Festival: In-Edit Brasil 2020


Nesta quarta-feira, (9), começou oficialmente a 12ª edição do In-Edit Brasil, desta vez inteiramente online. Como sempre, vou tentar ver o máximo possível de documentários até o dia 20.

Clique aqui para mais informações sobre o festival e aqui para ver como foi a cobertura do blog em 2019.



"White Riot" (2019)

Direção: Rubika Shah. Duração: 84 min. Elenco: Red Saunders, Dennis Bovell, Mykaell Riley. País: Reino Unido.

O fascismo está com tudo nesta terceira década dos anos 2000. Mas não é novidade. No Reino Unido, no final dos anos 1960, a Frente Nacional conseguiu atrair milhares de pessoas com um discurso xenófobo e racista, e prometendo expulsar os imigrantes e seus filhos do país. Mas eles não contavam com Red Saunders e seus amigos, que fundaram o Rock Against Fascism para combatê-los -- ideologicamente e, às vezes, fisicamente também.

A diretora Rubika Shah tem o mérito de conseguir contar essa história de maneira direta e sem floreios, além de conseguir explorar ao máximo cada personagem que esteve envolvido, em maior ou menor grau, no combate à ascensão do movimento de supremacistas brancos no Reino Unido. Shows para atrair os jovens, panfletagem, um fanzine, diálogo com o líderes do movimento reggae na Inglaterra -- todos negros --, e muita luta para culminar em um grande momento que incluiu o Clash em uma decisão que era necessária para o momento.

O documentário, acima até de uma boa história, é fundamental para pregar a união tão necessária para combater o discurso que anda tomando conta da vida das pessoas com a facilidade de três toques na tela do celular hoje. Outra coisa fundamental: não banalizar a luta era muito importante e, caso você fizesse parte do Rock Against Fascism, era fundamental seguir determinadas regras -- até para a própria segurança, como organizador, e do público.

Ameaças, brigas e muitas coisas horríveis foram enfrentadas por eles nos anos 1970 para mostrar que tudo passa. O que não pode passar é a inércia e deixar tudo como está. O Rock Against Fascism foi importante para um determinado período da história, e "White Riot" celebra essa luta em um longa simples, direto e sem firulas. Como um bom punk de dois minutos.


"Dom Salvador & Abolition" (2020)

Direção: Artur Ratton e Lilka Hara. Duração: 88 min. Elenco: Dom Salvador, Ed Motta, Toni Tornado, Harry Belafonte, Elza Soares, Rubens Sabino, José Carlos, Dick Oatts, Serginho do Trombone. País: Brasil e Estados Unidos.

Um documentário não serve apenas para ver histórias conhecidas, mas também serve para conhecer personagens fundamentais da música pelo mundo -- que podem ou não ter feito sucesso. O caso do pianista brasileiro Dom Salvador é desses que acabou ficando em segundo plano na história por uma série de fatores, então "Dom Salvador & Abolition" ajuda no resgate desse personagem tão incrível e fundamental da música brasileira.

Atualmente, ele mora em Nova York e trabalha há mais de quatro décadas no The River Café, no Brooklyn. Mas antes de ir para os Estados Unidos nos anos 1970, Salvador esteve em momentos únicos da música brasileira. Tão único que, nos primeiros minutos de documentário, ele brinca com o fato de não conseguir comprar o próprio álbum de tão caro e raro que é.

A direção de Artur Ratton e Lilka Hara acerta ao não cansar a imagem do personagem principal durante o longa. Salvador aparece mais ativamente no começo e no final, quando realiza o sonho de tocar em uma das casas de espetáculos mais importantes dos Estados Unidos. A história dele é contada por gente do calibre de Toni Tornado e Elza Soares, que gravaram com ele, Ed Motta, colecionador de seus discos, e membros da banda Abolição, de um tremendo sucesso no início dos anos 1970. Aliás, ele participou ativamente da introdução da soul music no Brasil antes mesmo de Tim Maia. Mas aí veio a ditadura e mais explicações não são necessárias, suponho.

Os depoimentos dos personagens vão criando essa colcha de retalhos de fãs e admiradores da obra de Dom Salvador, tratado como uma lenda por todos eles. "Dom Salvador & Abolition" é o tipo de documentário que deveria passar nas escolas do Brasil para celebrar esse ícone e seus quase 60 anos de carreira.


"Ibiza: The Silent Movie" (2019)

Direção: Julien Temple. Duração: 91 min. Elenco: Mark 'Bez' Berry, Claire Davis, Cathal Smyth. País: Reino Unido.

Um filme mudo sobre Ibiza parece uma piada de mau gosto, certo? Mas é do diretor Julien Temple, então é difícil não ficar com vontade de assistir. Pois não me arrependi. "Ibiza: The Silent Movie" faz um vida & obra muito bom de uma das cidades mais conhecidas do mundo de uma maneira nada comum. E isso é um baita trunfo.

Um material assim na mão de um diretor "normal" provavelmente não sairia do papel. Temple usa de encenações e muita música eletrônica para falar do início de Ibiza na Terra. E, não, não é piada. A história é contada desde os Fenícios até os dias atuais. E como não é um documentário comum, a criatividade rola solta e faz bastante sentido na construção narrativa.

É um documentário mudo por não haver depoimentos -- só um no final, bem curtinho --, mas imagens da própria cidade, animações e encenações para contar essa história. De um lugar rico, para lugar abandonado, para lugar descoberto, para campo de concentração, para lugar descoberto, para lugar cheio de corrupção e drogas, para um lugar de festas, para um lugar apenas para milionários. Ibiza passou por poucas e boas, e a população local sofreu -- e ainda sofre muito -- com determinadas decisões políticas.

"Ibiza: The Silent Movie" também é um grito de socorro, um pedido de ajuda por mudanças urgentes na cidade. De um lado, os milionários que chegam praticamente tomando posse do local; do outro, trabalhadores que moram em carros por conta dos preços exorbitantes. Essa conta não fecha. E isso será um problema sério nos próximos anos.


"My Darling Vivian" (2020)

Direção: Matt Riddlehoover. Duração: 90 min. Elenco: Rosanne Cash, Kathy Cash Tittle, Cindy Cash, Tara Cash Schwoebe. País: Estados Unidos.

Muita gente conhece o filme "Johnny & June", a cinebiografia de Johnny Cash e de como ele foi "salvo" por June Carter, o grande amor da vida dele. Essa é a história que contaram ao longo dos últimos 50 anos, numa espécie de conto de fadas de Nashville. Pois a a vida é bem mais complicada do que isso, como mostra "My Darling Vivian".

