Festivais: In-Edit Brasil 2015


Começou a sétima edição do In-Edit Brasil, festival de documentários musicais que acontece em vários pontos da cidade de São Paulo – clique aqui para entrar no site oficial e saber mais – com muita coisa que dificilmente passará no circuito comum das salas de cinema. Ao longo de todo evento, publicarei pequenas resenhas de tudo que conseguir assistir nos 12 dias de evento.


Keep On Keepin’ On (2014)

Direção: Alan Hicks. Duração: 84 min. Elenco: Clark Terry, Quincy Jones, Justin Kauflin, Gwen Terry. País: Estados Unidos.

Primeiro documentário que tive a chance de assistir no CineSesc, Keep On Keepin’ On é a história de Clark Terry, saxofonista histórico americano com passagem pelas bandas de Charlie Barnet (1947), Count Basie (1948 a 51), Duke Ellington (1951 a 1959), Quincy Jones (1960), Tonight Show (1962 a 1972) e Oscar Peterson (1964 a 96), e sua relação com o pianista talentoso Justin Kauflin, um dos grandes nomes do instrumento atualmente – detalhe: ele ficou cego definitivamente na adolescência.

Terry foi muito mais do que um saxofonista, foi um verdadeiro professor para muitos gênios do jazz como Miles Davis, Quincy Jones, Arturo Sandoval, Dianne Reeves e outros nomes. Entre o período entre aluno, músico e professor, foram mais de 70 anos dedicados a passar seu aprendizado para outras pessoas. O interessante do longa é mostrar a relação entre Terry e Kauflin.

Os dois viraram mais do que professor e aluno, é uma relação entre pai e filho que atravessa madrugadas de ensaios, histórias e risadas em quase uma hora e meia. Atravessando seus últimos momentos em vida, Clark Terry mostrava entusiasmo pela música como se fosse um iniciante, mesmo quando passou por seus piores momentos de saúde por conta da diabetes muito avançada, enquanto Kauflin é um aluno dedicado, atencioso e gosta desse contato com o mestre.

O ápice do documentário é quando o produtor Quincy Jones, primeiro aluno de Terry, aparece e causa uma pequena reviravolta na vida do jovem Justin Kauflin. Ao fim, vemos uma lição de vida de ambos. Um, ainda que em uma cama quase o tempo inteiro, demonstra um amor incansável pela música; outro, ainda iniciante, que bebeu cada palavra do professor e tem uma carreira promissora. Enfim, um filme cheio de humanidade que anda em falta.





My Name Is Now, Elza Soares (2014)

Direção: Elizabete Martins Campos. Duração: 71 min. Elenco: Elza Soares. País: Brasil.

Elza Soares é uma personagem e tanto na música brasileira. Mulher, negra, passou fome durante boa parte de seus primeiros 25 anos de vida, ex-mulher de Garrincha, é samba, é rock, é pop, é bossa, é funk, é jazz, ela é tudo e mais um pouco em quase 90 anos vividos. Mas não espere depoimentos de figurões da música brasileira falando de quão incrível ela foi em sua carreira e sobre todo seu sofrimento.

My Name Is Now, Elza Soares traz um trabalho muito mais artístico e conceitual do que documental em seus pouco mais de 70 minutos. A diretora Elizabete Martins Campos e sua equipe tiveram um trabalho imenso para montar a coisa como eles queriam. Então há colagens e mais colagens de momentos da vida da cantora em diversos momentos, números musicais e uma descaracterização da personagem que sobe ao palco durante os shows.

Não é um longa fácil de ser assistido porque, antes de qualquer coisa, é necessário acreditar muito na proposta mostrada na tela – o momento em que ela fala do filho com Garrincha, morto aos oito anos, é de uma profundidade tocante. Os primeiros minutos são de estranhamento e uma adaptação ao momento. Depois de ambientado, é possível ver a beleza dessa obra quase cubista, que desnuda e coloca na cara do público uma cantora que sofreu muito, mas aprendeu a tirar isso como a nota de uma canção.




The Other Side of The Mirror: Bob Dylan at the Newport Folk Festival 1963-1965 (2007)

Direção: Murray Lerner. Duração: 83 min. Elenco: Bob Dylan, Joan Baez, Johnny Cash, Peter, Paul and Mary, Pete Seeger, Freedom Singers, Petere Yarrow. País: Estados Unidos.

O diretor Murray Lerner é o homenageado nesta sétima edição do In-Edit-Brasil. O único dos cinco filmes dirigidos por ele que estão no festival que consegui ver (até agora) foi The Other Side of The Mirror: Bob Dylan at the Newport Folk Festival 1963-1965, longa que trabalha sem narrador, sem depoimentos e com bastante edição. Em preto e branco, o documentário faz um estudo de personagem (Dylan) em um pano de fundo (Newport Folk Festival) em três edições diferentes.

