

O disco começa com “Back in the U.R.R.S”, talvez a melhor maneira de abrir o disco. A canção tem um clima todo próprio e quem ouve tem a impressão de estar sobrevoando algum lugar ou algo do tipo. A música é uma paródia a canção "Back in the USA", de Chuck Berry, e o coro é uma homenagem a “Califórnia Girls”, dos Beach Boys. Por conta dessa música, McCartney teve sérios problemas para entrar no país e só fez seu primeiro show em Moscou em 2003. E sem Ringo, Paul gravou a bateria da música.

Logo na sequência vem outra canção que McCartney teve que assumir a bateria: “Dear Prudence”. Escrita por Lennon, a música é uma homenagem a Prudence Farrow, irmã da famosa atriz Mia. A história é que ela estava tão focada na meditação, que não socializava com as outras pessoas durante o período em que os Beatles estiveram na Índia. Então ela inspirou John a escrever essa linda letra.

Em “Glass Onion” há referências para "Strawberry Fields Forever", "I Am the Walrus", "Lady Madonna", "The Fool on the Hill" e "Fixing a Hole", e reza a lenda de que essa é a música que Lennon dá a dica que McCartney morreu e foi substituído por um sósia. Na sequência, apesar de ser uma música bem cretina, "Ob-La-Di, Ob-La-Da" também tem sua história e faz uma homenagem ao início da popularidade do reggae na Inglaterra.

Gravada apenas por McCartney, “Wild Honey Pie” foi o primeiro momento de experimentação no álbum. O disco segue e vamos para “The Continuing Story Of Bungalow Bill”. Há várias versões sobre a história da música, mas todas caem basicamente no mesmo ponto: que um garoto apareceu no lugar onde os Beatles estavam meditando e Lennon escreveu essa canção para zombar do rapaz.

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Buscando espaço na banda desde os primórdios, Harrison lutava para colocar suas músicas nos discos. Claro, em um álbum duplo era impossível não contar com a presença solo dele. E que presença. Totalmente inspirada na música oriental, "While My Guitar Gently Weeps” contou com um solo incrível de Eric Clapton mais uma letra inspiradíssima. Um resultado excelente. A primeira parte encerra com "Happiness Is a Warm Gun", escrita por Lennon e inspirada em uma capa de revista que George Martin havia mostrado. Anos depois, ele revelou que a música tem uma incrível carga de conotação sexual.

O lado dois do primeiro álbum começa com “Martha My Dear” e nem McCartney sabe muito bem da inspiração da letra. Uma vez ou outra ele diz que uma paixonite por Jane Asher o inspirou. Em “I’m So Tired”, Lennon fala dos momentos em que não conseguia dormir no período em que ficou meditando na Índia. Se o grande momento do lado um de Harrison, isso fica por conta de McCartney cantando “Blackbird” na outra parte. Uma belíssima canção acústica e muito poética. Está entre as mais lindas dos Beatles e precisa de mais reconhecimento.

Outra música solo de Harrison que entrou no Álbum Branco é “Piggies” e é uma música bem razoável. Dando sequência, Paul compôs "Rocky Raccoon" e foi inspirada na música folk de Bob Dylan, e é a típica história do cancioneiro popular americano. Mas a canção entrou para história por outro motivo: Lennon tocou sua famosa gaita pela última vez em uma faixa gravada pelos Beatles.

Primeira canção solo de Ringo, “Don’t Pass Me By” também é cheia de referências à suposta morte de Paul. Meio blues com um violino de fundo, a música funciona bem e é bem legal. Quase no final do lado dois, temos "Why Don't We Do It in the Road?", uma música de bar, basicamente. De acordo com alguns relatos, McCartney compôs a canção após ver dois macacos transando na Índia. Enquanto os outros trabalhavam no álbum, o baixista gravou “Why Don’t...” em outro estúdio, sozinho.