Vivian Liberto foi a primeira mulher de Cash. Casados por 13 anos, acabaram se divorciando por conta das crises, sumiços e prisões do cantor ao longo dos anos. A partir disso, ela foi simplesmente suplantada como se não existisse ou como se fosse uma vilã que estava separando uma grande história de amor. Sabemos todos que isso não existe, e que existe uma zona cinzenta em qualquer história de qualquer pessoa.

A edição optou por um trabalho simples: as quatro filhas de Johnny Cash e Vivian, Rosanne, Kathy, Cindy e Tara, contam a história dos pais basicamente desde o início do relacionamento, quando eles trocavam cartas, até o triste final que envolveu brigas, pensamentos destrutivos e muita dor em uma família emocionalmente destroçada -- um dos depoimentos de Rosanne, também cantora, é de chorar quando ela fala sobre quando começou a pensar que a mãe iria desistir de tudo.

É um tipo de material fundamental para entender a história inteira e como Vivian foi fundamental para o sucesso inicial de Cash ao ficar em casa com as crianças (e bichos diversos que ele simplesmente levava) enquanto ele desbravava os Estados Unidos com "I Walk the Line" e outros grandes sucessos. E é importante para saber como, anos depois, um turbilhão de sentimentos ainda estava muito presente na vida de Vivian, anos depois do divórcio.

Emocionante, "My Darling Vivian" ajuda a abrir mais um parágrafo na vida de Johnny Cash, June Carter e da própria Vivian, agora com sua história contada pelas próprias filhas. Ninguém deve ser apagada da história e o documentário lembra disso com bastante firmeza.


"Sarajevo: State In Time (A Story Of Laibach & NSK)" (2019)

Direção: Benjamin Jung e Théo Meurisse. Duração: 50 min. Elenco: Laibach, Jovan Divjak, Miran Mohar, Borut Vogelnik, Andrej Savski. Países: França e Bósnia

A situação em Sarajevo, na Bósnia, era a pior possível nos anos 1990. Durante a guerra pela independência, a cidade foi cercada por soldados iugoslavos e pouquíssimas pessoas conseguiam entrar ou sair do local. Jovens bósnios eram convocados para defender um país que, na prática, não existia. Mas isso pouco importava para o coletivo esloveno NSK (Nova Arte Eslovena, em tradução livre da sigla), muito menos para a banda Laibach.

O Laibach é uma das bandas mais controversas dos últimos 40 anos. Entre as muitas coisas polêmicas feitas por eles, está o fato de ter sido a única banda estrangeira a tocar na Coreia do Norte, em 15 de agosto de 2015, no dia em que é celebrada em ambas as Coreias a libertação da colonização japonesa com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Para o mundo, a banda pode soar polêmica ou estranha, mas, nos anos 1990, o Laibach foi um braço de luta cultural dos mais importantes. Para tocar em uma Sarajevo sitiada, entre outras coisas, eles precisaram entrar acompanhados por carroa da Cruz Vermelha para garantir um mínimo de segurança e evitar ser bombardeada.

O documentário é curto e bastante simples em contar a história. Direto e reto, às vezes beira o amadorismo. Mas a história é tão boa e impressionante que qualquer defeito passa. E não tem preço ver pessoas que estiveram no histórico show falando sobre esse acontecimento.


"Aleluia - O Canto Infinito do Tincoã" (2020)

Direção: Tenille Bezerra. Duração: 70 min. Elenco: Mateus Aleluia. País: Brasil

É muito interessante quando um documentário te apresenta mais de uma hora de material, mas é justamente nos últimos minutos é que o espectador entende o motivo da escolha. Mateus Aleluia é um homem da fala, de contar histórias, de conseguir falar com qualquer pessoa por horas do jeito dele. É por isso, segundo ele mesmo, que escrever uma autobiografia não funcionaria.

"Aleluia - O Canto Infinito do Tincoã" é uma espécie de diários em que a diretora Tenille Bezerra seguiu Aleluia por bastante tempo em lugares diferentes e o deixou bem confortável para contar sua própria história, em todos os aspectos, complementada por imagens dele fazendo música e de um arquivo bem rico de apresentações do grupo Os Tincoãs, do qual fez parte, ao longo dos anos.

Como o personagem principal fica em tela o tempo quase inteiro, o longa pode soar um tanto cansativo em alguns momentos, mas, no geral, ajuda a entender quem foi, e quem é, Mateus Aleluia.


"Aznavour por Charles" (2019)

Direção: Marc di Domenico e Charles Aznavour. Duração: 83 min. Elenco: Charles Aznavour, Maurice Biraud, Édith Piaf, Lino Ventura. País: França

Suponhamos que, por algum tipo de milagre, você nasça Charles Aznavour (1924-2018). Um certo dia, você ganha uma câmera de Édith Piaf, começa a documentar a própria vida numa espécie de pré-vlogger antes do YouTube e guarda essas imagens sem nunca tê-las visto antes. E, um ano antes de morrer, mostra a alguém para fazer alguma coisa com elas. Assim nasceu "Aznavour por Charles".

De 1948 até 1982, Aznavour documentou pessoas, lugares, mulheres, amigos, filhos e tudo que uma câmera daquela época poderia aguentar. Em um trabalho de resgate histórico dessas, com narração de Romain Duris, o longa passa por esses 32 anos da vida do cantor, que passou por poucas e boas até virar o fenômeno mundial com milhões de cópias vendidas e um sucesso inquestionável.

Parece que a câmera servia para desnudar o artista, deixá-lo como se estivesse dirigindo mundo com sua câmera. Há momentos de filmes em que participou, dos primeiros shows nos Estados Unidos, na Ásia, um encontro familiar e muita, muita história. É como um diário de um artista no mais puro significado da palavra, alguém realmente nascido para ser quem foi.

"Aznavour por Charles" é a lenda contando a história do homem, um descendente de armênios que orgulhava-se muito de sua origem. E que conseguiu conquistar o mundo com seu enorme talento.


"Matriz.Doc" (2020)

Direção: Otávio Sousa. Duração: 60 min. Elenco: Pitty, Rafael Ramos, Martin Mendonça, Lazzo Matumbi, Russo Passapusso. País: Brasil

O atestado de velhice começa a bater quando os álbuns que você lembra de ter ouvido pela primeira vez começam a completar 15, 20 anos. É o caso de Pitty que, em 2018, celebrou os 15 anos de "Admirável Chip Novo". Eu lembro quando esse álbum explodiu nas rádios -- sim, tinha que ouvir rádio para saber das coisas -- e a transformou em um fenômeno como há muito não tinha no rock brasileiro.

