Documentário: Cássia Eller, de Paulo Henrique Fontenelle (2014)


Intensa, pessoalmente e musicalmente, é a melhor palavra para definir quem foi Cássia Eller (1962 – 2001), uma das grandes cantoras que o Brasil teve nos últimos 30 anos. Se Lobão disse em sua biografia que preferiu viver 50 a mil do que mil anos a dez, Cássia fez muito mais em pouco tempo, deixando uma lacuna vazia na vida de amigos e da música.

Lançado em 2014, o documentário sobre a cantora dirigido por Paulo Henrique Fontenelle (Loki – Arnaldo Baptista) é linear do início ao fim, sem apelar para idas e vindas ou qualquer coisa do tipo, mostrando a cantora desde seu nascimento até seus últimos dias. Também usando um artifício sem novidade, o diretor intercala imagens de arquivos com depoimentos de amigos, familiares e de Maria Eugênia, mulher de Cássia por mais de uma década.

Mas os artifícios usados pouco importam quando se tem uma personagem tão rica e cheia de histórias. Um aspecto muito positivo em quase 120 minutos de longa é o fato de não explorarem a questão de ela ser lésbica; ao contrário, isso é colocado como algo extremamente normal porque ela é um ser humano e ponto. Mostram que ela era muito maior do que tudo isso, e só a música realmente importava para ela, abaixo apenas do filho e da mulher.

O assunto drogas é inevitável, mas também é tratado com um tom de naturalidade, já que fez parte de um período da vida da cantora. Assim como suas parceiras, a relação com seu filho, sua timidez, suas amizades, tudo é retratado muito naturalmente pelo documentário. Afinal, é uma vida que está sendo colocada na tela e, usando uma frase de um amigo que não está mais entre nós, ninguém está aqui para ser exemplo.

O interessante da carreira musical de Cássia Eller foi seu direcionamento musical. De gritos, algo quase punk, ela atingiu a todos nos quatro últimos anos de sua carreira. Com músicas em novelas, o Acústico MTV e a apresentação no Rock in Rio, ela foi colocada em um escalão muito especial de cantoras brasileiras. Mas uma pena que faltava estrutura emocional para ela lhe dar com todas essas coisas ao mesmo tempo. Na parte final do documentário, Maria Eugênia diz que Cássia sentiu o fato de ser muito amada pelo público, querendo apenas cantar e levar uma vida simples ao lado das pessoas que amava. Não é, e penso que nem será, a última história de alguém que sente a pressão do sucesso, incluindo gravadora, público e banda. Era quase inevitável uma fuga disso tudo, então entram as drogas, ataques da fúria, ligações chorosas para mãe e outras coisas, principalmente no ano de sua morte.

A cantora sofreu uma série de infartos no dia 29 de dezembro de 2001 e não resistiu. O documentário usa um pedaço da repercussão da morte para criticar a famosa capa da revista Veja, que estampou que ela morreu em decorrência do uso de cocaína, algo não verdadeiro e, segundo alguns depoimentos, vai contra o laudo oficial. É outro ponto para se aplaudir na edição.

Cássia Eller é um documentário muito bonito, que deixará até aqueles com coração de pedra com lágrimas nos olhos. Não esconde nada e mostra como ela era amada e uma pessoa muito especial para quem a conheceu intimamente – Nando Reis é um exemplo claro disso. A lacuna deixada é impreenchível, pois, jamais existirá alguém como ela. E uma bela história merecia um belo documentário como esse.



O longa está disponível na íntegra no GNT Play.