De rapaz acanhado, cheio de timidez e apenas querendo mostrar sua música em 1963, uma mudança de postura é visível em 1964 – quando ele já é uma das referências para os jovens com suas letras políticas e identificáveis por toda uma geração que vivia em um fogo cruzado nos Estados Unidos.

Grande mudança mesmo acontece em 1965, quando Dylan troca o violão pela guitarra e é vaiado pelo público ao parece que cometeu um crime grave ou alguma coisa do tipo. Com boas imagens de arquivo, é um documentário simples, totalmente musical em que o personagem e suas letras falam por si só.




Paco de Lucía: La Búsqueda (2014)

Direção: Curro Sánchez Varela. Duração: 91 min. Elenco: Paco de Lucía, Alejandro Sanz, Carlos Santana, Chick Corea, John McLaughin, Jorge Pardo. País: Espanha.

Paco de Lucía foi um gênio do violão, e não tinha como alguém contestar isso de forma alguma. Esse documentário traz isso, e muito mais da vida desse homem que virou lenda ainda em vida. Pela beleza, trabalho de edição, depoimentos, imagens de arquivo e montagem, não é de graça que o longa é o grande astro do In-Edit Brasil deste ano.

Da infância pobre à consagração, Paco mostra-se um homem metódico no trabalho e exigente consigo mesmo desde quase sempre – isso vem muito do pai, um típico espanhol nascido no início do século 20. “Não consigo relaxar, porque se mostrar menos do que já mostrei, serei criticado”, diz ele em certo momento.

O interessante é ver como ele mudou a música flamenca ao acrescentar uma nova perspectiva quando usou a rumba, ritmo cubano, e toques de improvisação típicos do jazz, momento de sua carreira que conseguiu a consagração mundial ao formar um trio Al Di Meola (Larry Coryell no primeiro álbum) e o gênio John McLaughlin – incentivador, amigo e fã de Paco. Aliás, isso gerou uma crítica imensa por parte dos mais tradicionalistas. Eles detestaram ver a música flamenca misturada com outro ritmo.

Sabemos muito pouco da vida pessoal do músico e o longa toca muito pouco em polêmicas, reservando boa parte da hora e meia a mostrar o grande músico que ele foi enquanto esteve em vida. Após morrer depois de sofrer um infarto no México, não viu o resultado final dessa beleza de documentário lançado. Mas o final, assim como seu talento, acabou sendo improvisado com maestria. Um mestre como ele merecia um trabalho assim – beirando a perfeição.




B-Movie: Lust & Sound in West-Berlin 1979 - 1989 (2015)

Direção: Jörg A. Hoppe, Heiko Lange, Klaus Maeck. Duração: 92 min. Elenco: Blixa Bargeld, Gudrun Gut, Annette Humpe, Mark reeder, Nick Cave. País: Alemanha.

Berlim era uma cidade em cacos entre os anos 1970 e o início dos anos 1990. E além de ser um lugar quase em ruínas, existia um muro dividindo a cidade em dois lados – Ocidental, controlado pelos Estados Unidos, e Oriental, controlado pela extinta União Soviética. É nesse cenário que Mark Reeder, um personagem muito diferente, deixa Manchester, na Inglaterra, outra cidade em estado lamentável, para viajar até Berlim para explorar sua paixão: a música alemã.

Mesclando imagens de arquivo muito boas com montagens toscas de um filme B, daí o nome do longa, B-Movie: Lust & Sound in West-Berlin 1979 - 1989 agrada ao mostrar com um viés cômico da cena punk local do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, e do começo da segunda cena eletrônica alemã. A cidade suja e desfigurada intelectualmente tinha vida nos becos e bares.

Além de tudo isso, Reeder conseguiu estar presente em momentos históricos na cidade, como explorar o lado Oriental, o épico show de David Bowie próximo do Muro, a festa de David Hasselhoff na virada do ano, a estada histórica de Nick Cave poucos anos antes de ativar o Bad Seeds e o momento em que o Muro caiu. Peculiar e engraçado, o longa funciona bem em mostrar uma ex-cidade decadente por um ângulo diferente.




The Death And Resurrection Show (2014)

Direção: Shaun Pettigrew. Duração: 150 min. Elenco: Killing Joke, Jaz Coleman, Jimmy Page, Laurence Gardner, Tareq Aakef, Costa Anastasakis, Tony Assassin, Geraldine Besin, Dave Bianchi, Gloria Coleman. País: Nova Zelândia e Inglaterra.

De todos os documentários que vi no In-Edit, de longe, o sobre o Killing Joke é o mais intrigante e sombrio. Para quem leu a biografia do Led Zeppelin escrita por Mick Wall, não achará estranho o fato de destacarem tanto o gosto pelo ocultismo por dois membros do grupo, o vocalista Jaz Coleman e o genial guitarrista Geordie Walker.