Pois essa passagem do tempo e uma inevitável nostalgia acabaram culminando em "Matriz", mais recente trabalho de inéditas da cantora lançado em 2019. Supostamente, "Matriz.Doc" deveria ser uma espécie de making of do disco e um recorte do processo de composição das músicas. Mas é um tanto mais do que isso.

Em pouco mais de uma hora, Pitty não só mostra a ideia do então futuro trabalho, como mostra um pouco de si fazendo um balanço da carreira e da própria vida. Como uma migrante que precisou sair porque o lugar de origem já não comportava mais os sonhos, ela volta para a Bahia para gravar algumas partes do disco meio que dizendo "eu fui, mas nunca esqueci de vocês. É por isso que voltei". E esse sentimento está presente nas músicas de "Matriz".

É um documentário curto e passa bem rápido pelo dinamismo empregado na rápida edição, que consegue contar e mostrar as várias fases da cantora de um jeito leve e dinâmico. Como todo mundo, Pitty mudou com o passar dos anos. E ainda bem.


"Mangueira Em 2 Tempos" (2019)

Direção: Ana Maria Magalhães. Duração: 90 min. Elenco: Mestre Wesley, Alcione, Ivo Meirelles, Érika, Buí do Tamborim. País: Brasil

"Mangueira Em 2 Tempos" é a continuação quase direta de "Mangueira do Amanhã", documentário que mostrava como a Mangueira preparava os jovens para assumir a escola no futuro. Diretora de ambas as obras, Ana Maria Magalhães consegue fazer um retrato de uma parte negligenciada do Brasil ao longo de várias décadas, mas que viu no projeto uma chance de vida.

Com depoimentos variados sobre o início das atividades na escola ainda criança e agora, esses adultos mostram que a vida é realmente uma loucura e que nem tudo que é para ser, vai ser. O personagem principal é Mestre Wesley. Nascido e criado praticamente dentro da Mangueira, ele encontrou na música não uma forma de colocar seu talento para fora, como também para não se envolver com o tráfico -- segundo ele, a maioria dos meninos que começaram com ele no projeto acabaram morrendo.

Alcione e Ivo Meirelles lembram o início do Mangueira do Amanhã e como esse projeto musical deu a muita gente comida, disciplina e senso de trabalho em equipe que não teria em outro lugar. E oportunidades incríveis de trabalho e de viagens que muita gente não tem ao longo de uma vida toda.

Claro, nem tudo na vida é fácil e Mestre Wesley é uma prova disso. Os 20 minutos finais do documentário são de arrepiar e o final pode arrancar lágrimas. Afinal, a consagração demorou, mas veio.


"Rebel Dread" (2020)

Direção: William E. Badgley. Duração: 86 min. Elenco: Don Letts, Mick Jones, John Lydon, Paul Simonon. País: Reino Unido

Um documentário sobre um documentarista parece algo meio "A Origem" (2010), mas serve para explicar "Rebel Dread". O longa conta a história de como Don Letts, filho de jamaicanos, foi se envolvendo na eferverscência cultural da Londres do final dos anos 1970. Quando percebeu, acabou virando o elo entre o pessoal do punk (brancos) e o pessoal do reggae (negros).

O diretor William E. Badgley optou por um formato simples na edição ao inserir entre as entrevistas imagens da obra de Don Letts espalhadas pelos últimos 45 anos. O arquivo imenso é complementado por depoimentos de gente do calibre de Mick Jones, John Lydon e Paul Simonon -- apenas a nata do punk britânico dos anos 1970.

Mas Letts foi além ao não ficar parado fazendo apenas uma coisa. Ele um desses caras de fundamental para qualquer cena: um interessado em fazer coisas que o motivem. E uma dessas coisas foi ligar a câmera e filmar. Assim, ele construiu um arquivo valioso de imagens sobre o punk e conseguiu contribuir para a história da música ao lançar documentários e materiais sobre o gênero.

O longa também desmistifica o ídolo e mostra que, assim como toda pessoa, ele também errou muito ao longo da vida, principalmente com os filhos. Nada como o tempo para curar as feridas para seguir em frente. Casado, ele, aos 64 anos, é avô e parece bem confortável nesse novo papel.

"Rebel Dread" é a história de um homem que ajudou a escrever uma página muito importante na música mundial. Suas contribuições, atrás ou na frente das câmeras, foram fundamentais para deixar gravado para qualquer um que goste de se aprofundar um pouco mais na história da música.


"Kate Nash: Underestimate the Girl" (2018)

Direção: Amy Goldstein. Duração: 89 min. Elenco: Kate Nash, Alicia Warrington, Linda Buratto, Marie Nash. País: Estados Unidos

Kate Nash é uma das primeiras cantoras do Reino Unido a ser descoberta através do MySpace, site de música que era sustentado pela comunidade. Lá, era possível conhecer diversas bandas e fazer amizades com pessoas pelo mundo. E ela estourou com o single "Foundations", uma mudança de vida muito radical para uma garota de apenas 20 anos. E Kate Nash se encheu de tudo.

"Kate Nash: Underestimate the Girl" um documentário em formato de vlog em que a cantora começou a ligar a câmera e a conversar como se estivesse na presença de alguma pessoa -- e muitas vezes estava, já que ela está sempre indo de um lado para o outro. O longa, ainda que não seja essa a intenção imediata, acaba mostrando como a indústria da música funciona: se você não traz valor, você está fora. Sim, é cruel assim.

Kate Nash passa por um bocado de coisas ao longo das filmagens e a falta de perspectiva é latente. Mas as coisas mudam, ainda que em uma velocidade não desejável para alguém completamente desesperada como ela. Mas mudam, e isso é bem importante.

O documentário em si não tem nada de novo ou surpreendente, então o papel da edição é muito mais conseguir unir as peças desse quebra-cabeça e montar uma boa história. O resultado é plenamente satisfatório para a cantora e para o público.


