Discos para história: As Plantas que Curam, do Boogarins (2013)

História do disco

"Há uma sensação de que a herança do rock clássico em que eles estão vagando é um enorme e emocionante jogo para eles, cada música um quebra-cabeça Sudoku para sua composição". É assim que Jayson Greene, crítico da 'Pitchfork', fala nos momentos finais da resenha de "As Plantas que Curam", primeiro álbum de estúdio dos goianos do Boogarins, lançado em 2013.

A história do trabalho é uma mistura de conto de fadas com falta de visão das gravadoras brasileiras. Formado em 2012, o grupo começou como uma dupla, com o vocalista e guitarrista Dinho Almeida e o também guitarrista Benke Ferraz, que matava aulas para fazer jams e encontrar a própria sonoridade, uma mistura de Júpiter Maçã, Tropicalismo, Tame Impala e a carreira solo de Syd Barrett.

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O nome, por mais incrível que possa parecer, só veio depois, quando o baterista Hans Castro e o baixista Raphael Vaz entraram para fazer a cozinha da banda e encorpar ainda mais esse escopo de influências do rock psicodélico. Mas o nome do primeiro EP já estava definido: "As Plantas que Curam", com as seis músicas que eles tinham, lançado em 2012.

Há uma década, a internet já não era mais o bicho de sete cabeças do final dos anos 1990 e início dos anos 2000. As bandas, público, imprensa e gravadoras - todos os elementos que juntos formam a chamada "indústria da música "- tinham visto como a chegada desse novo elemento mudou o jogo em todos os aspectos possíveis. Dos downloads ilegais, passando pelo site da Trama, o MySpace até o iTunes, o mundo novo chegava com o pé na porta e o passado estava cada vez mais longe.

Foi com esse espírito, um notebook, microfones e a vontade de fazer sucesso com música, que o Boogarins gravou o EP e mandou para o máximo de sites e gravadoras que conseguiram - o bater de porta em porta, definitivamente, mudava de jeito. No Brasil, infelizmente, ninguém atendeu e houve frustração. Mas sempre existe alguém com visão, alguém capaz de enxergar longe o suficiente para vislumbrar o potencial. Esse alguém foi a hoje extinta gravadora americana Other Music.

Primeiro loja de discos, fundada em 1995, a Other Music conseguiu sobreviver ao início dos anos 2000 na música, quando os downloads ilegais deixaram os CEOs das gravadoras sem dormir pela queda dos números nos balanços a cada trimestre. Em 2012, eles resolveram dar um passo ousado ao fazer uma parceria com a gravadora Fat Possum para criação de um selo. Nascia a Other Music Recording Co. E foram eles que, ao ouvirem esse rock psicodélico cantado em português, não tiveram dúvida ao contratá-los. 

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"Quando decidimos lançar aquelas primeiras seis músicas que tínhamos [do EP 'As Plantas Que Curam'] mandamos para o máximo de sites e selos que conseguimos. Qualquer um que deixasse o e-mail para contato no seu site a gente tentou alcançar, e acabou rolando o contato da Other Music. Foi aí que fizemos duas turnês longas no ano passado e elas refletiram de forma muito positiva fora e no Brasil", disse Ferraz, para o site da revista 'O Grito', em 2015.

Ambos tinham uma coisa fundamental para qualquer pessoa iniciante: a força juvenil e a vontade em fazer boa música. A gravadora queria apostar em sonoridades diferentes do indie americano e inglês de sucesso nas revistas e sites especializados; a banda queria colocar para fora as inspirações que os levaram até ali. O risco era algo e a aposta foi alta: "As Plantas que Curam" seria lançado em CD, LP e fita cassete no final de 2013 com distribuição mundial, um custo bem alto para um selo com pouco menos de um ano de existência, que fechou em 2016 por conta da forte crise na indústria da música, hoje em recuperação.

"Acho que nunca imaginamos algo dessa proporção, mas desde o início, sempre acreditamos na qualidade do nosso trabalho. É um processo de anos, tem músicas que compus com o Dinho na adolescência e agora tão em disco. Lógico que muita coisa muda, até porque tudo aconteceu muito rápido, foram apenas dois anos, mas o nosso som e o jeito que a gente toca continuam os mesmos", falou Ferraz, agora em entrevista ao 'Diário de Pernambuco', também em 2015.

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E como um sonho realizado, a coisa aconteceu. O disco saiu e foi um estouro, tanto no Brasil, quando no mercado internacional. Na onda da neo-psicodelia, embalada pelo sucesso do Tame Impala, o Boogarins conseguia um lugar de destaque como um produto brasileiro fresco, cheio de energia e pronto para conquistar os fãs. Hoje, a banda é uma das melhores e mais celebradas, com uma bonita história para contar.

A versão brasileira do disco só saiu em 2015 pelo Skol Music, mesmo ano de lançamento de "Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos", o segundo álbum de estúdio.

Resenha de "As Plantas que Curam"

O Boogarins já teria feito história apenas com o lançamento da ótima "Lucifernandis", uma referência à Lúcifer de uma maneira mais solta e leve, mas inspirada na versão bíblica da história. Em uma faixa que soa improvisada do início ao fim, é um ótimo cartão de visitas para um grupo brasileiro iniciante que, na época, estava tentando a sorte em uma gravadora internacional. E em uma fase da vida em que razão e emoção brigavam, a reflexiva "Erre" chega para contar sobre esse duelo e como o resultado pode afetar a vida a partir daquele instante.

"Infinu" chega como uma espécie de pensamento que amarra o primeiro terço do álbum, como uma reflexão necessária para seguirmos adiante na relaxante "Despreocupar", uma balada tranquila de ares psicodélicos e com enorme potencial para fazer a festa de quem curte o "cigarro de artista", que faz bastante efeito no desabafo misturado com vontade "Hoje Aprendi De Verdade".

O clima de fita demo permanece ao longo de todo trabalho, fundamental para extrair a sinceridade e o lado mais cru da então jovem banda. "Fim" chega com um ar mais country em uma crônica sobre o passado e o agora, enquanto a balada romântica melancólica "Doce" ganha muito com a guitarra bem presente e cheia de energia.

A poesia experimental de "Eu Vou" pega o ouvinte na mão e o encaminha para a parte final do álbum, que ainda traz a instrumental "Canção Perdida" e "Paul", uma homenagem aos Beatles e com a reflexão "O tempo passou e você quer ser alguém/ Mas nada mudou e você não sabe quem".

O Boogarins não poderia ter feito uma estreia melhor com "As Plantas que Curam". Cantado em português do início ao fim, o álbum é dessas pérolas que merecem ser lembradas não só pela qualidade do material, mas pelo fato de quase não ter visto a luz do sol. Por sorte, uma gravadora independente americana gostou e topou lançar, e mudou para sempre a vida dessa banda de Goiás.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Lucifernandis" (4:03)
2 - "Erre" (3:48)
3 - "Infinu" (3:25)
4 - "Despreocupar" (2:48)
5 - "Hoje Aprendi De Verdade" (3:59)
6 - "Fim" (1:58)
7 - "Doce" (4:57)
8 - "Eu Vou" (2:19)
9 - "Canção Perdida" (1:09)
10 - "Paul" (3:23)

Gravadora: Other Music Recording Co.
Produção: Boogarins
Duração: 31min49

Hans Castro: bateria
Dinho Almeida: vocal e guitarra
Benke Ferraz: guitarra
Raphael Vaz: baixo

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