Com duas horas e meia, The Death And Resurrection Show desnuda o grupo por inteiro – do sucesso ao fracasso, idas e vindas de todos que fizeram parte da banda e depoimentos de pessoas próximas. De longe, o astro é Jaz. Excêntrico, para usar uma palavra leve, ele é um gênio da música, mas suas crenças o levaram ao limite e a planos não compreendidos pelos outros, como gravar um disco dentro de uma Pirâmide no Egito, no interior da Nova Zelândia ou fugir para Islândia e ficar três dias sem comer no topo de uma montanha.

A relação entre os membros também é colocada à prova e, basicamente, eles se odeiam. Mas eles não vivem sem os outros. Apesar de um pouco longo e com partes desnecessárias, o documentário é bom ao colocar que nem toda banda é Rolling Stones ou Bruce Springsteen, mas o amor pela música e por fazer parte desse mundo é o que mantém o Killing Joke na ativa.




Premê. Quase Lindo (2015)

Direção: Alexandre Sorriso, Danilo Moraes. Duração: 70 min. Elenco: Premê. País: Brasil.

O Premeditando o Breque nasceu na ECA-USP no final dos anos 1970 com muito do que os Titãs, na teatralidade e cada membro da banda fazendo um pouco de tudo, e a Blitz, o bom humor e letras engraçadas, fariam muito sucesso na década seguinte. Claro, tudo com um toque e ironias bem paulistas. O Premê não chegou a fazer fama e dinheiro (“quem ri o tempo inteiro como nós ou é rico, ou louco. E nós não ficamos ricos”, diz Wandi Doratiotto), mas conseguiu abrir portas e mostrar a versatilidade de um grupo – eles vão do samba ao rock em um mesmo álbum.

Até chegar ao sucesso de "São Paulo, São Paulo", passaram por festivais, palcos amadores, entrevistas ruins, estiveram no grupo Vanguarda Paulista, passando pelo famoso Lira Paulistana, e fizeram de tudo um pouco na vida – todos mantinham um segundo emprego paralelo à carreira no Premê.

Usando muitas imagens de arquivo para contar a história deles, o longa não é sensacional, mas é bem honesto ao deixar o papel de mostrar o grupo a todos os membros e ex-membros. No final, o Premê é exaltado como uma das grandes bandas de São Paulo que, como muitas outras, caíram no esquecimento. Ainda bem que esse documentário relembra, ainda que só um pouco, uma bonita história.




Eu sou Carlos Imperial (2014)

Direção: Renato Terra, Ricardo Calil. Duração: 90 min. Elenco: Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Paulo Silvino, Eduardo Araújo, Dudu França, Sandra Escobar. País: Brasil.

Carlos Imperial (1935 – 1992) era muita coisa, menos burro. Contador de histórias, que sempre ganhavam contornos favoráveis a ele de acordo com o ouvinte, mentiroso de marca maior, produtor, diretor, ator, compositor, inventor do gênero musical que chamou de “pilantragem” e revelador de talentos, ele fez coisas ótimas pela música brasileira e é reverenciado até hoje, colecionou inimigos, a quem dizia “amigo não tem defeito, mas inimigo tem. E se não tiver, eu arrumo um pra ele”.

Com gosto incrível por comer, tomar Coca-Cola e mulherengo de primeira, ele é mostrado de cabo a rabo em Eu sou Carlos Imperial, documentário que faz um belo resumo da carreira desse nome fundamental da música nacional. Responsável por revelar Roberto e Erasmo Carlos (ambos tem imensa gratidão por ele), Elis Regina (produtor do primeiro disco), Tim Maia (o levou em seu programa na Tupi), Wilson Simonal (deu o título de Rei da Pilantragem), Clara Nunes (foi produtor), Eduardo Araújo e um monte de outros figurões que fizeram sucesso.

Mas o que tinha de genial e bom olho, ele tinha de mentiroso e era o puro estereótipo da Lei de Gerson, de levar vantagem em tudo – desde plantar notícias falsas para prejudicar alguém até mentir que foi torturado pela ditadura militar, entrar na política (“católico que sou, acredito que o tancredismo é semelhante ao cristianismo”, disse quando fundou o PTN) e registrar canções de domínio público em seu nome, Imperial é desses personagens que o Brasil lembra mais pelo folclore do que por seu trabalho.

Os depoimentos são ótimos, principalmente dos filhos e dos amigos mais chegados, e mostram um Carlos Imperial que mudava sua postura de acordo com a ocasião. E sem medo de mostrar as polêmicas e tudo que cercou a vida dele, o longa tem humor, imagens de arquivos ótimas e mostra Imperial exatamente como ele era: um homem leal ao amigos e um que prejudicava os inimigos sempre.