"Stiv - No Compromise, No Regrets" (2019)

Direção: Danny García. Duração: 85 min. Elenco: Stive Bators, Nina Antonia, David Arnoff, Eddy Best. País: Espanha

Os primeiros minutos de "Stiv - No Compromise, No Regrets" ajudam a entender um pouco quem foi Stiv Bators, vocalista da bandas Dead Boys e The Lords of the New Church, mas é no final que dá para ter uma ideia da grandeza dele entre os grupos que formaram a comunidade punk em Nova York nos anos 1970. "Ele viveu várias vidas em uma". E foi isso mesmo.

Para contar essa história, Danny García opta pelo formato mais simples possível: imagens de arquivos e depoimentos de amigos e companheiros de banda ao longo dos anos. É o tipo de trabalho que não é genial, mas entrega o suficiente para fazer qualquer um entender um pouco mais quem foi o vocalista, suas ambições, sua personalidade e seus problemas.

É o tipo de documentário em que as histórias falam por si só. É cada uma mais cabeluda do que a outra, que controlar o riso é praticamente em vão. "Stiv - No Compromise, No Regrets" não enfeita e faz jus a um dos personagens pouco lembrados quando se conta a história do punk.


"Valeu, Animais! – Os 25 anos do programa mais maldito do rádio brasileiro" (2017)

Direção: Frederico Moschen Neto e Ivan Vinagre. Duração: 122 min. Elenco: André Barcinski, André Forastieri, Álvaro Pereira Jr, Paulo Cesar Martin, Trovão. País: Brasil

Seja nos anos 1990 ou no início dos anos 2000, o Garagem pegou todas as regras do sucesso e jogou na lata do lixo para fazer algo único -- seja lá o que isso signifique. De entrevistas históricas que quase ninguém ouviu até músicas que pouca gente lembra, o programa foi líder de fracasso de audiência. Mas, como bem lembrou o jornalista Álvaro Pereira Jr, quem ouviu não esqueceu nunca.

O programa, que teve encarnações na Rádio Gazeta, na Brasil 2000 e na Rádio UOL, comemorou os 25 anos da primeira edição em 2017, quando André Barcinski, André Forastieri, Álvaro Pereira Jr e Paulo Cesar Martin juntaram uma galera da pesada em cinco horas ao vivo, na 89FM, em São Paulo, para contar histórias, relembrar outras, entrevistar personagens célebres, tocar muita música e, claro, quebrar uns discos.

A filmagem dessa reunião resultou em "Valeu, Animais!", basicamente um resumo do que aconteceu naquela noite insana. É o tipo de documentário bom (e melhor) para quem conhece a história do programa e ótimo para dar umas risadas, principalmente quando Trovão chega e a coisa desanda de um jeito em que rir é a melhor solução.

O Garagem foi um desses programas de rádio que fez muita diferença na vida musical de um bando de adolescentes muito antes de qualquer um ter acesso a tudo. E essa reunião foi uma boa pedida para recordar esse tempo divertido e gostoso de lembrar.


"Porfírio Do Amaral: A Verdade Sobre O Samba" (2019)

Direção: Caio Rubens. Duração: 83 min. Elenco: Porfírio do Amaral, Chico Buarque, Mateus Aleluia, Margareth Menezes, Antonio Pitanga. País: Brasil

A música é muito curiosa em vários aspectos. Uma dessas curiosidade é que quem vende muito entra para a história, mas a história nem sempre é justa com outros personagens. É o caso de Porfírio Do Amaral, um dos grandes compositores do samba brasileiro que raramente é lembrado dentro e fora do meio. "Porfírio Do Amaral: A Verdade Sobre O Samba" ajuda a explicar quem foi o homem e o músico.

Além de contar a história do compositor que pouco gravou, o longa também ajuda a explicar não só a origem do samba, mas como o gênero se dividiu em vários subgêneros com o passar dos anos. E como bem lembram, a base do ritmo e dos instrumentos segue os primórdios, mesmo com a melhoras tecnológica de instrumentos e outras coisas.

Porfírio soa como uma espécie de Velvet Undergrond do samba. Quase ninguém ouviu, mas quem ouviu ficou extremamente tocado por suas letras melancólicas sobre a própria vida, os próprios problemas, encantos e desencantos. O documentário também elucida o motivo de o programa "Ensaio", comandado por Fernando Faro, gravado com ele jamais ter ido ao ar -- trechos são exibidos e o próprio músico conta um pouco da própria história

Os depoimentos de Chico Buarque, Mateus Aleluia, Margareth Menezes, Antonio Pitanga, Nelson Sargento, Carlinhos Brown e outros ajudam a elucidar a carreira de Porfírio e contar um pouco da história do próprio sambas e as raízes do instrumento. O final é dos mais tocantes, quando o público tem acesso a intimidade do compositor em uma casa bastante humilde.

Vale muito assistir "Porfírio Do Amaral: A Verdade Sobre O Samba" para conhecer esse personagem fascinante em um material bastante rico em depoimentos e muita música.


"Garoto - Vivo Sonhando" (2019)

Direção: Rafael Veríssimo. Duração: 105 min. Elenco: Paulinho da Viola, Roberto Menescal, Carlos Lyra, João Donato. País: Brasil

Aníbal Augusto Sardinha, então muito jovem, havia sido convidado para fazer uma participação em um programa de rádio. Pois no momento em que seu nome deveria ser anunciado, o apresentador simplesmente esquece, ao passo que diz o apelido que o rapaz levaria até o fim da curta vida. "Garoto - Vivo Sonhando" joga luz na história de um dos melhores instrumentistas da música brasileira.

Nos anos em que esteve em atividade, Garoto fez do violão o principal instrumento e seu ganha-pão. Ele tocava outros instrumentos de corda, mas era com o violão que mais se destacava. Logo, ele estava na Rádio Nacional tocando com os melhores músicos da época e fazendo história com suas gravações até hoje, milagrosamente, preservadas.

"Garoto - Vivo Sonhando" tem um trabalho de pesquisa minucioso em que consegue ir avançando no tempo da história sem fazer movimentos bruscos. É um documentário leve e informativo, exatamente como uma obra desse tipo precisa ser. Nem todo mundo conhece a história de Garoto, então um contexto, sem exageros, é necessário.

O estilo empregado pelo diretor Rafael Veríssimo em misturar as narrações do diário do músico com depoimentos e muita música ajuda muito a entender quem era o personagem, sua história, suas ambições e como ele sempre queria tirar o máximo do violão.

"Garoto - Vivo Sonhando" é um dos melhores documentários que vi nesse ano e é desses de chorar de tão bonito e inspirador.