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“I Will” também foi escrita durante o retiro dos Beatles em Rishikesh, na Índia. É uma canção bem simples e foi gravada sem Harrison. Em um dos momentos mais tocantes do disco, Lennon canta “Julia”, que é uma homenagem à sua mãe morta dez anos antes. Assim como McCartney em “Why Don’t...”, ele gravou a canção sozinho.

O segundo disco começa com a animada "Birthday", que conta com as participações de Pattie Harrison e Yoko Ono nos backing vocals. É a primeira de duas canções do disco que McCartney e Lennon dividem os vocais. Após a animação, vem a assustadora "Yer Blues", e é uma das canções mais sombrias escritas por John sobre um tema pesado: o suicídio.

Escrita e gravada Paul, "Mother Nature's Son" é outra canção inspirada na música oriental. A faixa quatro vem com "Everybody's Got Something to Hide Except Me and My Monkey" que é de Lennon e, na famosa entrevista à revista Playboy em 1980, ele afirmou que a música fala dele e Yoko não se separarem.  A sequência vem com “Sexy Sadie”, que se chamaria "Maharishi", a princípio. Isso não aconteceu por conta da intervenção de George e John acabou aceitando, mas não mudou o tom crítico da letra. Ele estava bem puto com o guru na fase final da meditação e escreveu as críticas ainda na Índia.

Conhecido e muito criticado por escrever apenas baladas, um nervoso Paul decidiu que precisava de uma música de impacto. E saiu “Helter Skelter”. A primeira versão contava com quase 30 minutos, que foi sendo reduzida até ficar no formato conhecido. O famoso final (“I got blisters on my fingers!”) é o grito de Ringo ao reclamar da intensidade das sessões.

Depois da intensidade de “Helter Skelter”, vem a doce e delicada "Long, Long, Long”, de Harrison. Uma linda maneira de encerrar o primeiro lado do segundo disco. É a primeira de muitas canções em não se sabe se George está falando de alguém ou sobre Deus.

Inspirado na situação política da época, e sabendo que os Beatles precisavam expor suas opiniões, Lennon escreveu “Revolution 1” e bateu o pé para que a canção fosse lançada como single, o que foi vetado por McCartney e Harrison. Eles alegaram que a música era muito lenta. John persistiu e deu a ideia de regravá-la mais acelerada, e deu certo. Em “Honey Pie”, a banda faz uma homenagem aos musicais britânicos. Dentro da cota Harrison dos discos, "Savoy Truffle" foi outra composição do guitarrista que entrou no Álbum Branco e é uma homenagem ao vício de Clapton em chocolates.

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“Cry Baby Cry” foi a música em que os Beatles estavam trabalhando e, em mais uma discussão entre os quatro, Geoff Emerick acabou pedindo demissão durante essa sessão de gravação. E, claro, a canção tem várias referências sobre o momento em que Lennon estava vivendo. O final, "Can You Take Me Back", é um improviso de McCartney durante as sessões de “I Will” e acabou entrando no final.

"Revolution 9" é a música mais psicodélica e experimental dos Beatles. Com mais de oito minutos, ela é a canção mais longa da banda gravada em um álbum. Cheia de eco e distorções, "Revolution 9" foi inspirada no estilo de arte vanguardista de Yoko, e Lennon contou com a ajuda de Harrison para construir a peça, que não teve a aprovação de McCartney. Mas ela entrou no disco assim mesmo e, segundo John, era o exemplo claro do que era a revolução.

Encerrando o disco, vem a linda "Good Night". Composta por Lennon para ninar Julian, seu filho, a canção é interpretada por Ringo de maneira belíssima. Com uma orquestra de fundo, regida por George Martin, é o toque final do projeto megalomaníaco dos Beatles, mas, considerado por muitos, o maior momento criativo da banda.

O Álbum Branco foi uma guerra de egos entre os quatro. Mas foi um jogo sem vencedores, apenas com vencidos. Com 30 canções, o LP tem algumas das músicas mais brilhantes do grupo, mas que acabaram sendo superadas pelas que viriam em Abbey Road e Let It Be.

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