Discos para história: Nora Ney, de Nora Ney (1958)

História do disco

Dentre as cantoras da Era do Rádio, período de sucesso em que o veículo era o único nas casas brasileiras conseguia emplacar grandes nomes pelo tamanho e alcance, talvez Nora Ney seja a mais lembrada pelo motivo errado. Fã de samba-canção, nasceu em 20 de março de 1922 e teve uma vida muito diferente das amigas. Enquanto a maioria dos pais condenava qualquer tentativa de viver de música, a adolescente Iracema de Sousa Ferreira ganhou um violão do pai, que a incentivava a aprender o instrumento.

Desde muito nova, sempre foi uma apaixonada por música e frequentava os programas de auditório de sucesso no rádio. Foi aliando esse amor com o presente que passou a aprender as primeiras músicas. Disso, foi um salto para conseguir as primeiras apresentações no início da carreira ainda amadora. Mas foi quando passou a frequentar as reuniões do fã-clube Sinatra-Farney, na casa do cantor Dick Farney, começou a se destacar nesses saraus, porta de entrada para começar a cantar profissionalmente no início dos anos 1950, quando ganhou o nome artístico de Nora May, trocado para Ney após uma fã, em uma carta, escrever errado e a cantora aceitar a sugestão da mudança para facilitar para os futuros fãs. 

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As participações na Rádio Tupi acabaram virando um ótimo contrato e, no mesmo período, também conseguiu ser uma das principais atrações do Copacabana Palace - depois da autorização do marido ao longo de vários dias de negociações. Acabou sendo o estopim para o fim do casamento, infeliz na privacidade do lar e publicamente com as brigas, surras e um episódio lamentável em que foi forçada a ingerir remédio para dormir e foi encontrada em estado de quase coma pela família - ela conseguiu a separação ao retirar a queixa. Em 1952, começou a vida de gravações na Continental e o primeiro sucesso foi "Menino Grande", do então desconhecido jornalista Antônio Maria, futuro compositor e comentarista de futebol. Seriam dois 78 rotações lançados naquele ano, ambos sucessos de público.

Com o passar dos anos, transformou-se em uma das cantoras mais famosas do Brasil, sendo eleita a "Rainha do Rádio" por cinco anos seguidos. O sucesso era tamanho que foi escolhida para gravar a versão em português de "Luzes da Ribalta", de Charles Chaplin, feita por Antônio Almeida e João de Barro, canção presente no filme de mesmo nome. Outro estouro.

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Entre vários 78 rotações, gravou o primeiro disco da carreira em 1955, chamado "Canta Nora Ney", trabalho em que o então jovem Tom Jobim contribuiu com uma faixa e o arranjo de outras. Mas foi no ano seguinte que ficaria marcada na história do rock brasileiro e seria lembrada para sempre ao ser a primeira mulher a cantar uma música do gênero, apesar de detestar o assunto, ao gravar "Rock Around the Clock", de Bill Haley & His Comets pelo domínio impecável do inglês, fruto do trabalho nas noites cariocas - no Brasil, a música ganhou o nome de "Ronda das Horas".

Porém, o negócio dela era samba e samba-canção e assim foi pelos anos seguintes, sempre na Continental. Até que a RCA Victor conseguiu contratá-la para o lançamento da música carnavalesca "Vai, Mas Vai Mesmo", de Ataulfo Alves, única gravação feita por ela no estilo. E caiu na boca do povo, sendo um dos grandes sucessos da folia de 1958, ano em que também lançou "Castigo", de Dolores Duran, e "Pra Falar com Meus Botões", de Cyro Monteiro e Dias da Cruz.

A gravação dessas duas canções foi o pontapé inicial para o lançamento de "Nora Ney", primeiro disco da cantora na nova gravadora. Sempre de olho em compositores novos e antigos para construir um bom repertório, ela foi de Ataulfo Alves e Tito Madi até Dolores Duran e novata Maysa Matarazzo com a composição "O Quê", presente no segundo LP da carreira.