"Swans: Where Does A Body End?" (2019)

Direção: Marco Porsia. Duração: 105 min. Elenco: Michael Gira, Amanda Palmer, Thurston Moore, Lee Ranaldo, Jarboe. País: Canadá

Michael Gira é um dos músicos mais aclamados da cena alternativa do rock dos Estados Unidos dos últimos 40 anos. E ele pode dizer com orgulho que chegou nesse ponto sem ceder nenhum pouco no que desejava fazer musicalmente na liderança do Swans -- muito mais do um projeto musical, mas uma vida inteira de pura dedicação.

"Swans: Where Does A Body End?" percorre todos os anos da vida de Gira para mostrar como ele chegou até aqui. Dos problemas em casa às inúmeras prisões ainda na adolescência, ele tinha tudo para não absolutamente nada. Mas então veio o gosto pela arte, depois o gosto pela música. Então a coisa cresceu e ele simplesmente misturou tudo para formar o Swans.

Os depoimentos de ex-integrantes, amigos de cena, como Thurston Moore, Lee Ranaldo, e fãs famosos mostram como a posição de Gira em seguir fazendo o que gosta atraiu muito mais gente do que ele poderia imaginar nos melhores sonhos. Claro que esse tipo de linha de pensamento sempre (sempre mesmo) tem um preço a ser pago. E foi, quando ele encerrou o grupo para fazer outra coisa.

As entrevistas com Gira são o grande momento do longa e dá para ver como ele está confortável para contar a própria história, revelar problemas, explicar soluções e se expôr para o público entendê-lo melhor. Com um entrevistado assim, fica fácil conseguir ótimas histórias. É o resultado final de "Swans: Where Does A Body End?", uma ode a um artista dos mais raros e sempre pronto para seguir em frente sem nunca se acomodar.


"Encantadeiras - O Canto e o Encanto das Quebradeiras de Coco Babaçu" (2019)

Direção: Betse de Paula. Duração: 79 min. Elenco: Cilene de Morais, Dijé Bringelo, Iracema Vieira, Maria das Dores, Nice Machado, Raimunda Nonata e Sebastiana Ferreira. País: Brasil

São tantos lugares diferentes nesse Brasil imenso, de território e população, que é impossível ter conhecimento sobre tudo que acontece. É o caso das quebradeiras de coco babaçu, que vivem da extração da fruta há muitas gerações. Mas se você pensa que o trabalho duro é apenas em recolher o coco, ledo engano. Há muito mais e o documentário "Encantadeiras - O Canto e o Encanto das Quebradeiras de Coco Babaçu" mostra como é a vida dessas mulheres.

As Encantadeiras formaram um grupo que passa de cidade em cidade para falar sobre a própria vida de muita luta e ensinar que só a união é capaz de fazer mudanças, ainda que lentas, benéficas a todos os envolvidos. Nisso, a diretora Betse de Paula tem muito mérito em conseguir contar essa história usando a música como pano de fundo.

Ela também mostra uma sensibilidade das maiores ao colocar as personagens para falar enquanto imagens de lugares no interior do Norte e Nordeste são mostradas. E a história é muito mais difícil e densa do que qualquer um poderia imaginar. Mortes, perdas de casas, emboscadas, tudo isso foi feito para acabar com a extração do coco em determinadas regiões. Elas se uniram, lutaram e estão aí, mostrando ao mundo que a mudança vem, mas não sem luta.

Um dos documentários mais emocionantes dessa edição do In-Edit Brasil -- eu chorei ao final --, "Encantadeiras - O Canto e o Encanto das Quebradeiras de Coco Babaçu" ensina a não banalizar a luta por coisas melhores. Espero, de coração, que elas se mantenham firmes nesses tempos tão estranhos e complicados.


"Sambalanço - A Bossa Que Dança" (2019)

Direção: Tárik de Souza e Fabiano Maciel. Duração: 90 min. Elenco: Durval Ferreira, Ed Lincoln, Orlandivo, Eumir Deodato, Elza Soares, Ed Motta e Paulo Silvino. País: Brasil

Enquanto a Bossa Nova encantava os estrangeiros e a Jovem Guarda tomava conta da televisão, existia um outro tipo de música que fazia os jovens dançarem até às 4h da manhã. Era o sambalanço, um subgênero dançante e de bastante sucesso entre o meio dos anos 1950 e o final da década de 1960.

Tárik de Souza e Fabiano Maciel fazem de "Sambalanço - A Bossa Que Dança" uma espécie de história oficial. Bem editado e com muita música, o documentário pega na mão do espectador e explica, usando os principais personagens do estilo, como os músicos que fizeram a história do sambalanço conseguiram encantar toda uma geração de pessoas.

Nesse tipo de longa o que vale mesmo são as histórias contadas pelos personagens. E, para citar alguns, Durval Ferreira, Ed Lincoln, Orlandivo, Eumir Deodato e Paulo Silvino não decepcionam ao arrancar risadas e emocionar quando falam abertamente sobre aquela época e como eles conseguiram fazer sucesso ainda muito jovens.

"Sambalanço - A Bossa Que Dança" é uma aula sobre música brasileira. Ao mesmo tempo que é ruim ver tanto músico bom que já não está mais entre nós, é ótimo que deu tempo pegar o depoimento de todas essas pessoas. É o tipo de documentário que qualquer um quer sair ouvindo e dançando as músicas assim que acaba.


"Tempo Zawose" (2019)

Direção: Lwiza Gannibal. Duração: 52 min. Elenco: Julius Zawose, Ndahani Zawose, Msafiri Zawose, Sina Ubi Zawose, Lucas Zawose. Países: Brasil e Tanzânia

O continente africano tem uma rica tradição de muitos séculos em instrumentos e na música. Em "Tempo Zawose", a diretora Lwiza Gannibal faz um pequeno recorte ao contar a história da família Zawose, suas canções tradicionais e os instrumentos manuais feitos há gerações por um povo que se mantém fiel aos ensinamentos antigos.

Caso você tenha certo conhecimento sobre instrumentos musicais, logo vai entender como muitos de alguns que vemos com bastante frequência são variações históricas de peças feitas há centenas de anos por povos que não teriam chegado até aqui se não fosse a escravidão. Por exemplo, um dos instrumentos parece muito uma mistura de berimbau, usado nas rodas de capoeira, com uma cítara, famoso instrumento indiano.