Angels and Dust (2013)

Direção: Héctor Herrera. Duração: 79 min. Elenco: Angel Dust. País: Panamá, Espanha.

Paco, mais conhecido como DJ Professor Angel Dust, é pego com cocaína durante uma viagem ao Panamá em que está acompanhado pela mulher e a filha. Detidos, os três ficam no país até o final do julgamento – lá, tráfico de drogas é um crime gravíssimo. Irmão de Paco, Maurício deixa a Espanha para resgatar a sobrinha. E é aí que os problemas começam.

De todos os documentários que vi, esse foi o que menos me agradou por soar um reality show comprimido em quase 80 minutos de duração. O ponto alto é mostrar a situação do Panamá, em que jovens morrem todos os dias, as drogas circulam soltas na cidade, a maioria da população é muito pobre. E Maurício se esforça para melhorar a situação do irmão, que se envolve em um projeto musical na prisão para atenuar sua pena, mas acaba se metendo com traficantes locais, brigas e fica muito perto de perder a vida.

Os personagens coadjuvantes funcionam bem, como o cara que tem um táxi irregular, um cantor de rap que faz apologia ao crime, o traficante que tem 70 pontos no corpo causados por ferimentos de bala... Enfim, uma realidade que, como clama um dos moradores locais, não condiz com os milhões que entram no país pelo Canal do Panamá. Ao final do longa, a sensação é a falta de cuidado com as duas histórias – do país e de Paco, agora juntas.




Autoluminescent: Rowland S. Howard (2011)

Direção: Richard Lowenstein, Lynn-Maree Milburn. Duração: 110 min. Elenco: Rowland S Howard, Genevieve McGuckin, Nick Cave, Mick Harvey, J.P. Shilo, Lydia Lunch, Adalita Srsen, Bobby Gillespie, Harry Howard. País: Austrália.

O estilo único de Rowland Howard como compositor e guitarrista cativou muita gente que viria a fazer sucesso nos anos 1980. Ao lado de Nick Cave no Birthday Party, ele conseguiu fazer discos com estilo único e tirava o melhor de sua guitarra – aos 16 anos, ele já era considerado uma espécie de lenda. O jeito tímido, a ironia fina e as canções melancólicas encantavam, mas Rowland arrumou um inimigo poderoso que atrapalharia sua vida, seus casamentos e sua carreira: a heroína.

Quando o Birthday Party acabou, Cave e Howard seguiram caminhos diferentes; enquanto o primeiro decolou, o segundo, apesar de seu talento nato, nunca conseguiu fazer o merecido sucesso. É desses casos que só vemos sua influência e talento depois de sua morte, o que não deixa de ser uma pena.

É possível perceber nos depoimentos o quê de profunda admiração de quem pôde conviver com ele. E não há ninguém que fale mal ou reclame de alguma coisa feita por Rowland em sua vida. O longa funciona como uma espécie de ode e homenagem ao um guitarrista criativo que se afundou nas drogas ao ponto de ficar fraco e sem forças no final da vida. Do início de sua carreira na Austrália, passando por Londres e Berlim até retornar para casa da mãe, ele deixou um legado pouco explorado, mas que merece reverência.




The Possibilities Are Endless (2014)

Direção: James Hall, Edward Lovelace. Duração: 82 min. Elenco: Edwyn Collins. País: Reino Unido.

Imagine a situação: um cantor de uma banda com certo sucesso sofre um derrame cerebral tão forte que fica seis meses em coma. Quando acorda, não se lembra de quem é, o que fazia, não sabe falar direito, não sabe andar, não sabe escrever e esquece como é fazer atividades cotidianas. Essa é a história de Edwyn Collins em The Possibilities Are Endless. Com uma introdução longa, com imagens da cidade de Helmsdale, na Escócia, a melancolia é a base do longa delicado e sincero, que mostra a luta de um homem que deseja apenas recuperar uma pequena parte de sua vida.

Com apoio da mulher, Collins entra em um processo de trabalhar a memória para reativar, ou tentar, as lembranças básicas de coisas comuns. A trilha sonora consegue casar tão bem como a proposta do filme ao levar o espectador a quase fazer parte da vida e do drama do cantor.

Sim, cantor.

Depois de alguns anos em recuperação, ele não só conseguiu reavivar algumas poucas lembranças, como retornou aos estúdios para gravar um disco. É incrível como ele melhora no palco e consegue se expressar melhor cantando do que falando – ele ainda tem alguns problemas para se comunicar e parece entrar em outro mundo quando se esforça muito.

A luta pela vida é sempre algo tocante. E o caso de Collins não é diferente. Aliás, o que difere dele dos outros é ver o recomeço de uma vida. “As possibilidades são infinitas”, diz ele. É verdade.