Veja também:
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Com uma coleção de ótimas canções, Nora Ney conseguiu mais um álbum de sucesso e pôde partir para uma histórica excursão com outros artistas brasileiros pela Europa, Ásia, África e fez história ao ser uma das primeiras cantoras brasileiras a tocar nos países da União Soviética, lugar que abrigaria ela e o segundo marido, Jorge Goulart, quando a ditadura brasileira baixou o Ato Institucional n.º 5 e começou a perseguir os comunistas - ambos frequentavam as reuniões do Partido Comunista Brasileiro e foram frontalmente contra o golpe de 1964.

Com o terceiro álbum de estúdio, a cantora se consolidou como uma das mais famosas do Brasil e viu centenas de fãs-clubes serem criados para homenageá-la. Pouco mais de 100 anos do nascimento e quase 20 anos após a morte, Nora Ney merece ser redescoberta pelo talento e pela história na música em um período fundamental para o Brasil descobrir todo potencial criativo.

Resenha de "Nora Ney"

O LP "Nora Ney" abre com "Solidão", de Dolores Duran, em um arranjo feito pela orquestra da RCA para deixar a faixa com um ar ainda mais melancólico. Em seguida, o samba "Tudo Passa" traz o final de uma relação amorosa de "estranhos com intimidade", apesar "da saudade que existe entre nós dois". Como poucas, ela dominava a música como se fosse dela e transmitida uma forte sinceridade.

Na onda das canções de fossa, um subgênero musical de bastante sucesso no Brasil nos anos 1940, 1950 e 1960, "Quando a Chuva Não Vem" é dessas tristes que chega a machucar os corações mais cansados. E se "Pra Falar Com Meus Botões" foi um dos grandes sucessos na época do lançamento, "Pobre de Mim" e "Ser Bom" formam a sequência que encerra o lado A do LP com duas canções de Ivon Curi, futuramente conhecido como o Gaudêncio da Escolinha do Professor Raimundo.

O samba "Vai, Mas Vai Mesmo" abre o lado B de maneira bem animada, um grito de independência, muito diferente da fossa de "O Que", escrita pela jovem Maysa, que estava desafiando o marido, André Matarazzo, quando gravou e lançou o segundo disco de estúdio da carreira.

"Pedro Manduca", de Nelson Gonçalves e René Bittencourt, apresenta uma dessas histórias que só mesmo a boemia carioca seria capaz de contar em um samba-canção tão bom e cheio de detalhes. Depois, "O Que Passou, Passou" coloca o passado para trás e "Você Sabe" chega falando apenas verdades com um arranjo bem clássico e feito para destacar a voz da cantora. O LP encerra com "Castigo" para falar sobre arrependimento de perder um grande amor ("Você se lembra?/ Foi isso mesmo que se deu comigo/ Eu tive orgulho e tenho por castigo/ A vida inteira pra me arrepender").

Em grande fase e uma das vozes mais conhecidas do Brasil, Nora Ney fez do álbum que levava o próprio nome um dos melhores do final dos anos 1950 no Brasil, tudo isso com um repertório de dar inveja e uma orquestra afiada. Se existe uma cantora brasileira que merece ser celebrada, com certeza é ela.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Solidão" (Dolores Duran) (2:38)
2 - "Tudo Passa" (Bidú Reis/Mário Lago) (2:37)
3 - "Quando a Chuva Não Vem" (Tito Madi) (3:08)
4 - "Pra Falar Com Meus Botões" (Cyro Monteiro/Dias da Cruz) (3:10)
5 - "Pobre de Mim" (Ivon Curi) (3:17)
6 - "Ser Bom" (Ivon Curi) (3:12)

Lado B

1 - "Vai, Mas Vai Mesmo" (Ataulfo Alves) (2:36)
2 - "O Que" (Maysa) (3:05)
3 - "Pedro Manduca" (Nelson Gonçalves/René Bittencourt) (2:56)
4 - "O Que Passou, Passou" (Abel Ferreira/Marlene) (2:41)
5 - "Você Sabe" (Ruanita Castillo) (2:49)
6 - "Castigo" (Dolores Duran) (3:36)

Gravadora: RCA Victor
Produção: -
Duração: 35min45

Nora Ney: vocal
Orquestra da RCA: instrumentos diversos

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