"Tempo Zawose" ajuda a entender um pouco essa cultura, como ela foi preservada ao longo dos anos, destaca a influência do nome mais famoso da família Zawose e como essa tradição já está sendo passada para as crianças -- a próxima geração de músicos e construtores de instrumentos.


"Faça Você Mesma" (2019)

Direção: Letícia Marques. Duração: 72 min. Elenco: Isabella Gargiulo, Carol Pfister, Patricia Saltara. País: Brasil

Toda cena de música começa do zero ou praticamente. Geralmente, um pessoal começa a gostar de música, consegue um instrumento de algum jeito, começa a praticar, forma uma banda e logo começa a fazer shows. A diretora Letícia Marques mostra em "Faça Você Mesma" que o caminho para garotas e mulheres é um tanto mais complicado do que deveria ser.

O documentário pega o espectador pela mão e explica desde o início como as então adolescentes começaram a ter banda nos anos 1990. Nisso, ao ter contato com revistas da época, muitas descobrem o Riot Grrrl, um movimento feminista dentro do rock/punk da época. Algumas entraram de cabeça nisso e começaram a escrever sobre o assunto. Caro, a coisa foi ficando mais e mais complicada.

Machismo, agressões verbais, brigas, tudo isso precisou ser encarado por garotas que desejavam seguir os passos de seus ídolos na música. Os depoimentos mostram como o sonho chegou a virar pesadelo em vários momentos. Mas elas não arredaram o pé em nenhum momento, afinal alguém precisava capinar o mato para abrir espaço para a próxima geração.

"Faça Você Mesma" é muito bom, conta com imagens de arquivos e consegue explorar o melhor das entrevistadas que fizeram história de algum jeito. Se hoje várias garotas podem montar uma banda e enfrentar qualquer coisa de cabeça erguida, precisam agradecer a esse grupo de mulheres que foram as pioneiras no movimento Riot Grrrl no Brasil.


"Sufi, Saint & Swinger" (2019)

Direção: Andrés Borda e Camilla French . Duração: 71 min. Lloyd Miller. Países: Colômbia, Reino Unido e Estados Unidos

Ao terminar de assistir "Sufi, Saint & Swinger", o primeiro pensamento foi: "se ninguém tivesse mostrado esse documentário e tivesse apenas me contado a história, eu diria que é um delírio ou uma peça de ficção exagerada". Pois não é. Lloyd Miller, ou Kurosh Ali Khan, é uma montanha-russa de emoções das próprias tragédias pessoais.

O jovem Lloyd Miller aprontou poucas e boas até que, um dia, a polícia estava atrás dele. Os pais o resgataram da casa dos avós e o levaram a um sanatório, onde levou eletrochoques e outros remédios que o faziam esquecer quem ele era. Um dia, o pai o tira de lá e anuncia que conseguiu um emprego no Irã, anos antes da revolução. Mas antes, os pais dele dão uma passadinha em um bispo mórmon, que hipnotiza o garoto e informa que ele será um músico de sucesso ao misturar jazz com música tradicional persa. Pois isso aconteceu mesmo.

"Sufi, Saint & Swinger" é inacreditável ao contar essa história, narrada por Kurosh Ali Khan em terceira pessoa -- ele considera o jovem Miller uma outra vida. Khan fez um enorme sucesso no Irã durante mais de uma década com um programa de TV em que mostrava seus experimentos musicais para uma platéia de admiradores.

A chamada revolução viraria sua vida de ponta-cabeça pelo resto de seus dias e ele nem sabia que, ao retornar aos Estados Unidos, um destino cruel o esperaria. O documentário é um pouco cansativo em determinados momentos, mas vale muito a pena assistir até o final. É uma história e tanto.

 


"Zé Pedro Rock'n'Roll" (2019)

Direção: Diogo Varela Silva. Duração: 110 min. Henrique Amaro, Jorge Barata, Dony Bettencourt, João Cabeleira. País: Portugal

Zé Pedro foi guitarrista da banda Xutos & Pontapés, provavelmente o grupo de rock mais importante da história de Portugal. Morto em 2017, ele ganhou uma bonita homenagem no documentário "Zé Pedro Rock'n'Roll", dirigido por Diogo Varela Silva.

O estilo da edição é o mais simples possível: depoimentos dos membros da banda, dos amigos, da família e da mulher vão preenchendo os 110 minutos de longa. E a história de Zé Pedro é dessas sensacionais. Basicamente, ele era um fanático por música, um conhecedor nato, um especialista que se esforçou muito e teve uma banda, vários projetos, programa de rádio e realizou o sonho de ter o Xutos & Pontapés abrindo um show dos Rolling Stones. Tudo funciona bem e ajuda a atrair o espectador para ir até o final.

É muito bom conhecer esse tipo de personagem, principalmente pela facilidade -- ou uma dificuldade menor -- na língua. Aliás, esse intercâmbio de bandas, filmes e arte de maneira geral deveria acontecer mais entre Brasil e Portugal. Ambos têm muito a ganhar com isso. A riqueza da música portuguesa (rock, pop e outros gêneros) é imensa.

"Zé Pedro Rock'n'Roll" ajuda a qualquer um a entender quem foi esse ícone do rock português e como, três anos após sua morte, ele segue sendo referência para qualquer um que deseja fazer rock em Portugal.

 
"The Quiet One" (2019)

Direção: Oliver Murray. Duração: 98 min. Bill Wyman, Andrew Loog Oldham, Suzanne Accosta, Keith Richards, Mick Jagger. País: Estados Unidos

A saída Bill Wyman dos Rolling Stones nunca foi bem explicada. Era sempre "ele cansou" ou "eu cansei". Dentre todos os membros da banda, o baixista era sempre o mais discreto e pouco efeito ao que acontecia com os outros integrantes. "The Quiet One" fala sobre isso e muito mais coisas, em um trabalho dos mais reveladores sobre Wyman.

Nos primeiros minutos, logo vemos que ele é um colecionador nato, desses que cataloga tudo e organiza nos mínimos detalhes. E é a partir dos próprios arquivos dele que a história de vida, incluindo aí 31 anos nos Stones, é contada por ele mesmo e pessoas que conviveram com ele nos últimos 60 anos. Impressiona o tanto de coisa que ele tem.

O trabalho de Oliver Murray deve ter sido dos mais difíceis na hora de fazer a montagem do material, já que as opções eram vastas. E as histórias desse bom documentário também. A descrição enquanto membro da banda acaba por completo fora dela, quando podia ser ele mesmo. Muitos dos fatos famosos nas palavras de Mick Jagger ou Keith Richards ganham uma nova perspectiva por parte dele.

