Papa Francisco, Patti Smith e um convite histórico


Na última semana, aconteceu algo histórico que passou despercebido por muitas pessoas. O Papa Francisco convidou Patti Smith para apresentar-se no show anual que o Vaticano promove no Natal na Praça de São Pedro, local onde acontecem as missas celebradas pelo representante dos católicos. Apesar dos protestos de alguns arcebispos e pessoas ligadas à igreja, alegando blasfêmia, a apresentação foi confirmada.

Mas por que isso é tão importante? Antes de qualquer coisa, Smith começou a carreira de cantora tarde, aos 30 anos, imitando o movimento que fez Leonard Cohen alguns anos antes: deixando a poesia e as artes visuais de lado para aventurar-se na música. O primeiro disco, o aclamado Horses, saiu em 1975 e ela foi eleita a rainha do punk.

Ela ficou extremamente conhecida pelo verso "Jesus died for somebody's sins, but not mine" (Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não pelos meus), e isso, claro, criou polêmica, protestos e várias outras coisas. Smith frequentou a igreja por vários anos, entretanto, em algum momento entre a adolescência e fase adulta, deixou de acreditar em Deus e nos dogmas da igreja. Nos últimos anos, uma mudança de postura tem sido vista por parte dela. Recentemente, para o podcast All Together, do Huffington Post, a cantora falou sobre o assunto citando a letra de “Glória”, que leva o tal verso.

“Não significa que eu não acredite em Jesus. Era uma declaração de uma jovem cheia de vida e independente. Minhas ideias sobre Jesus e seus ensinamentos têm evoluído ao longo dos anos”, contou. “Eu ainda estudo as escrituras. Às vezes, estudo com a minha irmã, que é Testemunha de Jeová, mas estudei todas as religiões. Não falo em dogma da religião, mas na história, arte e forma de orar. Leio Bíblia desde que era muito jovem. Eu tenho meu próprio caminho, minha própria estrutura moral e minha própria interpretação da Bíblia, que está sempre evoluindo e mudando.”

O motivo de ter aceitado o convite passa pela admiração ao novo papa. Mais humilde e mais disposto ao diálogo com o povo, Francisco tem sido visto, até pelos mais céticos, como o necessário ponto de virada que a igreja católica buscava nos últimos anos. É uma pessoa extremamente popular, talvez o grande personagem deste ano.

"Ele ama as pessoas", disse Smith. "Ele cumpre suas obrigações [como papa], mas parece não esperar para escapar delas e falar com as crianças, pessoas em cadeiras de rodas, pessoas mais velhas ou jovens casais, ele adora falar com eles. É uma coisa tão genuína. Ele ama as pessoas. Ele ama o homem comum.”

Ela acredita fielmente que o argentino pode fazer diferença no mundo atual. “Acho que ele é um visionário. Se estivesse completamente livre para fazer até mesmo reformas mais radicais... O papa está sentado nessa piscina de riqueza, vestindo roupas caras e deve ser muito difícil conciliar essa riqueza com a pobreza no mundo. Mas ele faz o que pode para declarações simples como na forma em que se veste, no jeito que ele vive e gosta de partir o pão com os seus irmãos - ele faz essas coisas e shows, por exemplo”, finalizou.

Depois de ler essas declarações, obviamente a apresentação não agradará a todos. E claro que até mesmo alguns fãs da cantora não vão gostar de vê-la cantando no “território inimigo”. Patti Smith não é mais uma moça revoltada que tinha muita amargura para colocar para fora – como dar sua primeira filha para adoção, em 1967 –, ela é uma senhora com quase 70 anos e que está em uma nova fase de sua vida. Não que ela tenha abandonado completamente suas convicções, mas chega uma época de sua vida que você passa a compreender melhor a opinião dos outros, respeita e até estuda um pouco para entender o assunto.

Ninguém está aí para ser exemplo, mas se existe um momento de 2014 que guardarei para sempre é esse convite do papa para Smith. São duas pessoas completamente diferentes, transitando em mundos opostos, que optaram por uma trégua. Podem não virarem amigos, porém é um momento histórico, desses que os livros precisam registrar. As próximas gerações merecem saber que existiu um papa argentino que abriu a casa para rainha do punk, provando que todos são bem-vindos no Vaticano e sempre existe espaço para entender a opinião e gosto do próximo, mesmo sendo completamente diferente. Se é um passo para uma mudança? Ninguém sabe, mas é um passo de respeito.

Li sobre o assunto aqui e aqui, e aqui é possível ouvir o podcast.




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