E, sim, ele revela o motivo verdadeiro por ter deixado os Rolling Stones. Mas o mais importante é que Bill Wyman, hoje, é feliz por ter feito essa escolha. E Murray mostra, como naquele famoso clichê, que foi bom enquanto durou.
 
"Batida de Lisboa" (2019)


Direção: Rita Maia e Vasco Viana. Duração: 75 min. Elenco: - País: Portugal.

A imigração nos últimos anos transformou boa parte da Europa e mudou radicalmente diversas estruturas culturais ou de costumes. Em Portugal, isso aconteceu com a chegada dos imigrantes doa países lusófonos -- Angola, São Tomé, Cabo Verde e Guiné Bissau. "Batida de Lisboa" mostra de maneira didática como essa influência chegou na música.

Todos esses países têm seus próprios ritmos e danças, então todos os jovens filhos de imigrantes usam da música que ouviam em casa e, misturada com outros gêneros, criam algo único. Isolados das grandes cidades graças a um programa de retirada das pessoas do centro, eles acabaram se fechando para criar a própria música.

Os depoimentos falam sobre de onde eles vieram, o tipo de música que eles fazem, o que eles querem para a vida e o futuro. Sem quase ninguém para ajudar, eles só têm a eles mesmos para subir a longa estrada da vida. E as músicas têm de tudo: de um tom mais festeiro a algo mais político.

O documentário também acaba lembrando, ainda que não por opção, que a música brasileira tem muito mais em comum com Angola, São Tomé, Cabo Verde e Guiné Bissau do que imaginamos. É um "já ouvi isso em algum lugar" o tempo inteiro que ajuda a entender que não viemos do nada. Tem muita história antes. E é sempre bom lembrar.


"The Men's Room" (2018)

Direção: Petter Sommer e Jo Vemund Svendsen. Duração: 74 min. Elenco: Knut Akselsen, Nils Andersen, Lars Tefre Baade, Svein Bjørge. País: Noruega.

Um maestro prepara um coro formado apenas por homens para a maior e mais importante apresentação da vida deles: a abertura do show do Black Sabbath na Noruega. Mas ele descobre, há poucos dias da apresentação, que tem câncer terminal. E isso não só muda a perspectiva de vida do líder do coral, como do próprio coro.

Petter Sommer e Jo Vemund Svendsen escolhem não lamentar a futura perda do maestro, mas celebrar o trabalho dele junto a esses homens e a importância do coral na vida deles. E nem dava para fazer isso, seria forçar a barra de maneira terrível. É um incrível senso de amizade e comunidade, que tudo é decidido em grupo, com muita dose de comédia tanto na relação quanto nas apresentações -- impossível não rir nos primeiros minutos.

Todo um senso de amizade e de perda vai aflorando à medida em que o tempo passa e as condições de saúde do maestro vão piorando. Afinal, o que fazer? E o tempo todo as câmeras registrando o coro, nos últimos ensaios antes da apresentação, e de uma ida ao hospital das mais tristes.

Os últimos momentos são dos mais comoventes. Sem forçar a barra, os diretores mostram como a música foi fundamental para unir essas pessoas. "The Men's Room" é um documentário dos mais bonitos ao conseguir celebrar a amizade como uma das coisas mais lindas da humanidade -- eu não chorei, você que chorou. 


"The Changin’ Times of Ike White" (2019)

Direção: Daniel Vernon. Duração: 77 min. Elenco: Ike White, Daniel Vernon, Lana Gutman. País: Reino Unido.

Imaginem só: preso por assassinato, um homem é descoberto como um músico tão talentoso que houve um grande interesse em seu trabalho ao ponto de Stevie Wonder se envolver para ajudá-lo a sair da cadeia. Essa é a história de Ike White. Ou David Maestro. Ou qualquer outro nome que ele tenha usado ao longo de mais de 40 anos.

"The Changin’ Times of Ike White" é um desses documentários inacreditáveis -- se alguém me contasse isso, perguntaria: "é série da Netflix, né?". As entrevistas de Daniel Vernon são fundamentais para entender quem é esse músico misterioso e como, logo depois de sair da cadeia, ele jamais conseguiu repetir o curto sucesso que havia feito.

Então, uma reviravolta e tanto no documentário transforma a narrativa, colocando a atual mulher de White como a principal entrevistadora na segunda parte. É algo completamente inesperado, já que gera muito mais perguntas do que respostas imediatas. Aos poucos, vemos que a vida do músico foi muito mais complicada do que qualquer um imagina.

O longa é desses que mostra como muitos músicos talentosos ficam pelo meio do caminho por uma série de coisas, mas a vida de Ike White (ou David Maestro) é simplesmente inacreditável. Dessas que rende uma série.


"Punk The Capital: Building a Sound Movement" (2019)

Direção: Paul Bishow, James Schneider. Duração: 89 min. Elenco: Ian MacKaye, H.R., Henry Rollins, Darryl Jenifer. País: Estados Unidos.

Washington, capital dos Estados Unidos, era o lugar menos ideal possível para ter uma cena punk. Diferente de Los Angeles, San Francisco, Nova York ou Londres, a cidade era vista como um lugar sem graça e com poucas pessoas dispostas a criar qualquer coisa, já que uma parte considerável estava ali por conta do trabalho dos pais na cidade.

O nome "Punk The Capital: Building a Sound Movement" explica bem o documentário de Paul Bishow e James Schneider, porque realmente foi a construção de uma cena punk na cidade. E eles esclarecem de largada: o Bad Brains ficou com o título de primeira banda do tipo em Washington, mas não é bem assim. Tem um período antes -- sempre tem um pessoal que abre o matagal, não é mesmo?

Os depoimentos dos envolvidos são incríveis e a memorabilia do período é fantástica -- eles guardam tudo! Depois do pessoal do Bad Brains, o grande destaque é Ian MacKaye. Membro-fundador do Minor Threat, e anos depois do Fugazi, ele foi um dos que mais se envolveu ao coadministrar a gravadora Dischord com Jeff Nelson. Muita coisa só foi registrada em um disco por conta da existência do selo no melhor estilo "faça você mesmo".

O longa serve para mostrar como uma cena pode, sim, sair do zero para fazer história. Muitas das bandas do período viraram referências para muita gente de sucesso em meados dos anos 1980 até o início da década seguinte. E ainda continuam ganhando fãs tantos anos depois, ainda mais com esse documentário dos melhores.


"Ventos que Sopram - Pará" (2020)

Direção: Renato Barbieri. Duração: 80 min. Elenco: Felipe Cordeiro, Dona Onete, Gaby Amarantos, Ximbinha. País: Brasil.

"A próxima revolução musical brasileira vem do Pará", disse, certa vez, o produtor Carlos Eduardo Miranda (1962-2018). E ele estava certo. Não só para celebrar o estado como para contar a história da música local, "Ventos que Sopram - Pará" conta com o músico Felipe Cordeiro, um misto de entrevistador e personagem, para conduzir conversas deliciosas sobre as origens e o atual momento.

O longa, além dos depoimentos de gente da nova e da velha geração, conta com muita música. Muita mesmo, dessas de querer sair dançando -- está aí uma vantagem de um festival de documentários musicais 100% online: dá pra dançar e cantar enquanto assiste.

Renato Barbieri apresenta bonitas imagens em uma edição que mistura aula de história com muita música. Dinâmico, o documentário ensina muita coisa e mostra como o Brasil é imenso e não conhecemos como deveríamos. E também é o tipo de longa que dá uma vontade danada de viajar só para conhecer os lugares e ouvir a música. Assim que é bom.
 
 
"The El Duce Tapes" (2019)


Direção: Rodney Ascher e David Lawrence. Duração: 100 min. Elenco: El Duce, Gwar, Steve Broy, Eric Carlson. País: Estados Unidos.

Misógino, racista, repulsivo... Muitas dessas palavras foram, e são, usadas para definir quem foi El Duce, líder da banda The Mentors. Feito a partir de imagens de arquivos guardadas por anos, "The El Duce Tapes" mostra a intimidade do cantor e ainda conta com depoimentos de pessoas bem próximas a ele na época.

O início do documentário é um tanto desconfortável, para falar o mínimo, então ter um estômago forte para não parar no meio é algo necessário. À medida em que a narrativa avança, vamos vendo que Eldon Hoke é um homem alcoólatra e claramente a infância perturbada pelas surras levadas pelo rígido pai acabaram contribuindo para um comportamento ainda mais agressivo do que o normal para alguém tão novo.

Focar com dó de El Duce talvez não seja o caminho que muita gente vai tomar após assistir ao documentário, mas uma reflexão acaba sendo feita, principalmente na parte final. Aliás, os últimos anos de vida dele são lamentáveis quando seu alcoolismo é usado como diversão para outras pessoas em festas.

Com uma montagem das melhores, é possível entender um pouco desse personagem que virou a cabeça de uma parte considerável da população nos Estados Unidos entre o meio dos anos 1980 e o início da década seguinte. Mas, como disse a irmã dele, ele era incapaz de fazer mal a qualquer pessoa. E nunca saberemos se era realmente sério o que ele dizia ou se era apenas vontade de aparecer da pior maneira possível.


"Elton Medeiros - O Sol Nascerá" (2019)

Direção: Pedro Murad. Duração: 86 min. Elenco: Elton Medeiros, Vidal Assis. País: Brasil.

Elton Medeiros (1930-2019) foi um sambista dos mais especiais. Envolvido com o gênero desde garoto, trabalhou com gente como Cartola, Paulinho da Viola, Zé Kéti e outros tantos músicos. Nos últimos momentos de vida, acabou trabalhando nesse documentário chamado "Elton Medeiros - O Sol Nascerá", um perfil dele e do próprio samba com muita música.

Vidal Assis é uma espécie de ouvinte, condutor da entrevistas e intérprete dos muitos sucessos do compositor, mas é Medeiros quem brilha com suas histórias, indignações e outras coisas que só o acúmulo do tempo é capaz de dar a uma pessoa. Cego, ele precisa de ajuda para muita coisa. Menos para cantar, ainda que um pouco rouco.

"Elton Medeiros - O Sol Nascerá" acaba sendo uma bonita homenagem a quem nos deixou a pouco mais de um ano. E entre tantas histórias e improvisos feitos na hora, o amor pela música seguiu inabalável até o último momento.


"Nada Pode Parar os Autoramas" (2020)

Direção: Bruno Vouzella, Manoel Magalhães. Duração: 20 min. Elenco: Gabriel Thomaz, Bacalhau, Simone. País: Brasil.

Das bandas independentes brasileiras, o Autoramas acabou virando uma espécie de símbolo. Não apenas pela longevidade do projeto, mas por conseguir mostrar que é possível ser um artista independente no Brasil, mesmo com as inúmeras dificuldades que o mercado apresenta.

O curta "Nada Pode Parar os Autoramas" fala sobre o disco de mesmo nome lançado em 2003, o ponto de virada do trio em um momento dos mais difíceis. Gabriel Thomaz (vocal e guitarra), Bacalhau (bateria) e Simone (baixo) falam sobre a dificuldade imposta pelo mercado e como deu tudo certo de maneira muito ajustada para todo mundo.

É o tipo de trabalho que merecia virar uma série ao estilo "os melhores discos independentes do rock brasileiro dos anos 2000". Fica aí a ideia e a cobrança dos royalties desde já.


"Dorivando Saravá, O Preto Que Virou Mar" (2019)

Direção: Henrique Dantas. Duração: 86 min. Elenco: Gilberto Gil, Tom Zé, Moraes Moreira, Arlete Soares. País: Brasil.

Dorival Caymmi é um símbolo do Brasil. Seu trabalho na música foi dissecado ao longo dos últimos 60, 70 anos e parecia ter se esgotado, mas não. "Dorivando Saravá, O Preto Que Virou Mar" usa o legado musical do compositor para falar da religiosidade e de ele ser um afro-brasileiro sem tirar nem pôr.

Os depoimentos começam falando da vida de Caymmi, de sua música e usa como pano de fundo uma carta dele para o amigo Jorge Amado, então em Londres. Disso, artistas, estudiosos, amigos e admiradores dissecam a obra do compositor a partir da negritude e da relação com a umbanda, de como ele sempre colocou isso para fora e de como ele conseguiu fazer sucesso cantando sobre o que havia vivido em um tempo bastante complicado.

É o tipo de documentário que ajuda a afirmar ainda mais o nome de Caymmi na cultura brasileira como alguém que cantou exatamente quem ele era, sem fazer concessões. Cheio de bonitas imagens e bem tocante, "Dorivando Saravá, O Preto Que Virou Mar" é uma saudação a um dos grandes da cultura brasileira.


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